E como a diversidade nos jogos tem sido cada vez maior.

A indústria e cultura dos videogames têm sido consideradas há muito uma espécie de arena masculina para homens tecnologicamente esclarecidos. Nas últimas duas décadas, porém, o meio tem mudado para incluir mulheres tanto entre seus consumidores quanto em seus desenvolvedores. Através de empresas de desenvolvimento dirigidas por mulheres, equipes e organizações femininas e a crescente influência do ativismo feminino, as mulheres têm se tornado grande parte do ambiente dos jogos eletrônicos.

Isso não quer dizer que as mulheres tenham sido bem recebidas nesse mundo dos jogos. Em vez disso, elas foram recebidas com desvalorização, estereótipos negativos e muita hostilidade.

Organizações lideradas e fundadas por mulheres buscam tanto treinar quanto empoderar jogadoras para que se tornem líderes da indústria, com o objetivo de criar um ambiente menos hostil. Mulheres envolvidas nesses projetos acreditam que a inclusão de mulheres no desenvolvimento e criação de jogos fará com que mais mulheres tenham interesse no campo.

As mulheres conseguiram se firmar nesse ambiente com associações ativas e uma grande comunidade online. A cultura e indústria, porém, continuam falhando com relação a igualdade de gêneros. Enquanto as mulheres já conseguiram de alguma forma entrar para essa indústria, elas continuam enfrentando barreiras gigantescas, como a cultura da hipermasculinização e as expectativas sociais colocadas sobre elas, que as impedem de alcançar a igualdade.

Mulheres também gostam de videogames

O mundo dos jogos eletrônicos é uma indústria multibilionária que evoluiu imensamente nas últimas décadas. No lugar onde pixels já criaram formas primitivas de tênis em uma tela em preto e branco, jogadores hoje podem reunir companheiros, fazer inimigos e formar relacionamentos com personagens criados pela computação com inteligência artificial. Como resultado, a indústria cresceu exponencialmente ano a ano, atingindo a soma de 43 bilhões de dólares em 2018, algo superior a toda bilheteria de cinema nos Estados Unidos, por exemplo.

Essa indústria, como qualquer outro tipo de grande negócio, depende de seu crescimento e consequentemente, tem trabalhado em busca de maior inclusão de gênero. Apesar de marginalizadas na cultura e indústria, as mulheres já representam praticamente metade desse mercado, ultrapassando a marca de 40% dos consumidores. Na verdade, o consumidor médio masculino e feminino são muito mais parecidos do que se imagina.

Mulheres fazem parte da ciência de Tecnologia da Informação, programação e engenharia desde o início da década de 1970, mas somente na metade dos anos 1990 é que começaram a avançar no mundo dos jogos digitais. Nessa época, o movimento feminista estava no auge, fazendo com que os jogos fossem criticados por causa de seus designs exclusivamente masculinos. Desenvolvedores homens afirmavam que mulheres simplesmente não gostavam de jogos, chegando a afirmar que todo o gênero feminino era tecnofóbico. Já as mulheres afirmavam que desenvolver jogos estereotipados para mulheres (com tudo rosa e cheio de brilho, e dinâmicas facilitadas) era algo contrário aos objetivos das organizações feministas.

Apenas em 2008, com The Sims, um jogo conseguiu alcançar de fato um público feminino maior do que masculino em um jogo neutro, sem direcionamento para um grupo específico. Foi um momento marcante na indústria, em que foi possível demonstrar que tanto jovens quanto mulheres adultas possuíam interesse em jogos. Após anos de desenvolvimento e evolução, a indústria finalmente havia descoberto nas mulheres uma chance de expandir a indústria, superando uma barreira até então considerada impenetrável.

Jogos eletrônicos hoje começaram a valorizar tanto homens quanto mulheres como mercados viáveis, e trabalhar para atender a todos os públicos. Isso, porém, não quer dizer que seja tudo igual no mundo dos jogos. Homens e mulheres se dedicam como consumidores e desenvolvedores de formas diferentes, influenciados por essas questões de gênero, que causa e reforça a discriminação dentro da indústria e cultura.

