Suas atitudes realmente podem afetar o mundo?

Recentemente, a editora JBC adquiriu o título Nijigahara Holograph, da autoria de Asano Inio, lançada no Japão em 2003 na revista Quick Japan. A obra é um dos trabalhos mais intrigantes do autor, apresentando uma trama muito densa e que nos faz questionar muitas coisas ao nosso redor. Desta vez, o autor aborda a temática do Efeito Borboleta, apelido para o fenômeno da sensibilidade em relação a pequenas perturbações, segundo o qual um bater de asas de uma borboleta aqui, no Brasil, pode desencadear fenômenos meteorológicos que podem causar um tufão no Texas (EUA). Entretanto, o famoso fenômeno é atribuído à vida de poucos personagens que vivem uma série de problemas, cujas decisões podem alterar mais coisas do que eles poderiam imaginar.

Repleto de reflexões e de cenas densas e fortes, o mangá é uma boa pedida para quem curte uma leitura mais densa.

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História

A história nos apresenta diversos personagens problemáticos e intrigantes. Entre eles, Suzuki, um garoto que começa uma nova vida escolar após sobreviver a uma tentativa de suicídio; Komatsuzaki, um garoto que faz o gênero valentão, praticando bullying com os mais fracos; e Arakawa, apaixonada pelo valentão, mas que não consegue fazer com que ele esqueça Arie, uma garota que está em coma depois de ter sido jogada em um poço pelos colegas de classe depois de uma “brincadeira”.

Tudo isso e outros detalhes da vida desses personagens é contada em acontecimentos do cotidiano, intercaladas com as memórias de quando eles ainda eram crianças, dez anos antes, o que revela os relacionamentos entre eles no passado e a forma como isso afeta outros relacionamentos na atualidade. Além disso, todos parecem estar envolvidos com a história da cidade de que um monstro estaria vivendo em um dos túneis da cidade e que ele seria o responsável pelo fim do mundo…

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Análise

Atenção: a partir deste ponto, o post  contém spoilers!

Tudo bem, já ficou bem claro que o mangá traz uma temática densa e de difícil compreensão, mas alguns pontos são passíveis de discussão aqui.

A ausência da cronologia dos fatos me parece ser proposital, a fim de mostrar que o universo em momento algum se movimenta de forma linear, representando, mais uma vez, o efeito borboleta. A desordem demonstra a complexidade da ideia de que um simples gesto pode afetar a humanidade inteira, o que o mangaká busca representar através de uma narrativa repletas de camadas e sutilezas, o que exige do leitor muita atenção. Por este motivo, a leitura da obra por uma única vez jamais será suficiente para a compreensão da história em sua integridade. Se quiser fazer o teste, faça uma releitura e então você perceberá nuances que passaram despercebidos durante a primeira vez.

Outros pontos que dão mais profundida à obra merecem um destaque especial, como, por exemplo, a utilização de fatos sobrenaturais. Ao contrário do que parece – e da verdadeira e comum intenção de se valer destes artifícios -, o autor não busca causar a sensação de terror no leitor, mas sim valer-se de metáforas para apresentar as sensações inerentes aos seres humanos e que são capazes de causar diversos estragos na humanidade: o egoísmo, os desejos ocultos e proibidos pela moral e bons costumes. Ou seja, o “monstro interior”. (Lembrou-se da lenda que a cidade mantém sobre o monstro do túnel?). Desta forma, é bem claro que o mangaká buscou apresentar aos leitores uma verdade que muitos negam: todos nós temos um lado obscuro, mas é preciso resistir a ele.

Ainda, relevante apresentar aqui o uso de referências filosóficas na história, como, por exemplo, a passagem sobre o contador de histórias chinês taoísta chamado Zhuangzi:

Zhuangzi adormeceu um dia em um jardim de flores, e teve um sonho. Ele sonhou que era uma linda borboleta. A borboleta voou aqui e ali até o cansaço, então ele caiu no sono, por sua vez. A borboleta teve um sonho também. Ele sonhou que era Zhuangzi. Neste ponto, Zhuangzi acordou. Ele não sabia se ele era agora o real ou o sonho do Zhuangzi Zhuangzi da borboleta. Ele também não sabia se era ele que tinha sonhado a borboleta ou uma borboleta tinha sonhado com ele.

