As mulheres não buscam tratamento especial quando se trata de suas histórias.

Nós não procuramos por um espaço seguro ou mesmo interações exclusivamente femininas em histórias tipicamente masculinas (apesar de no contexto atual, elas serem muito bem-vindas). Apenas queremos que nossas personagens existam no mesmo (variado e multifacetado) mundo, sendo respeitadas como igualmente válidas e interessantes. Nós não queremos que a identidade feminina seja uma coisa estranha que deva ser explicada e racionalizada para aqueles que não se identificam dessa forma. Nós não queremos ter de racionalizar tudo como uma história “universal”, apesar da feminilidade. Nós só queremos ser, e sermos o suficiente. Nos momentos que antecederam o lançamento do filme Mulher Maravilha, Patty Jenkins, diretora do filme, esperava que seu trabalho fosse um passo nessa direção. E ela estava certa. Mas temos de entender que tudo começa com a forma como tratamos essas coisas.

Em entrevista a diversos jornalistas em Londres, no dia 27 de fevereiro de 2017, Jenkins percebeu que a recepção de Mulher Maravilha traria perguntas e críticas muito além de seus próprios méritos, para sua surpresa mas também para sua frustração. “Eu fui criada por uma mãe solteira muito feminista, mas por qualquer que seja a razão, eu acabei totalmente blindada da realidade que o sexismo não havia acabado muito tempo atrás. Então, no início da minha carreira, eu fiquei meio ‘É, que seja’, mas ao chegar a esse ponto, em um momento tão interessante, é porque as coisas não mudaram tanto assim para nós. É um assunto importante, independentemente do clima político.” – declarou a diretora na época.

Eu entrei no projeto não para fazer um filme sobre uma mulher. Eu apenas estava fazendo um filme sobre a Mulher Maravilha, que é uma das maiores super-heroínas de todos os tempos. Então eu apenas a tratei da forma que ela é, e eu acho que esse é o próximo passo.

Essa conversa sobre heroínas e, talvez ainda mais importante, mulheres em geral nos filmes, tem raízes na insegurança. Talvez haja um medo de empatia: o que significa ser um homem que se identifica com uma personagem mulher e encontra similaridades em suas dificuldades partilhadas? Ao mesmo tempo, é necessário perceber como a audiência feminina sofre a expectativa que, sem nenhum apoio, sinta empatia por personagens de outro gênero. Esse escrutínio exagerado se torna absurdo e até mesmo hilário e o sexismo, altamente enraizado em como as mulheres não apenas existiram no passado mas como são entendidas hoje, trouxe bastante humor para a história de Jenkins. Afinal, a Mulher Maravilha não iria exatamente se dobrar e aderir às expectativas sociais de um mundo de homens, certo?

“Acaba sendo divertido. O sexismo entra na trama porque ela está andando em 1918 e não tem noção de como é a sociedade (…) e ela continua completamente confusa, porque ela nunca tinha ouvido falar sobre machismo, e então isso acaba gerando comentários acidentais sobre o tema”. E concordamos que é dessa forma que o sexismo deveria ser encarado pela audiência: algo patético e hilariamente absurdo, especialmente no ano de 2017 – data de lançamento do filme – em diante.

Para dar ênfase a isso, Jenkins continuou: “Eu entrei no projeto não para fazer um filme sobre uma mulher. Eu apenas estava fazendo um filme sobre a Mulher Maravilha, que é uma das maiores super-heroínas de todos os tempos. Então eu apenas a tratei da forma que ela é, e eu acho que esse é o próximo passo.” – declarou a diretora.

Ah, o próximo passo… Mas enquanto as mulheres têm subido essa escada eterna, a Nerdist resolveu entrevistar alguns membros da audiência masculina do filme (e de pessoas que declaravam saber o que a audiência masculina quer ver), para tentar colocar mais um pé no próximo degrau. Talvez Mulher Maravilha fosse a oportunidade perfeita para fazê-los darem um salto de fé. Afinal, se as pessoas podem botar de lado a descrença em criaturas super-humanas e divindades capazes de salvarem o mundo com seus poderes, seria tão difícil imaginar que uma mulher poderia liderar um lucrativo e bem-sucedido filme de super-herói?

