E essa conversa é extremamente necessária!

No episódio de abertura de Big Mouth (2017), da Netflix, os protagonistas Andrew (John Mulaney) e Nick (Nick Kroll) estão sentados assistindo a uma aula de educação sexual, em que é apresentado um vídeo sobre os órgãos reprodutivos femininos, no momento em que o monstro hormonal de Andrew salta de dentro da sua mesa. Big Mouth é uma série elogiada por ter mulheres na sala de redação, e por falar abertamente sobre sexualidade, puberdade, e pelo desejo por todos os gêneros. Apesar de não ser perfeita – suas definições de sexualidades queer caíram em binarismos e a atriz branca Jenny Slate foi escalada para dublar Missy, uma personagem birracial por três temporadas – o formato animado da série permite que ela debata tópicos como hormônios de uma forma bem-humorada.

E com isso, temos conversas que não seriam possíveis em outros formatos, especialmente em live-action. Big Mouth permite a exploração da sexualidade e desejo enquanto os adolescentes passam por mudanças em seus corpos antes, durante e depois da puberdade. Ainda que a série não seja universal, é difícil negar que ela fornece aos adultos novas formas de discutir educação sexual entre si e com as crianças presentes em suas vidas.

Crianças sempre buscaram respostas para questões sobre educação sexual. Elas apenas não tinham as melhores ou mais acessíveis formas de encontrar essas respostas.

Enquanto desenvolvia a pesquisa para seu livro Girls & Sex, em 2016, a autora Peggy Orenstein descobriu que era comum que garotas assistissem a pornografia para entender “como as coisas funcionam” em termos anatômicos. E ainda que hoje alguns estúdios menores estejam tentando tornar a indústria pornográfica um lugar que valoriza e respeita os seus atores e atrizes, é inegável que na nossa sociedade a pornografia pode, e por muitas vezes, ensina aos jovens comportamentos abusivos contra mulheres, e que isso pode naturalizar para essas jovens esse tipo de violência. Apesar de nossas críticas a pornografia deixarem de lado os pontos positivos que ela pode fornecer, ninguém deveria buscar na indústria pornográfica (que tem fins de entretenimento) algum tipo de conteúdo informativo ou respostas para questões tão importantes. Caren Spruch, diretora sênior de artes e entretenimento da Planned Parenthood Federation of America (Federação Americana de Paternidade/Maternidade Planejada), afirmou que “muitas pessoas, especialmente jovens, aprendem sobre problemas reprodutivos e de saúde sexual por meio de meios de entretenimento”, então nenhum de nós está sozinho.

Em 2014, a Bitch Media promoveu uma campanha no Twitter intitulada #PopSexEd (Educação Sexual Popular), em que os seguidores foram questionados sobre o que eles haviam aprendido sobre sexo na cultura popular. E as respostas variaram de fanfiction e vídeos de música a romances, mas poucas pessoas citaram qualquer tipo de aula tradicional de educação sexual. Com base nesses resultados, a Planned Parenthood lançou um bot chamado Roo, cujo público-alvo era de adolescentes. Após responder a algumas questões preliminares sobre sua idade, etnia e identidade de gênero (sendo as duas últimas opcionais), Roo tinha como objetivo responder perguntas gerais sobre sexo, relacionamentos e sobre o funcionamento dos nossos corpos. Antes do lançamento, a Planned Parenthood fez mais de 7 mil conversas de teste, para ensinar ao robô como reconhecer gírias, diferenças de linguagem e como responder adequadamente ao público, e com isso descobriu que a pergunta mais frequente era “qual a idade correta para fazer sexo pela primeira vez?”. Roo acabou respondendo milhões de perguntas, e em seus primeiros nove meses, mais de 75% dos seus usuários eram pessoas não-brancas, novamente demonstrando que um local gratuito, medicamente preciso e sem julgamentos é algo muito pouco acessível, e que é extremamente necessário o acesso a educação sexual. O bot foi ensinado a oferecer outros recursos e informações, dando ao usuário escolhas que poderiam empoderar no processo de decisão. Apesar de todo o seu sucesso, ele não passa de um robô, e não pode dizer exatamente o que você deveria fazer. Tampouco ele poderia responder de forma perfeita uma questão muito específica ou complexa, como “O que é educação sexual?”.

