Precisamos falar sobre nossa relação com a comida URGENTE!

Atenção: o post abaixo pode ser um gatilho para quem possui histórico relacionado a distúrbios alimentares. Há imagens que podem ser inapropriadas para alguns públicos.

A dica de mangá desta vez não vai ser somente para entretenimento, como costuma acontecer aqui. Hoje vamos falar de um assunto muito sério: distúrbios alimentares.

Shibou To Iu Na No Fuku o Kite é um mangá publicado de 1996 a 1997, de autoria da mangaká Moyoco Anno. A tradução literal aproximada é “vestindo as roupas chamadas de gordura”. Até aqui já dá pra perceber que o tema é abordado de uma maneira bem intensa, não é mesmo?

De modo geral, o mangá retrata a história de Noko, uma garota normal, como todas nós. Porém, infelizmente, ela é tratada de forma diferente pelos outros por ser gorda. A partir de diversos acontecimentos em seu relacionamento amoroso e em sua carreira, Noko acaba desenvolvendo bulimia nervosa, um distúrbio alimentar seríssimo. Desta forma, a obra busca demonstrar de forma bem fidedigna a difícil luta contra a ditadura da magreza e as terríveis consequências que ela causa até hoje.

Obs: no final do artigo, temos um recado bem legal e importante da nutricionista Paola Marchesini Altheia. Não deixe de ler 🙂

 

Contexto

Antes de falar da história em si, é preciso contextualizar um pouco a situação. Apesar de todos nós entendermos, ainda que vagamente, o contexto da ditadura da magreza, preciso frisar para vocês que a sociedade japonesa é muito criteriosa em relação aos padrões de beleza, mais do que o Brasil.

De forma geral, após a Segunda Guerra Mundial, o Japão, como perdedor, acabou sofrendo uma grande ocidentalização, em especial diante da influência dos Estados Unidos, que ganhou cada vez mais força com a instauração do clima da Guerra Fria.

Nesta época, ficou mais forte a ideia do sonho americano: a felicidade só existe se você, mulher, for magra, dona de casa, casar-se com um marido bem sucedido, morar em um sobrado, ter um casal de filhos, um carro, um cachorro e um lindo jardim. Aliás, essa ideia é, até hoje, a imagem de felicidade projetada na cabeça das pessoas.

Além disso, também existe na própria sociedade oriental um forte padrão de beleza. Por exemplo, na China, as mulheres tinham que ter pés pequenos para serem socialmente aceitas (leia-se, arrumar um marido).

Enfim, diante de tanta influência de todos os lados, o Japão acabou se mostrando cada vez mais imperioso e conservador neste aspecto, enfiando goela abaixo das japonesas os padrões ideais de magreza. Inclusive, uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, Trabalho e Bem Estar japonês em 2014 indica que mais de 12% das japonesas encontravam-se abaixo do peso. É um número bem grande, considerando-se que o Japão é um país desenvolvido.

Diante de todas essas informações, ao ler a resenha do mangá, sempre mantenha em mente que a sociedade japonesa é ainda mais cruel com os padrões de peso do que a brasileira, por incrível que pareça.

História

Noko é uma garota que está com sua vida encaminhada: possui um longo relacionamento amoroso e trabalha em uma grande empresa. Entretanto, existe uma coisa que a impede de usufruir da felicidade que ela merece: seu peso.

A protagonista afirma que desconta sua dor emocional na comida desde que seus pais se divorciaram. Inclusive, abro um pequeno parênteses rápido aqui, acrescentando que esse hábito acaba liberando serotonina, um hormônio responsável por causar a sensação de prazer que Noko buscava para se livrar, ao menos um pouco, das dores do mundo real.

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Último quadrinho à esquerda: “enquanto eu possa comer, eu vou ficar bem. Enquanto eu estiver comendo, tudo “vai dar certo” no fim.”
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“Enquanto eu puder comer, eu vou ficar bem, então, eu não vou ter que pensar sobre nada”.

