Precisamos falar sobre mulheres gordas no cinema.

Antes de ser Marilyn Monroe, a jovem Norma Jean Dougherty era uma aspirante a modelo, que após entrar em uma agência, acabou ouvindo que era “muito rechonchuda, mas de uma forma bonita”. Isso aconteceu em 1945, quando a futura estrela de Hollywood tinha 19 anos, e fazia um teste para uma empresa chamada Blue Book. A secretária então fez um comentário ao lado das suas medidas: tamanho 12. Temos de levar em consideração que um tamanho 12 da época era algo próximo ao um tamanho 6 de hoje em dia (ou 40, no padrão brasileiro), mas isso só prova que as mulheres em Hollywood sempre foram forçadas a buscar mudanças em seus corpos desde o início da indústria.

Setenta e dois anos se passaram desde então.

E hoje, nós ouvimos muito debate sobre diversidade corporal em Hollywood. É um problema que lentamente atingiu o debate nacional, com estrelas como Rachel Bloom, Leslie Jones, Mindy Kaling e Bryce Dallas Howard acendendo as discussões sobre como é ter um corpo que não se adequa aos padrões de beleza aceitos por uma indústria que preza a aparência acima de tudo. O recente escândalo envolvendo Harvey Weinstein trouxe à tona vários desses problemas. Em sua coluna como convidada para o The Hollywood Reporter, Linda Bloodworth-Thomason apontou a triste verdade que “o principal critério de seleção em Hollywood é, acima de tudo, que uma atriz seja ‘gostosa e comível’”. O próprio Harvey Weinstein solicitou que a protagonista de um projeto fosse substituída por não ser “comível o bastante”.

O ano de 2016 nos trouxe o inesperado sucesso This is Us, uma das raras séries para televisão que apresentavam uma atriz plus size, Chrissy Metz, em um papel de protagonista. American Housewife, uma série sobre uma mãe plus size com três filhos (Katie Mixon) lutando para se encaixar na sociedade de Westport, Connecticut, lançada no mesmo ano, está apenas em sua segunda temporada. E apesar de essas duas séries terem roteiros fortemente ligados a aparência dessas duas personagens, sua popularidade parece sugerir que, ainda que superficialmente, as coisas estão se movendo na direção certa – apesar de lentamente.

American Housewife. Créditos de imagem: ABC/Michael Ansell

Mas quanto disso está realmente causando impacto no que vemos nas telinhas e telonas? Será que estamos realmente progredindo em direção a um mundo onde a diversidade corporal é algo natural, e não apenas um ponto a ser explorado em uma trama?

Personagens femininas dos filmes têm três vezes mais chances de serem magras do que as suas contrapartes masculinas.

Vamos começar pelos filmes. Em um estudo feito exclusivamente para o site Refinery29, e que analisou os 100 principais filmes lançados em 2016, a Dra. Stacy L. Smith e a Media, Diversity & Social Change Initiative (Iniciativa pela Mudança Social e de Diversidade na Mídia, em tradução livre) da Escola de Comunicação e Jornalismo da USC Annenberg, verificaram que personagens femininas têm três vezes mais chances de serem magras do que as suas contrapartes masculinas. Analisando os dados combinados com a idade, foi verificado que 54,8% das jovens entre 13 e 20 anos de idade nas telonas eram magras, que 42,4% das mulheres entre 21 e 39 anos e 18,6% das mulheres entre 40 e 64 anos também. Isso quer dizer que mais da metade das jovens mostradas nas telonas podem ser consideradas “magras” ou “extremamente magras”.

54,8% das mulheres entre 13 a 20 anos nas telonas são magras. 42,4% de mulheres de 21 a 39 anos eram magras. 18,6% de mulheres de 40 a 64 anos eram magras.

Isso possui séries consequências no mundo real. Em 2012, um estudo publicado pela revista científica PLos One apontou que mulheres expostas a imagens de corpos mais diversos rapidamente se tornam mais confortáveis com diferentes tipos físicos. É razoável concluir que, quanto maior a diversidade corporal apresentadas nas telonas e na mídia em geral, mais rapidamente nos tornaremos capazes de aceitar a nós mesmas e às outras pessoas ao nosso redor.

50% das garotas adolescentes que aparecem nas telas são caracterizadas como “magras ou extremamente magras”.

