Mesmo não figurando atualmente nas telinhas, Quentin Tarantino ainda consegue ser capaz de causar agitação entre seus fãs. O renomado diretor, roteirista, produtor de cinema e ator americano, considerado por muitos um dos mais memoráveis jovens diretores de cinema por seu abrangente conhecimento enciclopédico cinematográfico, teve seu nome reerguido nas discussões cibernéticas nos últimos tempos, causando um verdadeiro mindblow nos incautos espectadores de suas obras cinematográficas.

Não é de hoje que essas discussões circulam por aí, claro, mas o mindblow ainda é novo e alucinante para muita gente, principalmente para quem veio descobrindo os filmes do Tarantino fora de época, se é que me entendem. Mas temos que admitir que não havia como não reacendê-las graças às recém descoberta de detalhes no filme Django Livre, lançado no Brasil há mais de um ano, que o conecta com filmes anteriores do diretor; além da ansiedade causada pela sábia decisão de Tarantino em seguir sua nova produção (que quase foi pro saco por causa de um vazamento do script): The Hateful Eight.

A ideia principal das teorias é que qualquer pessoa que tenha visto pelo menos dois filmes do diretor pode ter a percepção de que existem conexões entre eles. A teoria em si diz que todos os filmes formam um mapa, onde os personagens principais estão conectados em pequenos pontos e as histórias podem ser, inclusive, paralelas. Dizem que todo fã de Tarantino que se preze, sabe, por exemplo, sobre a ligação entre a Pulp Fiction e Cães de Aluguel. Também foi descoberto um pouco mais recentemente a ligação interessantíssima entre Pulp Fiction, estreado em 1994, e Kill Bill, que foi às telonas lááá em 2003:

Pra quem quiser ser mais prático:

“Havia uma loira, ela era a líder”

“A raposa japonesa era mestra em kung fu”

“A garota negra era especialista em demolição”

“A raposa francesa era especialista em sexo”

“A personagem que eu interpretava era a mulher mais mortal do mundo com uma faca.”

DO CARALHO, né?

Mas as referências não param por aí. Tamanho é o repertório de Tarantino que, com um pouco de atenção, é possível encontrar diversos pequenos detalhes que apontam para outras obras cinematográficas, inclusive que não pertençam ao Tarantino. Confira:

O reconhecimento desses detalhes virou mania na grande rede, a ponto de em 2006 se tornar inspiração para o curtametragem brasileiro “Tarantino’s Mind”, estrelado por Selton Mello e Seu Jorge. Numa mesa de bar, Selton afirma ter conseguido decifrar o “Código” inventado por Tarantino em seus filmes. Entre uma brincadeira e outra, em cerca de 15 minutos seu personagem apresenta oito possíveis evidências de que todos os filmes do diretor estão de alguma forma conectados.

Passando para texto as evidências apresentadas no vídeo, o site Obvious Magazine fez uma excelente análise, exposta a seguir:

