Quem disse que no cinema brasileiro não tem filme de terror de ótima qualidade? Confira entrevista exclusiva com os diretores do longa-metragem

Uma das mais interessantes características do cinema de terror é que ele comporta vários outros subgêneros. Um deles é das narrativas que giram em torno de máscaras amaldiçoadas que geralmente trazem a desgraça para quem usa e também para as pessoas próximas. Produções como “Halloween 3: A Noite das Bruxas” e “Demons – Filhos das Trevas” são alguns exemplos de filmes deste tipo.

skull_the_mask_PosterE agora a história do cinema brasileiro pode se orgulhar de ter também um poderoso e assustador representante nesta lista, com o slasher “Skull: A Máscara de Anhangá”, escrito e dirigido por Armando Fonseca e Kapel Furman.

O longa-metragem parte de elementos da cultura indígena brasileira para fundamentar a sua história. Em um prólogo ambientado em 1944, testemunhamos uma luta espetacularmente sangrenta que levou ao roubo do objeto do título: um artefato pré-colombiano que se parece com um crânio com chifres. A lenda diz que a máscara contém o espírito de Anhangá, carrasco do deus Tahawantinsupay.

Logo vemos que o objeto, de fato, possui poderes horríveis, que fazem inclusive a cabeça de um cara explodir enquanto ele está usando a máscara. Anos depois, ela reaparece graças a um grande projeto de construção na floresta amazônica. É prontamente trazida para São Paulo, a pedido do sinistro empresário Tack Waelder. Ele conhece a lenda do artefato, e sabe que com o ritual certo, a máscara tem a capacidade de conceder poderes divinos.

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Skull: A Máscara de Anhangá – Foto: Mila Cavalcante

No entanto, Waelder não é o único interessado na máscara. E o objeto amaldiçoado nem precisa de um cara rico aleatório por perto para começar a espalhar seus feitiços terríveis. Corpos começam a cair (de forma horripilante: estamos falando de vísceras arrancadas, corações removidos…) assim que o artefato chega à cidade e encontra um recipiente apropriado em um cara que trabalha na limpeza da cena do crime. Isso logo atrai a atenção de Beatriz, uma policial com um passado conturbado, assim como um padre e um ex-guerrilheiro chamado Manco, que estão ambos ligados a uma ordem secreta dedicada a proteger o mundo das capacidades apocalípticas da máscara.

Parece muita coisa para o enredo de uma história de terror, mas faz parte da diversão do filme. “Skull: A Máscara de Anhangá” é uma espécie de três filmes em um. Tem uma policial em conflito que lê os arquivos do caso enquanto esmaga pílulas em seu copo de uísque, e tem um padre e um civil que estão em desacordo sobre como lidar com um inimigo sobrenatural há muito temido.

Mas, principalmente, o filme tem um homem-montanha-enorme, possuído por uma antiga força do inferno decidida a acumular tantos sacrifícios humanos quanto possível, com o objetivo de ressuscitar um deus inca do mal. Vestido com macacões encharcados de sangue e usando uma máscara de crânio absolutamente petrificante, ele vaga pela cidade picando com a lâmina do seu facão qualquer um que encontre.

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Skull: A Máscara de Anhangá – Foto: Mila Cavalcante

É mais ou menos como se a máscara de hóquei de Jason, personagem da série de filmes Sexta-feira 13, tivesse a capacidade de transferir seus impulsos loucos e super força para qualquer um que a colocasse. A imprensa fica alvoroçada com o súbito surto de assassinatos em massa, e tudo o que o empresário Waelder pode fazer é reclamar que “a máscara está sendo desperdiçada em uma matança aleatória”.

Um dos destaques do filme é o personagem Manco. Para salvar o mundo, ele monta um verdadeiro arsenal – grandes armas, facas e lança-chamas, incluindo totens rituais – alguns feitos de partes de corpos humanos, como uma mão decepada e enrugada que funciona como uma bússola, apontando para a máscara. Tudo isso enquanto sangra de um ferimento à bala. Outro destaque são os efeitos especiais do filme, que são cuidadosamente elaborados, garantindo que cada rosto destroçado ou torso aberto receba o tempo de tela que merece.

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Skull: A Máscara de Anhangá – Foto: Mila Cavalcante

Seguindo a tradição da maioria dos filmes de terror, Skull: A Máscara de Anhangá deixa seu final tentadoramente aberto para uma sequência. Se houver algum tipo de ritual que possamos realizar para garantir que aconteça, estou totalmente a favor!

Entrevista exclusiva com os diretores Armando Fonseca e Kapel Furman

Armando Fonseca e Kapel Furman - Reprodução - Universo Produção
Armando Fonseca e Kapel Furman – Reprodução – Universo Produção

Garotas Geeks: Qual foi a inspiração de vocês para fazer o filme?
Armando: Depois de toda uma vida assistindo VHS de filmes de terror e ficção científica, muita coisa ficou incrustada na mente, então muitas referências estilo “Evil Dead” ou “Hellraiser” claro que vem à tona. Porém, um dos aspectos que acho mais legal em “Skull” é a ode à cultura latino-americana, em especial, inspirações em crenças indígenas e lendas pré-colombianas. É a chance de mostrarmos que algo autêntico pode ser feito por aqui sem ser uma cópia descarada dos filmes gringos.

