Após a segunda temporada, Insatiable toca mais fundo em um problema cada vez mais frequente entre nós!

A primeira temporada de Insatiable foi alvo de muitas críticas negativas, mas aparentemente elas foram usadas de forma construtiva nesta segunda temporada.

A série conta a história de Patty, uma garota que durante toda a vida foi gorda e sofria bullying por causa disto. Um dia, sofreu um acidente com seu maxilar e ficou durante três meses apenas com dieta líquida e, consequentemente, emagreceu com grande rapidez. Após voltar para a aula, notou que o comportamento das pessoas mudou da água para o vinho: acabou o bullying e, finalmente, sua felicidade estaria por vir, já que começou a participar de concursos de beleza.

Logo já podemos perceber o clichê: a gorda é humilhada, ser magra é sinônimo de beleza e “valeria a pena”. Como chegar lá? Passe fome. Mas não se preocupe: tudo vale a pena para ser aceita.

Cena que demonstra a volta de Patty para a escola após ter emagrecido drasticamente]

Até a primeira temporada, a série passava a impressão de que ao emagrecer, sua vida se tornaria melhor. Vemos por diversas vezes o treinador Bob dizer a Patty para não deixar que seu passado a afundasse, como se ser gorda fosse algo ruim.

Tudo isto piora muito com a temática envolvida sobre concursos de beleza, que sabemos ser um ambiente bem tóxico, com imposição de muitas regras desnecessárias, escalando as pessoas através da aparência considerada padrão pela sociedade. E, é claro, a competitividade que é imposta entre as candidatas, que fazem LITERALMENTE de tudo para ganhar a coroa.

Este contexto causou uma série de respostas negativas dos internautas e, aparentemente, a série passou a interpretar a problemática com outros olhos.

Atenção: a partir deste ponto, a matéria contém spoilers.

No final da primeira temporada vemos Patty em um dilema, após matar Christian para salvar Magnolia, além do assassinato de Stella Rose. Esta trama se desenvolve rapidamente nos primeiros episódios e formam a base para a continuidade da história.

Temos uma protagonista assassina? Bom, apesar de alguns contextos justificáveis (como a invasão em sua casa ou a atitude absurda de Christian), a dúvida começa a crescer sobre a índole da personagem principal. E, enquanto isto se desenrola, a série passa a explorar o distúrbio alimentar que acomete Patty, descrevendo como ela se sente em relação à comida nestas situações de estresse e ansiedade.

Então, começamos a ver que a perspectiva de Insatiable mudou: a magreza não trouxe felicidade para Patty, aliás, muito pelo contrário. Parece que despertou uma chuva de desgraças em sua vida. E, assim, a série sai um pouco daquele dualismo óbvio e ignorante de “magreza = beleza” e passa a abordar mais a fundo os distúrbios alimentares.

Patty chega a procurar ajuda para a compulsão alimentar que tem nos momentos de estressee, inclusive, chega a dizer para uma garota que emagreceu rapidamente em razão do acidente, mas que não teve acompanhamento psicológico e, justamente por isto, tem uma relação conturbada com a comida. Neste momento, ela muda completamente seu discurso e diz à garota que não há nada de errado em ser gorda, que não é necessário ser magra para ser feliz.

Também vemos a protagonista procurar um grupo de apoio parecido com o sistema dos alcoólicos anônimoscom reuniões semanais e com direito a padrinhos para ajudar nos momentos mais difíceis. Patty encontra pessoas com os mais diversos distúrbios: bulimia, anorexia e compulsão alimentar.

Acho que a mensagem passada nestes últimos episódios foi na dose certa: a questão não é sobre o peso, mas sobre a sua relação com a comida. De que adianta ser magra e ter uma relação tão conturbada com a comida, que era para ser algo tão natural?

Então, a história passa a ser sobre uma garota que esteve em lugares bem sombrios por causa deste padrão irreal sobre os corpos femininos.

insatiable

É claro que a série ainda tem sua problemática e ainda está longe de ser o ideal, mas achei interessante – e necessária – esta mudança de perspectiva.

Por outro lado, Insatiable tem vários pontos positivos ao abordar temas importantes na atualidade, especialmente na temática LGBTQ+, como a bissexualidade dos dois Bobsrelacionamento poliamoroso que é tão almejado por Bob Armstrong e a homossexualidade de Nonnie. Estes assuntos parecem ser tratados com a naturalidade que merecem, o que destaco como uma grande característica da série. Há um episódio, inclusive, em que os Bobs disputam o cargo de prefeito e a questão das diversas sexualidades é abordada com naturalidade pelos cidadãos – embora a discussão, neste ponto, passe para a imigração de canadenses e podemos ver estampada a xenofobia dos americanos.

Aliás, vemos em Insatiable muitos estereótipos relacionados à nacionalidade. Quando Dixie encontra sua família biológica, vemos em todos os integrantes vários traços comumente atribuídos a asiáticos. Ela também tenta trazer a Coreia ao restaurante que acabou de assumir, mas além de confundir as duas Coreias, tenta transformá-lo em um “paraíso K-pop”.

Por outro lado, também há um episódio em que Coralee se une à mãe de Dixie para lançar uma marca de absorventes e abordam a menstruação de maneira positiva. Neste momento, Coralee fala sobre ser mulher, empreendedora, e que devemos ter orgulho de nossos corpos e do que eles são capazes de fazer.

Diante de tudo isto, é notável que a série está em transição, saindo do espectro padronizado e estereotipado e caminhando para a evolução. O seriado ainda peca em vários aspectos, mas já é possível visualizar avanços.

De tudo, o que realmente chama a atenção é que depois de tantos altos e baixos, a série traz a ideia de que LITERALMENTE qualquer pessoa pode ter atitudes boas ou ruins, independente de toda e qualquer circunstância  – e levantar esta bandeira é algo muito corajoso. Tudo isto é colocado no contexto de mídias sociais, a superficialidade da política (nitidamente perceptível quando vemos os candidatos Bobs e suas abordagens) e a pressão do julgamento alheio.

Julgamento é, realmente, a palavra-chave. A série continua a apresentar a realidade para as nossas gerações, que são tão feridas e incomodadas pelo julgamento das pessoas. Este é, inclusive, o cerne da segunda temporada: todas as decisões dos personagens são baseadas na opinião de outras pessoas, e não no que realmente os faz felizes.

Apesar de ser uma série de humor ácido, sempre é importante trazer à tona discussões tão importantes como estas.

E você, o que achou sobre as duas temporadas da série? Conta pra gente nos comentários 🙂

Curtiu? Você pode assistir Insatiable na Netflix 🙂

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