Depois de ler a passagem e relacionar a história da borboleta com o tal fenômeno, é fácil ligar as temáticas abordadas no mangá com a filosofia taoísta: a busca pela sabedoria absoluta através do equilíbrio de dois elementos dualistas: o yin e o yang. Para quem não sabe, o yin representa o elemento feminino, COMPLETAR, enquanto o yang é o masculino, COMPLETAR. Eles se complementam e não se bastam por si mesmos, mas quando avaliados dentro de um corpo humano, é perceptível que sempre um deles se sobressai. Como exemplo, podemos citar a cena em que Suzuki encontra seu eu interior, vivendo uma verdadeira luta com seu lado obscuro. Confira a cena abaixo:

Atenção: as imagens foram inseridas em caixa de spoiler por conter cenas fortes.

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Interessante, ainda, é o título da história. Nijigahara Holograph pode ser traduzido como Holograma no Campo do Arco-íris. Um holograma é produzido através de um padrão de interferências de luzes, gerando a imagem em três dimensões. E de mesma forma, o mangá aborda as atitudes de cada personagem interferindo não só na vida do próximo, mas também na própria, abordando as dimensões temporais de passado, presente e futuro.

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Arte

O estilo gráfico do mangá é simplesmente FANTÁSTICO! O mangaká consegue dar a história toda a profundidade que ela merece, ajudando na imersão do leitor diante dos detalhes apresentados. De fato, a arte casou muito bem com a temática, dada a dificuldade de distinção entre a realidade e o sonho. As linhas são finas e limpas, intercalando inclusive com quadros brancos sem cenário a fim de evidenciar o personagem, bem como os quadros negros vazios ou com pequenas mensagens, causando a sensação de incômodo ou tristeza que o autor busca proporcionar durante a leitura. Fora isso, é claro que as borboletas não poderiam faltar, não é mesmo?

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Outro ponto interessante na arte do mangá é que cada parte do mangá é muito bem representada: as cenas de estupro e incesto, por exemplo, são representadas com asco e com certa “sutileza”, demonstrando apenas o necessário para que o leitor entenda o que se passa, o que merece destaque dentro do universo desta temática.

Vale a pena?

A grande satisfação do mangá também acaba sendo ao mesmo tempo um ponto controverso: a narrativa confusa. Nijigahara Holograph com certeza é uma obra que deve ser lida mais de uma vez, diante da falta de cronologia dos fatos e da densidade do tema. Entretanto, é garantido que a cada leitura passamos a compreender a verdade por trás dos acontecimentos, revelando que as descobertas que fazemos na vida não acontecem de forma linear, como esperamos.

De certa forma, isso é bem comum em outras obras que abordam o tema efeito borboleta, inclusive o filme que leva o nome do fenômeno, que foi um grande sucesso alguns anos atrás. Além disso, nos sentimos tão apreensivos e tensos que a narrativa definitivamente consegue prender o leitor, até mesmo porque os personagens não são tão previsíveis, justamente por conta do tal fenômeno, mostrando que a mudança de atitude muda todas as situações ao redor.

A obra, de fato, carrega consigo a questão existencial, tão presente nas obras deste mangaká, abordando especialmente a incapacidade de amadurecimento que ele vê tão presente nos seres humanos, trazendo em seu trabalho dilemas típicos da juventude, como a depressão, revelando-se, mais uma vez, como uma obra profunda e cheia de significados que te acompanharão pelo resto da vida, uma vez que você consiga captá-los a cada leitura.

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Bônus!

Vocês já devem ter percebido a esta altura do campeonato que o mangá é bem filosófico. Por isso, o pessoal da Elfen Lied Brasil juntou um apanhado de frases para quem curte guardar esse tipo de coisa pra vida. Confira aqui!

O público discutiu muito em fóruns no MangaFox sobre a ordem cronológica dos fatos da história, o que pode ajudar na compreensão dela. Confira aqui! (Em inglês).

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Gostou? Você pode adquiri-lo aqui ou ler online aqui!

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