Abstinência pura, abstinência ABC (acrônimo para abstinência, fidelidade, camisinha, no inglês), e educação sexual compreensiva tem sido as tendências dominantes na educação sexual da atualidade. A Planned Parenthood define a educação por Abstinência Pura como um programa que ensina que sexo mutuamente monogâmico, limitado ao casamento, é a “única forma correta” de ter uma relação sexual e que as outras formas são psicologicamente danosas. De acordo com Orenstein, entre 1982 e 2016, o governo federal dos Estados Unidos gastou cerca de 1,7 bilhões de dólares com programas de educação sexual baseados em abstinência pura. Os programas de abstinência ABC (ou Abstinência Plus), defendem que a idade média para o primeiro encontro sexual é a partir dos 18 anos. Esses programas defendem que a abstinência é a única forma perfeita para evitar uma gravidez indesejada e infecções sexualmente transmissíveis, mas também ensinam os alunos sobre sexo seguro. Por sua vez, a educação sexual compreensiva inclui informações médicas sobre anatomia, controle de natalidade, e por vezes, aborto seguro. Porém, mesmo programas de educação sexual compreensiva acabam deixando de fora temas como prazer sexual feminino, desejos em geral, e até mesmo, a localização do clitóris. Além disso, mesmo estes programas ainda estão sob pressão para que superem as estruturas limitantes da heterossexualidade, para inclusão de públicos LGBTQIA+.

Nós podemos discutir sobre aquele argumento ultrapassado de que os pais deveriam ser os responsáveis pela educação sexual dos filhos, mas a verdade é que os pais no mundo todo, e especialmente nos EUA, não falam com seus filhos sobre sexo. Orenstein descobriu que isso não tem nada a ver com o fato de as crianças não quererem aprender. Na verdade, a autora aponta que não falar com as crianças sobre sexo faz com que elas se sintam “sem apoio e vulneráveis”. Em 2011, Amy Schalet publicou o livro Not Under My Roof (Embaixo do meu teto não, em tradução livre), uma obra em que investigou as diferenças entre a educação sexual nos EUA e na Holanda. E ela descobriu que o sexo entre adolescentes foi “tão dramatizado” nos Estados Unidos, que isso se tornou tema de crise, enquanto na Holanda é comum que os adolescentes em um relacionamento possam dormir na casa dos pais de seus parceiros. Em outras palavras, quando pais e professores falam sobre sexo com crianças e adolescentes nos EUA, eles acabam focando nas coisas “ruins” que podem acontecer. Em vez disso, na Holanda, o foco é no apoio, consentimento e prazer, e os índices de gravidez na adolescência caem enquanto aumenta o índice de relacionamentos sexuais satisfatórios. Independente da nacionalidade, adolescentes estão fazendo sexo, então o importante é perguntar: onde eles estão se informando?

Séries como Sex Education, também da Netflix, lançada em 2019, demonstram as formas como adolescentes podem receber informações erradas sobre temas relativos à sexualidade, ainda que tenham acesso à   educação sexual em seus currículos. O protagonista da série, Otis Milburn (Asa Butterfield), começa a oferecer de forma irregular conselhos sexuais aos seus colegas de escola, em um banheiro abandonado nos fundos da escola. Apesar de não ter experiência sexual, Otis aprendeu bastante com a sua mãe, Jean (Gillian Anderson), que é terapeuta sexual, e é capaz de fornecer bons conselhos sobre masturbação, fetiches, prazer e outros temas, enquanto embarca em uma jornada por sua própria liberação sexual. Sex Education foi aclamada por sua representação realista da vida sexual de adolescentes, e também por oferecer informações médicas precisas sobre temas como positividade corporal e educação sexual.

A série torna óbvio o que já sabemos: educação sexual estruturada tem falhado por gerações, não apenas por não fornecer nenhum conteúdo sobre prazer, mas também por oferecer informações equivocadas sobre anatomia.

Assim como boa parte dos temas curriculares nos EUA, a educação sexual não é regulamentada em nível federal. Assim, cada estado decide qual tipo de educação sexual é fornecida, isso quando ela existe, e isso abre muito espaço para aulas que não são cientificamente precisas.

Educação sexual é algo extremamente importante, especialmente quando reconhecemos que o sistema educacional falhou em fornecer aos pais, avós e bisavós dos atuais alunos qualquer tipo de educação sexual compreensiva.

