Três décadas de uma história simplesmente foda.

Se dois filmes definiram a minha ideia do poder de uma garota rebelde nos anos 90, eles foram Thelma & Louise (1991) e Até as Últimas Consequências (1996). O primeiro completou o seu aniversário de 30 anos este ano, sem deixar de ser um dos filmes mais marcantes de todos os tempos.

Escrito por Callie Khouri e dirigido por Ridley Scott, o filme conta a história de duas melhores amigas, Thelma Dickinson (Geena Davis) e Louise Sawyer (Susan Sarandon), enquanto elas se preparam para uma folga de fim de semana nas montanhas, longe de suas vidas comuns e companheiros merdas no Arkansas. Em sua viagem, Thelma quase é estuprada, mas acaba sendo salva por Louise, que atira contra o estuprador, e com isso elas acabam se tornando fugitivas da polícia.

Em 1991, o panorama de mulheres nos filmes era muito limitado, mas começava a mudar. Ao lado de Thelma & Louise, um dos maiores sucessos do ano foi O Silêncio dos Inocentes, com Jodie Foster, uma outra história sobre uma mulher forte colocada contra a parede de forma desconfortável por um homem.

Mas enquanto a jornada de Clarice Starling faz com que ela trabalhe com o sistema, Thelma & Louise praticamente trabalha por fora dele.

“Eu não queria escrever sobre duas mulheres burras, ou sobre duas mulheres malvadas que saem por aí cometendo crimes”, afirmou a roteirista ao comentar o filme.

Eu queria escrever sobre duas mulheres normais. A definição de mulheres na forma como eram apresentadas nos filmes era tão estreita. Tão limitada.

O filme carrega seu feminismo na manga (ou, às vezes, em camisas sem manga) e não tem medo de mostrar ambas as protagonistas como mulheres sexuais, com defeitos e perigosas à sua maneira, enquanto tenta garantir que entendamos cada uma de suas escolhas.

Outra coisa que o filme faz é utilizar o estupro como “ferramenta de roteiro” em uma das melhores maneiras que pode ser feito. A tentativa de estupro contra Thelma é o que força Louise a matar um homem, mas isso também conta parte do passado de Louise. “Quando uma mulher está chorando e gritando daquele jeito, ela não está se divertindo”, conta Khouri. E essa cena está mergulhada em suas dores pessoais.

Nunca foi demonstrado de forma aberta que Louise foi estuprada; mas fica implícito nos diálogos que seguem que ela também foi estuprada e julgada de forma nojenta no Texas. É por isso, que durante todo o filme, ela nunca quer retornar. De várias formas, a morte do estuprador de Thelma foi uma chance de impedir que uma amiga enfrentasse um trauma similar. A luta delas é inteiramente contra as forças que tentavam prendê-las.

E é exatamente por isso que a cena final as mostra no ar. Nós não precisamos vê-las morrer, porque o ponto central do filme é a liberdade e não a morte.

Khouri explicou em uma entrevista que “elas voaram para longe, deste mundo e da massa inconsciente. Mulheres que foram completamente liberadas das algemas que as prendiam e que não têm mais lugar nesse mundo. O mundo não é grande o bastante para apoiá-las”.

Na época em que foi lançado, o filme foi chamado de “anti-homens”, ao que Geena Davis respondeu prontamente que:

“Se você se sente ameaçado por esse filme, você está se identificando com a pessoa errada”.

Mas a mensagem que fica ao final, e que não mudou em nada até hoje, é que as pessoas não podem confiar na lei quando o objetivo é proteger e acreditar em pessoas que sobreviveram a um estupro. Nas palavras de Megan Garber em artigo para a The Atlantic:

O fato fundamental em Thelma & Louise – o que no final das contas dirige toda a trama, e que infelizmente parece tão atual nos dias de hoje – é que o reconhecimento por parte das mulheres de que elas não podem confiar na lei, porque a lei não confia nelas.


Texto traduzido do TheMarySue.

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