Kapel: Inevitavelmente, as referências que são os tijolos da base criativa aparecem, mesmo que inconscientemente. A escolha de fazer um slasher/splatter é porque, dos subgêneros fantásticos, esses são a melhor tela para se colocar visualmente toda essa construção imaginária envolvendo HQs, videogames, wrestling e cinema fantástico.
A construção das personagens e da máscara em si foi pensada como algo habitando essas diferentes, mas semelhantes, mídias: as telas de apresentação das histórias que apareciam antes de jogos como Final Fight ou The Punisher, lutadores como Ultimate Warrior e Undertaker, HQs de Bisley, Shimamoto, Kieth e Boselli, além da essência do Heavy Metal.
Mas, como mitologia, era importante fugir das influências Eurocêntricas Cristãs e explorar uma nova amálgama e a América Latina com toda sua imensa variedade e mistura cultural que oferece grandes histórias.

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Skull: A Máscara de Anhangá – making of – Mila Cavalcante

GG: Como fazer um filme de terror brasileiro ser interessante para o público de outros países? Como foi a recepção fora do Brasil?
Armando: Foi surpreendente ver que o filme tomou vida lá fora antes de ser visto por aqui, mas é algo que já aconteceu com outros filmes nossos e acabou acontecendo com o “Skull”, que é o filme ser oferecido ao mesmo tempo no circuito de festivais brasileiro e estrangeiro, e inicialmente ser considerado e selecionado lá fora enquanto aqui não. Em seguida, ter certo reconhecimento no exterior acaba por consequência atraindo atenção também aqui no Brasil.

Kapel: Sinceramente não consigo responder com exatidão, porque não é uma fórmula. Tentamos fazer uma coisa honesta e sincera para nós e só podemos ficar felizes quando outros curtem (o que me surpreende, porque, no meu caso, tenho uma visão estética narrativa bem peculiar).
Sabíamos desde o começo que o público destinado era o internacional, pelas condições em que o projeto foi iniciado (fiz um pitching em 2018, durante o FantasMercado no Fantaspoa, e uma produtora norte-americana se interessou pela ideia, daí a necessidade do título em inglês). O que era importante, portanto, era o filme se comunicar visualmente mais do que verbalmente, já que queríamos manter o filme em português. Oferecer esse conteúdo visual e a sua narrativa de forma que saísse da caixinha e chamasse a atenção (mesmo causando opiniões controversas) e um ritmo próprio. Basicamente, tentar oferecer algo diferente e com personalidade autoral. Em nenhum momento se teve a intenção de um filme pasteurizado. Só no corte final que tivemos que sacrificar algumas cenas rodadas em favor da dinâmica.
A recepção do público fora do Brasil foi excelente, nem imaginamos que fosse ser dessa forma. A Raven Banner (representante do filme no exterior) e a Shudder (serviço de streaming que lançou o filme internacionalmente) foram essenciais para isso. Tem muita gente que ama, tem gente que odeia, mas o importante é ter uma reação e isso o filme está conseguindo.

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Skull: A Máscara de Anhangá – making off- Mila Cavalcante

GG: Qual é a importância de fazer filmes de terror no Brasil?
Armando: Um filme de terror traz questões pertinentes à nossa própria sociedade, claro que é numa narrativa e linguagem extrapolada, onde a violência plástica se traduz como um agrado aos olhos do público sedentos de sangue. Mas poder levantar questões atuais, das quais o espectador pode fazer esse paralelo entre aquele mundo extremo do filme e o mundo real que ele vive, acaba trazendo mais gente para assistir ao gênero. Tanto que vemos que o nicho de público de filmes de terror não está mais relegado às sessões de meia-noite, e cresce cada vez mais, chamando atenção e se inserindo como um dos gêneros que mais dá retorno de espectadores.

Kapel: Muito importante, não só no Brasil, como no mundo. A produção de um filme do gênero fantástico, por possibilitar ultrapassar barreiras narrativas e estéticas, agrega áreas e departamentos que rompem com a mídia do cinema. O gênero fantástico se comunica facilmente com quadrinhos, videogames, música, etc… movimentando esse universo.
Em termos técnicos, por precisar criar uma nova realidade extrapolada, o cinema fantástico exige aprimoramento em departamentos como efeitos especiais, fotografia, direção de arte, pós-produção e som. É essa prática constante e empírica que possibilita a evolução técnica e artística. O experimentar e a liberdade de errar são essenciais e isso vem quando existe uma produção constante.

Texto traduzido e parcialmente adaptado de Gizmodo.

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