A falha neste aspecto deixa a nossa sociedade vulnerável a uma falta de conversas abertas entre gerações, perpetuando o ciclo de pais e filhos tendo conversas desconfortáveis e inúteis sobre o tema, quando elas existem. Nós sabemos que jovens e adolescentes que recebem educação sexual compreensiva tendem muito menos a acabar com uma gravidez não planejada. Em outras palavras, nós sabemos que a educação sexual é um caminho para aliviar a tal crise tão temida pelos pais. A mesma crise que fornece as desculpas que tentam evitar a existência da educação sexual e as conversas sobre o tema.

A educadora sexual Charis Denison afirmou para Orenstein que as crianças “se abstém quando têm mais informação, por entenderem que têm opções, por saberem sobre o que estão falando”, e que isso requer uma educação sexual completa e com precisão médica. Para nós, isso significa uma educação sexual feminista, que fale sobre sexualidades queer e sobre o prazer das mulheres, mas essas não são soluções imediatas. Jovens querem aprender sobre os seus corpos e sobre sexo cada vez mais cedo, e eles estão se virando para um mundo cada vez mais expandido de mídia que responde aos seus pedidos. Séries como Big Mouth e Sex Education, entre várias outras, tornam o sexo algo “normal e relacionável, que todos são capazes de lidar”, como afirmou Anna Silman em seu artigo publicado pela The Cut, em 2019.

Essas séries são mais do que entretenimento. Ao serem disponibilizadas pelos grandes serviços de streaming, essas séries superam o necessário para serem aprovadas, e conseguem apelar para nichos diferentes de audiência do que o público geral. Isso permite que eles falem mais aberta e explicitamente sobre sexo e sexualidade de adolescentes e jovens adultos.

A mídia não apenas está ensinando tópicos fundamentais da educação sexual como anatomia e prazer. Séries para TV e filmes têm demonstrado a realidade sobre como é ser um jovem sexualmente ativo em uma sociedade que (ainda) vê qualquer atividade sexual fora do casamento como subversiva. Plan B (2021), da Hulu, conta a história da adolescente Sunny (Kuhoo Verma), que faz sexo insatisfatório e sem sentido com seu colega de classe Kyle (Mason Cook). Ela planeja principalmente esquecer todo o encontro até que no dia seguinte a camisinha cai de dentro dela quando ela vai no banheiro. Agora, Sunny e sua melhor amiga Lupe (Victoria Moroles) precisam comprar a pílula Plan B; o problema é que a farmácia local se nega a fornecer o remédio para ela e a Planned Parenthood mais próxima fica a mais de 3 horas de distância. Quando Sunny e Lupe finalmente conseguem chegar ao local, elas descobrem que as portas estão fechadas por falta de fundos, e então a realidade bate com força. O filme deixa claro que não apenas adolescentes não recebem informações suficientes (ou mesmo qualquer informação), mas que seus recursos também são lentamente retirados. Sem o apoio de sua mãe (Jolly Abraham), que Sunny evitou trazer para a situação, é possível que Sunny não teria sido capaz de receber a pílula de forma alguma.

A Planned Parenthood tem utilizado o amplo alcance da internet para espalhar a sua mensagem, também. Na segunda temporada de Big Mouth, a Planned Parenthood se uniu aos criadores da série para derrubar o mito de que sua organização seria uma “fábrica de abortos”, no episódio “The Planned Parenthood Show”. Esse episódio tem como foco o valor da educação sexual, e as formas como a Planned Parenthood tenta combater uma generalizada falta de informações entre jovens sobre controle de natalidade. Do trabalho da ONG aos esforços de Nick Kroll para atingir o público de uma forma acessível com Big Mouth, talvez ainda haja esperanças para o futuro da educação sexual. E isso certamente incluirá o papel da cultura popular. Spruch reconhece que “conceitos como a forma correta de utilização de um método anticoncepcional, acesso ao aborto legal e seguro, a comunicação com um parceiro sobre DSTs e histórico sexual, consentimento, violência e coerção reprodutiva” são temas frequentemente abordados em obras direcionadas ao público jovem. Ao trabalhar com os diretores de Big Mouth, a Planned Parenthood ajudou a garantir que os produtores tivessem acesso a informações precisas e formas com que os jovens poderiam buscar essas informações “sem vergonha ou julgamentos”. De fato, Spruch sugeriu que as séries para televisão “podem fornecer numerosos momentos informativos para os pais, sobre como falar com adolescentes sobre o que estão vendo na televisão”, tanto positiva quanto negativamente. Assim, séries para TV como Big Mouth e Sex Education são ferramentas úteis para ajudar a quebrar alguns tabus nacionais – e muitas vezes abranger âmbitos internacionais.