1. Para iniciar a linha investigativa, o personagem de Selton Mello revela (com o ar de teoria da conspiração, tônica do diálogo) que o aspirante à celebridade Jack Scagnetti de Natural Born Killers é o mesmo agente da condicional de Mr. Blonde no Reservoir Dogs. Contrargumenta o personagem de Seu Jorge: mas o nome dele não era Jack? Sim… Mas depois ele mudou. A coisa toda fica nublada diante de uma discussão sobre os italianos e os sérvios não conseguirem pronunciar nomes difíceis. Fato é que Michael Madsen, como Blonde, comenta sobre seu agente da condicional que, como o Jack, é também um Scagnetti;
2. O melhor é segundo ponto: a maleta levada por Mr. Pink (Steve Busceni), após o massacre coletivo em Reservoir Dogs, é a mesma maleta misteriosa que John Travolta e Samuel L. Jackson resgatam e escoltam por todo Pulp Fiction. É realmente uma coincidência (ou não) interessante que o bando do primeiro filme tenha assaltado uma joalheria e que, ao ser aberta, a segunda maleta tenha aquele hipnótico brilho;
3. Ainda em Reservoir Dogs, é dito que o nome de Mr. Blonde é, na verdade Vic Vega. Ora, qual o nome que Mia Wallace mui sensualmente sussurra ao microfone para anunciar John Travolta como seu parceiro naquela antológica cena da dança? Vincent Vega. Para o roteiristas de Tarantino´s Mind é claro: eles são irmãos;
4. Mr. White, antes de integrar o grupo de bandidos de Reservoir Dogs, foi parceiro de Alabama, que casou com o Clarence no obscuro True Romance (aqui no Brasil, Amor à Queima Roupa);
5. A colombiana que dirige o táxi de Butch, em fuga após ter dado um golpe no gangster Marcellus Wallace de Pulp Fiction seria a mesma psicótica, doida por assassinatos em Curdled (no Brasil, Ele mata e nós limpamos, produção do Tarantino). Faz sentido, afinal, o que mais interessa a Esmeralda Villalobos enquanto dirige é a pergunta “qual a sensação de matar um homem?”, que faz a Butch (Bruce Willis) assim, sem mais nem menos;
6. Num programa de TV em Curdled, aparecem as fotos dos irmãos Gecko de From Dust Till Dawn (Um drink no inferno), procurados no Texas;
7. Mia Wallace e A Noiva (Kiddo) são a mesma pessoa. Ela só trocaria de nome de acordo com o bandido que estivesse namorando. Antes fora Wallace e, depois, noiva do Bill. Ok, aí já pegaram pesado porque Mia era esposa e não noiva do Marcellus Wallace, fora que, após o doutrinamento com Pai Mei, A Noiva dificilmente iria se tornar viciada em cocaína. Há ainda problemas de cronologia com isso;
8. O xerife que investiga o massacre na capela de El Passo, Texas, em Kill Bill, é o mesmíssimo que os irmãos Gecko matam à tiros no From Dust Till Dawn. Mais engenhoso que isso, só observar que, após a revelação espiritual que teve em Pulp Fiction, o Jules (Samuel L. Jackson) foi tornar-se pianista nessa mesma igrejinha…

Muito foda, né? #tarantinorulez

Enfim, apenas para esclarecer mais alguns pontos, os roteiros de filmes costumam seguir uma certa linearidade, e por mais que o tempo do filme seja quebrado, há um nexo temporal a ser seguido. O começo, meio e fim do filme costumam ser claros, mesmo que a história viaje por diferentes tempos e locais. Mas isso não se aplica a muitas obras do diretor. Vejamos Pulp Fiction, por exemplo, não importa de qual ponto você parta quando começa a assistir, o filme ainda assim faz sentido. A ligação entre os trechos se dá pela lógica da história, pelo plot em si, mas se você começar assistindo a cena do boxe, seguir para a do assalto, e por fim voltar ao “início” do filme, ele fará tanto sentido quanto da maneira que foi originalmente concebido. Se a lógica linear utiliza duas dimensões, onde é traçada uma linha entre dois pontos, podemos considerar que Pulp Fiction é um filme com roteiro tridimensional (ou 3D). Provavelmente, o primeiro (ou mais proeminente) filme a seguir este padrão.

De uma forma genial, Tarantino é capaz de quebrar paradigmas em suas obras, assim como consegue recheá-las de referências de todos os tipos, conexões e diálogos com subtexto, instigando seu público a sempre esperar muito mais do que apenas um filme.

Portanto, para aqueles que ainda não conhecem a sua obra, sua filmografia é um MUST SEE, daqueles que não vale a pena perder nem um momento.

Já aqueles que conhecem a obra, mas deixaram passar detalhes despercebidos, talvez valha a pena ver de novo!

E aí, o que acharam? Alguém arrisca mais alguma teoria ou easter egg?

Fica aqui meu agradecimento de coração aos lindchos colaboradores desse post: Alice, a Monstrinho :3 e o Pedro Framil <3

Bjundas da Liao Ç;

Débora Liao

Débora é musicista, professora de artes, pesquisadora de sociologia de gênero. Autoproclamada otaku-não-fedida e gamer casual. A alcunha de Liao veio de um site aleatório de geração de nomes japoneses (Liao é chinês, mas tudo bem).