Mas não, as críticas destrutivas foram muitas – e essas reclamações contra super-heroínas têm sempre a ver com a suposta “falta de realidade” desses cenários, que nada mais é que uma consequência das ideias heteronormativas sobre papéis de gênero. Será que apresentar uma mulher como esse tipo de heroína seria a oportunidade que procurávamos para superarmos esse tipo de conversa? E caso fosse, qual seria o próximo passo? Nesse sentido, Jenkins mostrou ter esperança no futuro: “O que eu quero é fazer parte dessa próxima onda, em que possamos fazer filmes universais sobre todos os tipos de pessoas sem que isso seja um problema. Onde possamos dizer algo tipo ‘Sim, esse é um filme universal sobre uma pessoa que quer ser um herói, e acontece que essa pessoa é uma mulher’. Esse sim eu creio que seja o verdadeiro desafio”.

E ela está absolutamente correta: lutar pela igualdade quer dizer cobrar o mesmo direito ao espaço (que até então) era exclusivo dos outros. Independente da atitude progressista de Jenkins sobre o tema, a discussão ainda persiste e é necessário que alguém possa construir pontes em um cenário lotado de muros. Em 2016, Gal Gadot teve de debater a universalidade da história de Diana Prince, independente de gênero, algo absolutamente natural. Porém, ainda assim, o fato disso ter de ser discutido é desgastante. É claro que a história é de fácil identificação para todos: esse é o objetivo de uma história de herói. Ao mesmo tempo, podemos nos perguntar: você já imaginou alguém perguntando a um ator como Robert Downey Jr. sobre a universalidade da história do Homem de Ferro? Isso é importante? E francamente, deveria ser? E se não deveria, por que isso é algo questionado quando uma mulher chega ao topo da bilheteria?

A espada de dois gumes é real para Jenkins. “É claro que chateia o fato de que somos ‘um filme de mulher dirigido por uma mulher’, mas por outro lado, é importante falar sobre isso porque é algo raro de acontecer. É importante reconhecermos, mesmo durante a produção do filme, precisamos nos conscientizar disso.”

Essas coisas deveriam importar quando os brinquedos do parquinho são de uso exclusivo do outro – quando o meio em que você vive é excludente. Elas devem importar até que não façam mais sentido. Até que seja algo óbvio e naturalmente esperado que uma mulher possa fazer as mesmas coisas que um homem – ou heroínas que heróis – sem questionamentos sexistas.

Eu só quero ser parte daqueles que nunca pensam sobre o fato de que é uma mulher.

“Quando dirigi Monster, eu não pensei que era uma mulher. Eu não tive de pensar que ela era lésbica. Eu estava contando uma história sobre uma pessoa que passou por uma tragédia e buscava por amor no mundo. E quanto mais eu puder tornar a história sobre você, mais isso será uma vitória”.

Se você perguntar a uma garotinha sobre quem são seus heróis, ela provavelmente listará homens e mulheres que a inspiram, porque heróis não precisam ser divididos por gênero. Há muito o que se aprender ao enxergar você e sua história em outro, seja igual ou diferente de você. E é claro que garotinhos também fazem isso. Mas será que não é tão problemático e danoso envergonhar um garotinho que se espelha na Mulher Maravilha, enquanto as meninas mal podem ter uma chance de se verem, ao menos uma vez, nas telonas?

Jenkins entende isso: “Escutem, eu estou aqui porque assisti Superman quando era criança e achei o máximo. Eu era o Superman. Eu era aquele garotinho que partiu naquela jornada. Eu acreditava em mim como o Superman e essa é a beleza do filme. É tão old-school pensar que isso importa. Escuta aqui, cara, eu não me identifico com as pessoas da Grécia antiga, mas ainda contamos suas histórias. Não importa se é um cachorro ou um elfo, apenas escolha a sua história e conte de uma forma que todos possam se reconhecer”.


Traduzido e adaptado da Nerdist.

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