Crescendo como uma jogadora

Em boa parte de sua história, os criadores de jogos embutiram ideias ultrapassadas sobre masculinidade e feminilidade em seus produtos. Desenvolvedores assumiram que mulheres gostavam mais de assistir do que jogar, que preferiam histórias simples e de receber “perdão” ao falharem em um objetivo. Homens por outro lado seriam competitivos, e gostavam de um desafio, além de envolvimento com a história.

Jogos modernos, porém, por vezes oferecem exploração, construção de relacionamentos e várias formas de combate, fazendo com que sejam atrativos para todo tipo de jogador, e não apenas certos grupos. O aumento na popularidade dos jogos mainstream entre mulheres, que comumente incluem certa rivalidade e nível de habilidade, são uma prova de que essas ideias antigas não estavam corretas.

Crianças que começam a jogar cada vez mais cedo, podem ser fortemente influenciadas por papéis de gênero impostos pela sociedade, fazendo com que adiram a uma definição de masculinidade e feminilidade da forma como lhes são apresentados. E essas plataformas digitais permitem que eles pratiquem vários conceitos que envolvem identidade de gênero, como formar uma família ou destruir uma cidade sem medo de repercussões.

Meninos e meninas amadurecem ao lado dessas distintas linhas de gênero. Garotos jogam como uma forma de aceitação social, afinal é esperado que eles joguem alguma coisa. Eles são incentivados a valorizar a competitividade e várias formas de agressão enquanto jogam. Garotas por sua vez, começam gostando de aspectos similares nos jogos, porém, a cultura americana ensina que o meio é inerentemente masculino, um clube do bolinha. E como resultado, um sentimento de não-pertencimento começa a surgir nas jovens jogadoras.

Essa dicotomia entre meninos e meninas continua até que eles comecem a se descrever com termos diferentes de acordo com a divisão de gênero. Garotos começam a falar coisas como “não gosto de jogos de meninas” ou “sou muito melhor do que minha irmã”, em vez de mencionar suas próprias habilidades. De forma similar, garotas começam a reduzir sua necessidade de competição, a fim de preservar a “feminilidade” que é cultivada como sua mais importante e valiosa característica.

Diferentemente dessas crenças tradicionais de masculino e feminino, quando garotos são removidos da discussão, garotas falam abertamente sobre sua paixão pelos jogos, por criar e vencer. O prazer de jogar persiste para algumas garotas, mas por vezes elas acabam por se censurar próximas dos garotos para manter a “feminilidade”.

Se mulheres se tornam gamers quando mais velhas, elas começam a se dedicar a isso por tanto tempo quanto os homens. Portanto, caso o estigma inicial de masculinidade é superado, mulheres e homens acabam por ter experiências similares, com as diferenças apenas surgindo quando gênero é um fator significativo, como em se identificar como uma mulher gamer.

Ao considerar o gênero como uma categoria binária, com base em uma noção falsamente atribuída a biologia, as pessoas ignoram todas as pesquisas que demonstram como os indivíduos, incluindo gamers, possuem um amplo espectro de traços “femininos” e “masculinos” que são desenvolvidos durante suas interações sociais.

Hipermasculinização é algo cíclico nos jogos

“Hipermasculinização” é a utilização exagerada de estereótipos masculinos como agressividade e valores de hierarquia. Homens vendo esses padrões sentem a necessidade de conquistar os outros e se tornarem os melhores, desvalorizando aqueles que derrotaram no processo. Essas ações, combinadas com o sentimento de inclusão em uma pequena subcultura do mundo dos jogos são integralmente hipermasculinas, promovendo uma mentalidade hostil contra todos os aspectos considerados femininos.

Essa tecnomasculinidade começou com homens “tecnologicamente esclarecidos” que queriam evitar o etiquetamento como nerds, enquanto continuavam se dedicando a computadores e jogos eletrônicos.

Homens nessa arena começaram a embutir uma imagem de hipermasculinidade no conteúdo dos jogos, através da criação de personagens nada realistas e da marginalização das mulheres.