Refletindo outro movimento em marcha lenta de Hollywood em busca de diversidade de gênero, 34 dos 100 filmes analisados possuíam protagonistas ou co-protagonistas femininas. Mas novamente, quando analisamos as obras sob as lentes da diversidade corporal, o resultado é decepcionante. Das 33 personagens com “corpos humanos”, apenas 4 delas possuíam um manequim 48 ou superior, incluindo um papel feminino interpretado por um homem em um traje feminino e uma mulher magra que utilizou próteses para aparecer maior (a Iniciativa não aceitou revelar quais eram os filmes em questão).

Esses números, apesar de péssimos, não são surpreendentes, de acordo com Cristina Escobar, diretora de comunicação do The Representation Project, uma organização que utiliza filmes e mídia como formas de apresentar as mudanças na estrutura social e desmontar estereótipos.

“Hollywood não é muito velha, mas no curso de sua história sempre demonstrou valorizar a magreza, mostrando os mesmos tipos corporais repetidamente”, afirmou ela em entrevista recente.

Existem e sempre existiram pontos fora da curva, mas são poucos e bastante separados, com a sua maioria caindo dentro do espectro de aceitabilidade magra que designa esses tipos corporais como “curvilíneos”. (Um bom exemplo é o da atriz Christina Hendricks, em Mad Men):

“Em décadas passadas, nós tivemos Jennifer Lopez e sua bunda virando notícia, como se isso fosse algo novo, ou recentemente desejável”, brincou Escobar.

Mas nós realmente estivemos presas nessa narrativa limitada, em que Hollywood consistentemente conta histórias sobre o valor de uma mulher estar em sua beleza, sexualidade e no seu corpo magro.

Escobar chama atenção para o filme Hitch, de 2005, como um exemplo de onde Hollywood está hoje. Will Smith, o protagonista, é um homem alto, magro e atlético. E então temos Kevin James, que como personagem coadjuvante, pode ter um tipo corporal diferente. Ao final do filme, ambos acabam com mulheres bonitas e magras. “E isso realmente fala muito sobre onde estamos, e como estamos com relação a diversidade corporal”, ela explica.

Não é uma sala cheia de balanço, homens podem ter mais, e isso é triste para todas nós.

Mas a televisão está se saindo melhor, não? Afinal, veja Girls, ou Crazy Ex-Girlfriend!

Leia também: Você precisa assistir Crazy Ex-Girlfriend!

Infelizmente, este não é realmente o caso. Analisando um episódio de cada uma das 50 séries mais populares para televisão, com foco em personagens entre 18 e 49 anos, no período entre junho de 2016 e maio de 2017, a Iniciativa verificou que 43,3% das mulheres eram consideradas magras ou extremamente magras, contra apenas 13,6% dos homens. Isso quer dizer que para cada Hannah Horvath, nós temos duas Marnie Michaels e meia.

Um número surpreendente de séries demonstrou ter mulheres como protagonistas (30 das 50 séries analisadas), mas dentre elas, apenas 3 utilizavam um manequim tamanho 48 ou superior. De forma ainda mais desanimadora, 64,1% das adolescentes nas séries para TV foram descritas como “magras ou extremamente magras”.

43,3% das personagens femininas eram magras, comparadas com apenas 13,6% dos personagens masculinos. Apenas 3 em 30 protagonistas femininas são plus-size.

Mas se pensarmos um pouquinho, nada disso é surpreendente. Basta lembrar de toda a controvérsia gerada sempre que Lena Dunham mostrava seu corpo em Girls. Ou do fato que Gabourey Sidibe teve que defender o seu direito a ter uma cena de sexo em Empire, porque conforme ela mesma afirmou, “uma mulher acima do peso e com pele escura” teria ousado gravar uma cena de amor para televisão.

 

Ou mesmo o fato de que mulheres ainda são cobradas para perder peso para conseguir papéis, algo que Kirsten Dunst revelou durante a turnê promocional de O Estranho que Nós Amamos (2017). (E sim, felizmente ela se negou a fazer isso).

Mulheres ainda estão lutando por representação básica na mídia em geral, e em Hollywood isso não é diferente. Mas apontar poucas escolhas como exemplos de progresso não é o suficiente. Imaginem um mundo em que o peso de uma mulher não é mais um assunto para conversa ou ponto da trama de uma história inteira – isso não seria legal? Resposta: sim, seria.


Fonte: Refinery

Compartilhe: