E por que personagens femininas deveriam ser tratadas melhor que isso.

Quando se trata de personagens masculinos, as pessoas podem amá-los ou amar odiá-los, ou têm sentimentos complicados sobre eles. Personagens masculinos que vão de Peter Parker a Hannibal Lecter, e as pessoas têm uma grande variedade de sentimentos sutis sobre eles. As personagens femininas, no entanto, parecem viver e morrer dentro de um fator arbitrário de “simpatia”.

Carol Danvers não sorri? Ela é desagradável e o filme dela também. A esposa de um anti-herói não quer que ele cometa crimes? Desagradável e ela é a óbvia vilã da peça. Sansa Stark quer fazer coisas elegantes? Desagradável e merecedora de morte. Martha Jones gosta do Doutor? Ela está tentando substituir Rose e, portanto, é desagradável.

Por alguma razão, é muito fácil para as pessoas encontrarem motivos para odiar personagens femininos (e de quebra as atrizes que os interpretam), mas é muito fácil encontrar motivos para amar personagens masculinos, mesmo os mais detestáveis.

Carol pode não sorrir muito, mas os demais heróis masculinos da Marvel também não o fazem, especialmente quando eles estão envolvidos em conflitos. Só que ninguém que está cobrando isso da Carol está dizendo que Steve Rogers ou Tony Stark deveriam sorriam mais. Skyler White pode ter trapaceado Walt, mas Walt assassinou pessoas, então quem era a pessoa realmente ruim da história? O crime de Sansa de ser ingênua às vezes certamente não é tão mal quanto a lista de crimes de Jamie Lannister, mas as pessoas amam Jaime. E sobre a Martha Jones… bem, se O Mestre consegue atrair fãs, então não há razão para Martha não ser amada também, certo?

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Enquanto isso, as pessoas adoram vilões masculinos, anti-heróis frustrantes e todos os outros tipos, mas se uma mulher não é legal, ou se ela é legal demais, ela é desagradável. Simplesmente não há como as mulheres vencerem essa briga. É um double standard sobre o qual escrevemos há muito tempo, mas que vale a pena repetir, principalmente com os recorrentes ataques à Brie Larson por não estar constantemente sorrindo (e por ousar expressar preocupações sobre uma turnê de imprensa).

Eu sempre achei a ideia de personagens fictícios serem “simpáticos” ou “carismáticos” algo frustrantemente sexista. A probabilidade quase nunca surge quando se trata de personagens masculinos. Nós descrevemos os personagens masculinos como sendo simpáticos, ou babacas simpáticos, mas muitas vezes os personagens masculinos conseguem um passe livre apenas por existirem como homens. As mulheres, por outro lado, devem ser “simpáticas” para passar em quaisquer testes que tenham sido estabelecidos para justificar sua existência. Se elas são retratadas como assassinas fatais, elas ainda assim precisam de alguma forma ser agradáveis, porque deuzolivre que uma mulher atraia fãs por ser desagradável.

Anna Gunn escreveu em um artigo do New York Times sobre sua personagem, Skyler White:

Eu gosto de ter personagens complexos e difíceis e sempre me esforcei para capturar a verdade dessas pessoas, sejam elas populares ou não. Vince Gilligan, o criador de Breaking Bad, queria que Skyler fosse uma mulher com uma espinha dorsal de aço que resistiria ao que quer que viesse em seu caminho, que não iria simplesmente desmaiar no canto ou torcer as mãos em desespero. Ele e os escritores do seriado transformaram Skyler em uma personagem multicamadas e, à sua maneira, moralmente comprometida. Mas no final do dia, ela não foi julgada pelo mesmo conjunto de padrões que Walter.

Skyler White (Anna Gunn) and Walter White (Bryan Cranston) - Breaking Bad Season 5B Gallery - Photo Credit: Frank Ockenfels 3/AMC agomez@abqjournal.com Tue Aug 06 16:40:41 -0600 2013 1375828834 FILENAME: 157015.jpg
Skyler White (Anna Gunn) e Walter White (Bryan Cranston) – Frank Ockenfels 3/AMC

Existem outras camadas para a simpatia também: mulheres de cor e mulheres que fazem parte da comunidade LGBTQ+ enfrentam padrões ainda mais altos de simpatia. Já é tão fácil para as pessoas odiarem mulheres brancas, cis e com corpos dentro do padrão de beleza, então existir fora desse espaço um tanto quanto privilegiado “convida” ainda mais ódio a aparecer.

Um vídeo fascinante do YouTube sobre Skyler aponta seus pecados femininos e por que eles tornam os telespectadores contra ela – o que me faz pensar na fama que Sansa Stark tem dentro de Game of Thrones. Sansa começa a história como uma adolescente ingênua que sonha com amor, romance e cavalheirismo. Ela se preocupa com coisas consideradas tradicionalmente femininas, como vestidos e princesas, quer se casar com Joffrey e ser rainha. Isto é contrastado com sua irmã Arya, que é uma moleca tomboy que prefere lutar a costurar.

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Cersei e outros personagens manipulam Sansa para seus próprios propósitos, porque ela é vista como um alvo fácil. Como resultado, ela é mantida em cativeiro e abusada, mas como ela ainda é tradicionalmente “feminina”, já que ela não pega numa espada, as pessoas ainda achavam que ela merecia morrer pelo simples crime de existir e não ser a tradicional personagem feminina “fodona”. Já que a Sansa não é nada como sua irmã, o público a odeia por sua aparente fraqueza.

Algumas séries tentam desafiar essas noções de simpatia usando personagens femininas, como Jessica Jones por exemplo, mas, com muita frequência, parece que essas personagens ainda precisam operar dentro das expectativas da sociedade para serem consideradas agradáveis – seja capaz, mas não excessivamente; não seja muito durona, mas também não seja mole demais, porque isso é ‘fraqueza’; não seja uma ‘puta’, ou muito focada em sua carreira, nem tenha carreiras ‘desinteressantes’.

As mulheres devem ser permitidas de existir além das idéias básicas do que as torna heroínas “simpáticas”, mas também que toda personagem feminina não seja obrigada a ser simpática. Por que as vilãs femininas não costumam atrair os mesmos fãs obstinados? Por que as anti-heroínas são julgadas como boas ou não, enquanto Don Draper continua sendo um símbolo amado da masculinidade tóxica?

Isso não quer dizer que toda personagem feminina deve ser amada por todos os telespectadores. Há personagens femininas terríveis, ou personagens femininas estragadas por uma escrita sexista, que exigem críticas, mas quando quase todas as personagens femininas são julgadas por serem ou não agradáveis, enquanto os personagens masculinos são terríveis e amados ao mesmo tempo, é hora de pensar melhor nas palavras que usamos para definir feminilidade na ficção.

Durante o Mês da História da Mulher, vamos todos reexaminar como interagimos com a ficção e com as mulheres. Você não precisa ter uma conta no Twitter dedicada a todas as personagens femininas conhecidas na história do cinema, mas vamos pensar em por que é tão fácil julgar as mulheres por seus pecados na ficção enquanto os homens usualmente recebem um passe livre.


Texto traduzido e adaptado do TheMarySue.

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