Na segunda parte da entrevista, Érica Awano fala de estudos e sobre fazer quadrinhos

Na primeira parte da entrevista com Érica Awano, a artista homenageada no FIQ-BH 2018, a quadrinista falou do início da sua carreira, de Holy Avenger e sobre preconceito. Confira agora a segunda parte do bate-papo, em que Érica fala de estudos, dá sugestões para iniciantes e comenta seu trabalho em “The Complete Alice in Wonderland”.

Erica Awano - divulgação FIQ 2018Você acha que sua formação acadêmica contribuiu de alguma forma para o desenvolvimento da sua carreira e na sua criação?
Com certeza. Eu queria cursar Belas Artes, mas eu não passei na prova de aptidão. Minha segunda opção foi Letras, porque eu sempre gostei muito de livros e de literatura. Ler bastante e ser capaz de interpretar textos é muito, muito importante na hora de criar quadrinhos. Porque é preciso não só entender o que está sendo dito, mas também ser capaz de fazer uma sequência narrativa, recontar a história da melhor forma possível. No meu caso, a Faculdade de Letras acabou criando todo o escopo para fazer essa transição.holy avenger - edição definitiva - capa - reproduçãoNa Holy Avenger, fiz várias brincadeiras narrativas que normalmente você não encontra nos quadrinhos de super heróis. Definitivamente, fazer o curso de Letras ajudou. Quem vai fazer quadrinhos não tem que cursar Letras, pode fazer qualquer outro curso. O mais importante mesmo não é nem propriamente o curso, mas o fato de que, uma vez que você entra numa USP, numa faculdade como a de Letras, você encontra gente que está completamente perdida, que não sabe o que está fazendo, e também gente que é extremamente apaixonada por aquilo.

No ensino médio, não somos preparados para buscarmos uma carreira com o que nos interessa. E quando você entra numa faculdade e encontra pessoas que fazem aquilo que adoram, você passa a ter uma perspectiva diferente. Acho que essa foi a coisa mais importante, saber que que é absolutamente assustador, mas é muito bom seguir numa carreira com aquilo que você gosta.Erica Awano - foto Marcella Oliveira-BHAZ

Sugestões para quem está começando
É difícil para eu dar sugestões porque cada pessoa tem uma trajetória diferente. Eu vi gente que passou de editora em editora mostrando o portfólio e sendo recusado. Gente que criou sua própria editora para poder publicar o seu trabalho. Não dá pra chegar e falar “olha se você quer mesmo fazer quadrinhos, vai lá, investe, vai fundo”. Tem quem funcione assim. Mas tem gente que, se tiver uma porta de saída, como uma formação em nível superior, nunca vai se dedicar ao quadrinho. E tem quem precise, quem não consegue trabalhar se não tiver uma segurança, uma estabilidade. Por isso, para mim é difícil dizer “faça isso, faça aquilo”.

Se você quer realmente fazer quadrinhos, acho que a melhor coisa é participar de eventos e experimentar. Você não vai acertar sempre, mas vai conhecer pessoas, trocar ideias e aprender. O problema é que, hoje em dia, as pessoas querem tudo com resposta rápida, imediata. “Eu quero o segredo, como é que é o truque para você fazer isso?”. O truque é estudar e isso toma tempo.Erica Awano - divulgação FIQ - 2018Como surgiu o convite para o seu trabalho com Alice no País das Maravilhas? E quais as principais dificuldades e diferenças de trabalhar para o mercado lá de fora?
O contato veio através de uma agência norte-americana que estava com o meu portfólio. Um editor da Dynamite viu o meu trabalho e solicitou que eu fizesse um teste para o projeto de Alice no País das Maravilhas. Peguei o roteiro, li o cabeçalho e reparei que vinha de Liverpool. Pensei “a Inglaterra não é um país conhecido por fazer mangá, esse negócio aqui tá estranho”. Mandei uma mensagem para o meu agente falando “isso não deve ser pra mim não. O projeto não tem nada que indique que é mangá”. Ele confirmou que não era realmente mangá, era pra ser um comic normal. Mas o editor da Dynamite insistiu: “Então fala pra ela fazer um pouco menos mangá”. Então fui e fiz mangá, pois quem vê meu portfólio sabe o que vai esperar. Eu tinha que ser honesta, não vou mudar o meu trabalho.

Alice no País das Maravilhas - capa - reproduçãoO Alice no País das Maravilhas foi o trabalho mais pesado que já fiz em toda minha carreira. Eu não tem condição de fazer um quadrinho fingindo ter um estilo que não tenho, não funcionaria. Então eu fiz o mais próximo possível, mas no meu estilo. Só que os roteiristas gostaram e eu acabei escolhida para fazer. A única coisa que pediram, nem foram eles, foi o próprio editor, é que eu não fizesse o queixo muito pontudo, que fosse mais arredondado. E foi isso.

Eu quis participar do Alice no País das Maravilhas porque é um dos livros mais fascinantes que eu já li. Era um livro difícil de entender, porque eu estava lendo em inglês e não tinha muita afinidade com aquele monte de palavras que o autor inventava. Mesmo a versão em português pra mim era difícil porque, embora eu fale português, a minha língua materna é o japonês, embora não lembre mais como falar japonês. Mas todas as associações afetivas de linguagem pra mim são japonesas. Então quando há aqueles jogos de palavras, quando há um sentido mais afetivo, com uma palavra mudando o sentido, ou acrescentando, ou mesmo fazendo alterações onomatopeicas, eu não entendia ou precisava pensar muito para entender. Alice era um dos livros que me fascinava por causa disso.Alice no País das Maravilhas - interna 2 - reproduçãoEu aceitei fazer o projeto, apesar dele pagar menos da metade do valor por página que costumo receber, mas eu queria fazer porque era Alice no País das Maravilhas. Só mais tarde, quando terminei o primeiro volume, que a minha melhor amiga me disse “Uau Érica, você está trabalhando com a Leah Moore, a filha do Alan Moore!”. Eu tinha visto o nome, mas sabe quando você não associa o nome a pessoa? Porque Moore não é exatamente um nome incomum. Depois que eu percebi que os roteiros dela ela seguem o esquema do pai. Ela criou um layout de página que descreve painel por painel e qual a configuração da página com todos os detalhes. Tem gente que não gosta de trabalhar desse jeito, mas no caso da Alice no País das Maravilhas, eu particularmente achei que valia a pena porque como eles queriam que não fosse mangá e eu geralmente puxo para o mangá, faço alguma coisa bizarra na diagramação. Achei que funcionou muito bem.

Trabalhar para o mercado de quadrinhos norte-americano não é algo que eu busco, é algo que acontece de vez em quando. E quando o projeto vai pagar em dólar, você não vai falar não.Alice no País das Maravilhas - interna 4- reprodução

E aí, curtiu? Quer saber um pouco mais da trajetória de Érica Awano? Fique de olhe e aguarde a terceira e última parte da entrevista realizada no FIQ-BH 2018.

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