E com isso existe um efeito cíclico, em que homens criam jogos aderindo a uma ideologia de hipermasculinização, produzindo uma cultura de hipermasculinização. Uma das maneiras em que isso se torna perpetuado nos jogos é com a criação de personagens femininas fracas e extremamente sexualizadas. A representação das mulheres nos jogos digitais em geral acaba tendo quatro personas: heroína sexualizada, donzela em perigo, personagem irrelevante ou inimiga.

Homens não gostam de jogar como a “donzela em perigo” e mulheres geralmente perdem o interesse quando a heroína é exageradamente sexualizada. O resultado é que os personagens hipermasculinizados acabam sendo as principais opções nos jogos, reforçando a masculinidade exagerada na cultura gamer.

Um exemplo dessa aversão a protagonistas femininas pode ser encontrado na trilogia Mass Effect. Considerado um dos melhores RPGs de sua década, Mass Effect é uma odisseia no espaço em que o Comandante Shepard lidera um grupo de mercenários e heróis militares em uma batalha contra uma raça alienígena que deseja a aniquilação total da galáxia. Os jogadores podem escolher no início da história se querem jogar com um personagem masculino ou feminino, personalizando sua aparência.

No início do desenvolvimento do jogo, porém, isso não seria possível. O chefe de animação Jonathan Cooper afirmou em uma mensagem de aniversário para os fãs, que ele havia originalmente planejado que Shepard fosse uma mulher. E a principal razão pela qual a BioWare (desenvolvedora do jogo) adicionou a possibilidade de um personagem masculino foi porque os jogadores homens não estariam interessados na saga caso fossem forçados a jogar com uma personagem feminina.

Em 2014, outra desenvolvedora deixou claro que personagens femininas eram tratadas como menos lucrativas e uma perda de tempo. A Ubisoft se tornou o centro das discussões durante uma convenção em que anunciaria as novidades do último jogo da franquia Assassin’s Creed. A série havia se tornado uma das mais lucrativas da empresa e atraia um enorme público feminino.

Essas jogadoras, porém, haviam se cansado dos personagens masculinos estereotipados como os únicos personagens jogáveis, e começaram a pedir por uma protagonista mulher. A resposta da Ubisoft para o público foi criticada como um dos piores momentos da história das relações-públicas em jogos. A empresa afirmou que não seria possível porque isso “dobraria o trabalho necessário”. A desenvolvedora, que já havia adicionado uma grande quantidade de personagens femininas em seus jogos, tanto como aliadas quanto vilãs, tentou esconder seu desinteresse em criar uma protagonista mulher por trás da desculpa de “falta de recursos”.

Mulheres na cultura e indústria gamer

No mundo social dos videogames, mulheres costumam ser enviadas para partes separadas da internet e convenções para que as ideias hipermasculinas sejam reproduzidas. Apesar de haver um crescimento no número de mulheres nas agências de desenvolvimento, a indústria continua falhando com relação a diversidade e igualdade de gênero, impondo barreiras sociais que impedem que mulheres obtenham sucesso profissional.

Mulheres estão avançando e se tornando membros vocais do mundo dos jogos digitais, mas ainda estão longe da igualdade.

Elas inclusive interagem nessa cultura de forma diferente dos homens, particularmente em sua forma de discutir a sua identidade e em como são vistas pelos outros. Os jogos permitem que os usuários possuam tanto uma persona física quanto uma virtual: aquela da vida cotidiana e a apresentada pelo seu avatar, um personagem criado e personalizado para o jogo. Esses avatares permitem que as pessoas possam experimentar sua identidade e mudar atributos como gênero e personalidade.

Personagens femininas geralmente recebem tratamento diferente dos personagens masculinos. Às vezes, jogadores homens oferecem orientação, objetos e itens para ajudar a melhorar as estatísticas dos personagens, buscando respostas favoráveis ou flertes com jogadoras mulheres. Outras vezes, elas são atacadas e assediadas.

