A série trabalhou o assunto de uma forma épica.

*** O POST A SEGUIR CONTÉM SPOILERS DO EPISÓDIO 12 DA 4ª TEMPORADA DA SÉRIE THE GOOD PLACE ***

Quando eu tinha por volta de 10 anos de idade, lembro-me de prestar atenção pela primeira vez sobre como funcionava o céu e as maravilhas da vida eterna num paraíso perfeito. Foi também a primeira que tive uma crise de pânico. E eu nem de longe fazia ideia o que era isso.

Mas foi a partir daí que comecei a ter muito mais medo da ideia que me ensinaram sobre o céu do que a do inferno. Literalmente. Isso porque, na minha cabeça, de um jeito que eu não conseguia explicar, o conceito da vida eterna, um ciclo interminável, me apavorava. Era simplesmente aterrorizante. Tudo o que eu precisava fazer pra desencadear esse pânico era pensar no ciclo e numa linha histórica infinita, que nunca terminaria. Então eu colocava as mãos no ouvido e cantava alto pra abafar os pensamentos, mas era sempre dali a pior: mal estar, ansiedade, palpitações, suor gelado, náusea, crise asmática. Até hoje evito pensar demais no assunto, por mais que agora eu consiga racionalizar isso um pouco melhor. Ainda é um pouco difícil, já que esse tipo de coisa não é exatamente racional, mas ao menos sei lidar melhor e consegui até encontrar um nome pra esse medo: apeirofobia.

Vivendo num país majoritariamente religioso, imagino que muita gente tenha entendido esse conceito de céu mais ou menos na mesma idade que eu. Isso, hipoteticamente, não era algo que deveria inspirar terror, então eu não sabia se outras pessoas tinham passado pelo mesmo problema. No entanto, pesquisando atualmente sobre o assunto, descobri que é uma fobia bem comum.

O vídeo abaixo é uma demonstração explanativa sobre a fobia:

Mas se essa é a meta final e o que dá sentido pra vida de muita gente, por que era tão assustador?

Pra mim, a vida após a morte só tinha mais significado quando eu levava em consideração que esse tipo de pensamento é uma forma de lidar com o luto, por exemplo. Fora isso, de todo jeito não me parecia uma perspectiva muito agradável.

Hoje, vendo “Patty“, o penúltimo episódio de The Good Place, da Netflix, uma pequena luz se acendeu na minha cabeça e finalmente consegui compreender um pouco mais do meu pânico, principalmente por finalmente ver que eu não era a única a discordar desse tipo de recompensa divina.

Imagem: Colleen Hayes/NBC

O episódio discute sobre a chegada dos protagonistas até o Lugar Bom, dessa vez o verdadeiro. Depois de salvar toda a humanidade e criar um sistema de pontuação que fazia mais sentido, eles mereceram. Mas, como tudo na série, sempre tem uma reviravolta esperando logo na esquina.

O plot twist desse episódio era que o céu era… chato. O Lugar Bom estava quebrado, como todo o resto do universo.

As pessoas faziam tudo o que queriam, tinham acesso a tudo que pediam, tudo era perfeito, e com o tempo, todos viravam espécies de “zumbis”, com olhares mortos e cada vez menos inteligência – glassy-eyed mush people, mais precisamente. Essa explicação vem da adorável Lisa Kudrow, de Friends, interpretando a pensadora grega Hipátia.

The Good Place é uma série que apresenta problemas filosóficos extremamente complicados e têm de resolvê-los em poucos minutos. Desta vez, a única forma de resolver o problema era tirar a eternidade da equação.

Afinal, ter uma ideia do que pode acontecer no futuro e ter consciência do seu tempo limitado não é exatamente o que deixa a coisa toda interessante? 

Não é à toa que a imortalidade muitas vezes era apresentada na mitologia grega como uma espécie de maldição, e que deuses gregos do Olimpo muitas vezes invejavam os humanos exatamente por causa de sua mortalidade. Faz sentido. Em Tróia (2004), o personagem Aquiles afirma, completando esse raciocínio:

Os deuses nos invejam. Eles nos invejam porque somos mortais, porque qualquer momento pode ser o nosso último. Tudo é mais bonito porque estamos condenados. Você nunca vai ser mais bonita do que você é agora. Nós nunca estaremos aqui novamente.

Por fim, nos últimos minutos de “Patty“, Chidi diz que o sentido da vida era aquele: o tempo. Ter tempo para passar com quem você ama – e só isso faz valer a pena estar no paraíso. E então, algo clicou em mim. Parte daquele medo cedeu.

Tenho minhas convicções sobre a vida após a morte. Se existir um céu, eu espero que seja um lugar como o de The Good Place, onde você pode aproveitar tudo o que sempre sonhou e, eventualmente, ter a opção de finalizar sua jornada.

Obviamente, isso é algo muito pessoal. Acredito que viver eternamente não teria graça mesmo, porque pra mim o sentido da vida é exatamente que ela tem um fim. Poder ter o direito de não querer mais existir deveria ser visto como algo fundamental.

Nascer, crescer e morrer me parece um ciclo perfeito. Principalmente levando em consideração que não há luz se não há a escuridão. Que não sabemos como desfrutar bem a felicidade se não conhecemos a tristeza. Que aproveitar a vida toma ainda mais sentido quando sabemos que um dia ela chegará ao fim.

A brevidade e a fragilidade da vida é o que a tornam preciosa. É isso o que nos torna humanos.


Créditos da capa: JR Fleming

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