Uma dica preciosa de leitura.

A primeira vez que ouvi falar do mangá Boys Run the Riot, que falava sobre um jovem trans, foi neste tweet:

Trad.: [Deliciada por finalmente ter em minhas mãos o mangá trans Boys Run the Riot e por descobrir que o lançamento em inglês tem uma equipe de localização composta integralmente por pessoas transgênero.]

E então eu vi essa resposta do editor da versão em inglês do mangá:

Trad.: [Oh deus, muito obrigado pelas palavras carinhosas. Toda a equipe dessa série é realmente extraordinária e coloca todo o coração nesse trabalho. Me sinto tão grato que nós tivemos a honra de poder contar esse trabalho de uma artista de mangás trans com uma equipe de localização integralmente composta por pessoas trans e não-binárias.]

No vídeo abaixo, vocês podem ver Tiff Joshua TJ Ferentini, o editor de quadrinhos da Kodansha que trabalhou em Boys Run the Riot explicando o processo de edição que visava contar uma história comovente e genuinamente transgênero que pudesse honrar o trabalho de Keito Gaku.

Ao final do vídeo, Gaku deixou uma mensagem para todos os meninos e homens trans:

Para todos os jovens homens e meninos transgênero. Eu sei que você pode estar preocupado com um monte de coisas, especialmente se você é um adolescente, mas eu espero que você possa encontrar uma razão para seguir em frente e algo em que possa despejar seu coração e alma, assim como Ryo faz com a moda. Com esse mangá, eu queria mostrar o quão incrível pode ser encontrar algo que te faça sentir assim.

Esse é um dos mangás obrigatórios em toda lista de leitura queer obrigatória. Afinal, vale cada linha de cada página da história.

O mangá conta a história de um jovem transgênero chamado Ryo, que encontra uma fuga das expectativas e ansiedades de sua vida cotidiana no mundo da moda de rua. A história é pessoal e comovente, de autoria de um mangaka transgênero que causou rebuliço no Japão e inspirou leitores em todo o mundo.

Além disso, o primeiro capítulo da história está disponível gratuitamente no site da Kodansha.

Mas o que esperar dessa obra? Sentimentos. Muitos, mas muitos sentimentos.

Antes de mergulhar na história, eu acho importante dizer que o meu ponto de vista é de um aliado que apoia a comunidade transgênero. E digo isso porque acredito que é necessário que ajudemos a levantar as vozes que não são as nossas dentro da comunidade queer. Dito isso, eu honestamente não consigo pensar em muitas histórias na comunidade de anime e mangá que tenha como foco a experiência trans, especialmente sendo escrita por uma pessoa trans.

Quando eu li esse mangá, eu tive uma profunda sensação de que, apesar de ser uma obra fictícia, esses sentimentos vieram diretamente do coração de alguém que sentiu isso de verdade. O que é mais poderoso para mim, é que o sofrimento de Ryo é instantaneamente relacionável – ainda que você não seja uma pessoa trans. Muita gente pode acreditar que é difícil entender algo fora de sua própria realidade, mas esse mangá mostra que isso não é verdade, desde que você realmente deixe de lado o seu foco em si mesmo e tente entender o que está acontecendo na sua frente.

Logo no início, Ryo revela o quanto ele odeia o uniforme escolar, porque é um lembrete constante de que ele “nasceu como uma garota”. Ele tenta encontrar formas de contornar isso, como ao tentar usar o uniforme de educação física, mas as pessoas sempre esperam que ele se apresente como uma garota quando ele está na escola. Não são apenas as regras que o forçam a isso, mas seus colegas de classe também esperam que ele siga algumas normas sociais, como ter crushes em idols masculinos populares.

E por mais que possa ter sido uma bofetada ver Ryo lidando com essas situações em uma escola autoritária, a situação com os colegas de escola foi ainda pior. Isso demonstrou, imediatamente, o quanto Ryo precisa esconder quem ele realmente é. As pessoas esperam que ele aja de certa maneira, e se tornam agressivas se ele faz o contrário. No momento em que ele diz que é fã de uma idol que os outros garotos estão falando sobre, eles ficam de queixo caído. Essa não é a resposta “correta e programada” que eles esperam, afinal para eles, Ryo é “uma garota”.

Se tem uma coisa que esse mangá mostra é como é exaustivo fingir ser quem você não é. Dia após dia.

Nós podemos ver Ryo buscando expressões como transgênero e disforia de gênero, o que honestamente, nunca vi acontecer em um mangá antes. Ele está tentando entender os seus sentimentos enquanto lida com os pensamentos das pessoas ao seu redor. Além disso, quando mais ele se aproxima de personagens como Jin Sato, nós vemos como ele sente inveja da liberdade que Sato sente para andar por aí como um garoto.

Muitas pessoas não entendem o poder que existe em poder andar por aí simplesmente sendo você mesmo. Seu eu de verdade. Ryo tem de se esforçar tanto para poder fazer isso, e ainda assim, ele apenas pode fazer isso temporariamente, enquanto mexe com a moda de rua, sem revelar a verdade para as pessoas que ama.

Mesmo quando ele se aproxima das pessoas, ainda existe hesitação em revelar quem ele realmente é. E isso se deve a experiências passadas e microagressões que ele sofre diariamente (como ser questionado se está comprando “roupas de menino” de novo ao receber um pacote em casa). E por mais que nós gostaríamos de dizer que tudo que você precisa fazer é se abrir e ser honesto, há muitos fatores que impedem que as pessoas, especialmente jovens, possam falar a verdade.

Dito isso, realmente podemos respirar aliviados quando Ryo finalmente se abre para Sato e os dois decidem apostar tudo em sua linha de moda. Mais importante ainda é quando Sato demonstra uma vontade e interesse em ouvir Ryo. Ele então finalmente tem a oportunidade de contar para alguém como está realmente se sentindo.

Além disso, eu queria muito dizer o quão maravilhoso é poder ver uma história sobre moda, estrelada por um protagonista trans. Ver Ryo usando a sua arte para expressar seus sentimentos é uma leitura maravilhosa. A moda é uma forma muito boa de expressar quem você realmente é, e ter um personagem transsexual no centro de tudo isso é maravilhoso. Ryo trabalha com o design e Sato é o responsável por espalhar a mensagem por aí, e conforme a história avança, o grupo vai se expandindo.

A história é cheia de personagens de minorias, cada um deles com a sua própria história e razões para romper com o status quo e abraçar quem eles realmente são. E ainda que provavelmente novos problemas venham a surgir no futuro – como sempre acontece – no momento eu apenas posso dizer que é maravilhoso poder ver Ryo cercado por seu pequeno grupo que o trata exatamente da forma que todos deveriam fazer.

E vale muito a pena ler a entrevista com Gaku no final do primeiro volume. Eu não consigo sequer expressar o quão assustadoramente inspirador é ver uma equipe trans trazendo essa história para nós, e como suas palavras são comoventes e mostram o tempo, carinho e dedicação colocado por todos eles nesse trabalho.

O primeiro volume do mangá está disponível em inglês no site da Kodansha, e o segundo será lançado em 27 de julho.


Texto traduzido do TheMarySue.

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