Ter válvulas de escape que oferecem conhecimento básico permite que a mídia lide com outros tópicos encobertos relacionados ao sexo – principalmente consentimento sexual – por meio de séries como a adaptação da Hulu de Normal People, baseada no romance de Sally Rooney. Normal People conta a história de Marianne (Daisy Edgar-Jones) e Connell (Paul Mescal) enquanto eles lidam com o relacionamento cheio de idas e vindas. Quase toda vez que eles entram na vida um do outro, eles acabam fazendo sexo, e essas cenas de sexo são gráficas. Porém, não deixam de ser realistas. Connell constantemente pergunta se Marianne quer continuar. Ela recebe espaço para explorar o tipo de sexo que quer fora do relacionamento com Connell, e se torna capaz de reconhecer seus próprios traumas neste processo. Os protagonistas crescem juntos e separados, para formar uma narrativa que define ativamente relacionamentos consensuais. Normal People reitera o fato de que nós crescemos continuamente, e que aprendemos sobre os nossos corpos, sexo e sexualidade, e isso é que faz canais do YouTube como o Sexplanation ser tão popular.

Em seu canal no Youtube, Lindsey Doe, uma sexologista clínica com doutorado em sexualidade fala de forma entusiástica sobre tudo isso, de fetiches a mamografias, até infecções urinárias. Ela é aberta sobre suas intenções em seu vídeo de introdução ao canal, mas nos oito anos de existência do canal, ela parece só ter aumentado o seu entusiasmo. Não apenas os seus vídeos são patrocinados por fabricantes de brinquedos sexuais, mas ela também já experimentou cada um dos produtos que promove, e então fala com propriedade. Ela tem uma carreira profissional fazendo exatamente a mesma coisa que faz em seus vídeos gratuitos no Youtube. Então, por que ela fez esse canal? Porque a educação sexual falha em oferecer informações completas e precisas, e jovens não tem dinheiro para pagar por sessões. Essas informações estão na internet de qualquer forma, então ela acaba se tornando uma fonte segura, que guia as pessoas sem informação na direção correta, utilizando uma forma divertida de aprendizado. Uma das coisas que ela sempre reforça é o fato de nossa linguagem sobre sexo estar em constante mudança, ajudada em parte por livros como The Ethical Slut e discursos populares, e que nós podemos mudar junto com isso.

Nossos desejos, conhecimentos e experiências sobre sexo mudam e podem mudar, o que deixa um mercado muito além da educação sexual para responder a questionamentos como aquele recebido por Jaclyn Friedman, após a publicação de seu livro Yes Means Yes, em 2008. “Como você descobriu para o que queria dizer sim e para o que queria dizer não?”. Ao oferecer espaço para a busca dessas respostas, Doe promove relacionamentos positivos com os nossos corpos, sexo e sexualidades, algo que a educação sexual tradicional jamais fez nos EUA. A educação sexual falha desproporcionalmente em fornecer a mulheres, especialmente de etnias não brancas, e a pessoas queer as informações necessárias para que tenhamos experiências sexuais consensuais, com informação e segurança. Apesar de as conversas sobre sexo, tanto dentro quanto fora das salas de aula, serem constantemente encerradas e recheadas de tratamento desigual entre gêneros e etnias, é dever da educação sexual fornecer as informações de forma igualitária e informar os estudantes sobre os seus corpos. Friedman afirmou em 2019, que “se você não está ensinando educação sexual, você só está deixando de ensinar sobre consentimentos e limites, na verdade”, e ela insiste que nós precisamos de “uma educação sexual compreensiva, do ensino fundamental ao médio, que aborde o sexo como fonte de prazer e livre de julgamentos” para combater essa onda de ignorância. Com esse tipo de educação, podemos acreditar que os índices de gravidez na adolescência (que estão caindo) possam de fato manter essa tendência, e é claro, que as futuras gerações venham a receber uma educação sexual muito mais compreensiva. Até lá, nossa luta é por uma educação sexual feminista, compreensiva, baseada na ciência e em âmbito nacional.

Mas até lá, sabemos que pelo menos uma parte da internet e da cultura pop está lutando para levar esse conhecimento aos jovens e adolescentes, para que não tenhamos mais adultos como os que estão aí.


Fonte: Bitch Media

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