 

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Segundo quadrinho: “Eu posso ouvir uma voz na minha cabeça dizendo: COMA!”

Ela não costumava se incomodar, mas seus colegas de trabalho começam a alfinetá-la indireta e até diretamente em relação a seu peso. Existe, aqui, uma personagem que vou dar uma atenção especial: Mayumi.

Mayumi é o exemplo perfeito do ideal de beleza japonês. E, portanto, é a que mais importuna Noko por causa de seu peso. Aliás, a forma com a qual Mayumi expressa isso só piora com o tempo.

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“Só porque ela é fofa, só porque ela é bonita, só porque ela é magra… Essas coisas sozinhas já a tornam alguém superior a mim.”

Para piorar toda a situação, até o namorado de Noko começa a reclamar de sua atitude, dizendo que “para ela, tudo é comer”. Aqui, já adianto a vocês: Saitou, seu namorado desde o ensino médio, é ABUSIVO com Noko.

Primeiramente, ele trai Noko com Mayumi. Diversas e diversas vezes. Mayumi faz questão de fazer com que Noko saiba disso. E sabe o que acontece? Ela se culpa por isso. Noko se culpa e acha que Saitou é o único amor de sua vida, a única pessoa capaz de amá-la, já que ele estava com ela “mesmo ela sendo gordinha”. Inclusive, em uma parte do mangá, ela afirma com todas as letras: “Se ele parar de gostar de mim, eu vou morrer”.

Também há um trecho no início do mangá em que Noko expressa seu desejo de emagrecer para “poder” usar mini-saia. Já não bastasse esse absurdo pensamento, Saitou, em seu período “lua-de-mel” (período em que o abusador é doce e gentil com a pessoa abusada), diz que ela não é tão gorda quanto as pessoas dizem, mas que ela não deveria emagrecer ou usar a mini-saia, porque ele não queria que “ela se mostrasse para outros homens, exceto ele”.

alerta spoiler

Atenção: a partir deste ponto, o post contém spoilers. Se não quiser saber o que acontece, pule para o próximo aviso em vermelho na última página, porque tem recado muito legal e importante da nutricionista Paola Marchesini Altheia.

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Ainda tem mais, aguardem 🙁

Diante da traição do namorado, Noko, em um ato de desespero para recuperar sua auto estima, marca um encontro. Aparece ninguém mais, ninguém menos do que UM SENHOR DE IDADE. Sim, bem velhinho mesmo. Mas ele não era apenas um velho. Ele tinha TARA POR PESSOAS GORDAS. Esse comportamento é tido como um fetiche na sociedade japonesa.

Esse encontro acaba sendo a gota d’água para Noko. Ela acaba desabafando durante o ato sexual com este senhor, ocasião em que ele a paga (sim, ele a paga pelo ato sexual) para que ela possa realizar o sonho que ela tanto tinha de perder peso.

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Neste ponto, trago uma parte que é mais do fim do mangá, mas que descreve perfeitamente o que a ditadura da magreza nos diz:

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“Se você emagrecer, tudo deve mudar. Uma vez que você perde peso, tudo deve se encaminhar do seu jeito. Dias cheios, bonitos e divertidos devem chegar”.

Deu para entender como funciona né?

Imediatamente, Noko procura uma clínica estética para emagrecer. Até resolve, mas de forma muito lenta e difícil. Então, infelizmente, nossa querida protagonista descobre a bulimia nervosa, um distúrbio alimentar em que a pessoa vomita tudo o que come, para que não engorde. De forma rápida, ela emagrece.

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Neste momento, Noko reconhece que o hábito faz mal para seu corpo, mas “se for só dessa vez”…

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Noko responde que está em uma dieta, mas internamente, afirma para o leitor que ela já tinha adquirido o hábito de vomitar.

Está curtindo? Confira o resto da história na próxima página x)

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