Assim, mulheres geralmente não consideram vantajoso revelar o seu gênero em jogos MMO (massive multiplayer online), por exemplo, uma vez que podem ser vítimas de assédio a ponto de estragar completamente a experiência.

Em geral, mulheres que não conseguem combater a hipermasculinidade nos jogos acabam por se tornar silenciosas em toda sua experiência.

Algumas pesquisas apontam inclusive que as mulheres são de fato influenciadas pela visão de que jogos digitais não são feitos para elas. A International Gaming Developer Association – IGDA (Associação Internacional de Desenvolvedores de Jogos) realizou a primeira pesquisa dentro da indústria em 2004, intitulada “Pesquisa de Qualidade de Vida”. Em 2017, cerca de 23% dos profissionais da indústria dos jogos se identificavam como mulheres, um aumento considerável se comparado aos 10% encontrados no período entre 2005 e 2010. Essa ainda baixa porcentagem de profissionais reflete a falta de confiança sentida pelas mulheres com relação a entrar em um campo dominado por homens, assim como as expectativas “maternas”. Metade dos entrevistados eram casados e 29% tinham filhos. E apesar dos papéis tradicionais de gênero estarem sendo revertidos, a sociedade ainda coloca a responsabilidade de criação dos filhos sobre as mulheres.

A ausência de uma presença forte e profissional feminina faz com que as mulheres não consigam penetrar na indústria dos jogos.

As mulheres que conseguem entrar são geralmente segregadas a papeis considerados “adequados a sua natureza feminina”, como trabalho de escritório e relações-públicas. Comunicação, negociação e práticas de mercado são considerados “habilidades delicadas”, que podem ser facilmente aprendidas e aplicadas em várias tarefas do campo. Mulheres acabam preenchendo esses papéis, como diretoras de marketing e relações-públicas, em vez de participarem do desenvolvimento de conteúdo, design de arte e áudio.

Assim, os jogos não se tornam mais diversos porque os criadores continuam sendo homens que cresceram jogando e que repetem os padrões aos quais foram submetidos, dando continuidade ao ciclo da hipermasculinidade.

Além disso, programadores costumam ser os funcionários que recebem os maiores salários dentro de uma empresa de desenvolvimento de jogos; não havendo mulheres nesses papéis, as posições de maiores salários e prestígio são ocupadas majoritariamente por homens.

A discriminação contra mulheres é uma das principais causas da disparidade de gênero nos jogos.

Mais de 80% dos entrevistados pela IGDA consideram a diversidade um fator importante nos jogos digitais. Porém, sequer metade da indústria se tornou mais diversa. Na verdade, 3% dos entrevistados sentem que a indústria se tornou menos diversa, e 22% não sabem afirmar se houve alguma mudança nesse sentido.

O crescimento no envolvimento de mulheres na indústria é prova de que os jogos eletrônicos estão em um momento crítico de seu próprio desenvolvimento. A cultura e indústria dos jogos precisa trabalhar como eles lidam com a discriminação contra mulheres, com ênfase em fazer com que as mulheres se sintam mais confortáveis não apenas como jogadoras, mas também como criadoras de conteúdo.

O ativismo feminista está atraindo mais jogadoras

O ativismo feminino dentro da indústria tem alcançado sucesso ao criar espaços seguros e empolgantes para mulheres. A Women in Gaming International e a Women in Gaming Special Interest Group da International Game Developers Association trabalha em busca de treinar e empoderar mulheres profissionais que trabalham com jogos. A Girls Make Games também surgiu como uma oportunidade para que jovens mulheres desenvolvam as habilidades necessárias para criar jogos digitais.

Construir uma forte rede de mentoria e aliados é essencial para continuar esse processo em busca da igualdade, ao mesmo tempo que a prática impede o isolamento de qualquer gênero. Quando mulheres se tornam líderes e conseguem trabalhar com os homens que já se consolidaram no cenário, a indústria dos videogames se torna naturalmente mais diversa.

Além disso, as mulheres costumam discutir abertamente tanto os desafios quanto recompensas alcançadas ao trabalhar na indústria junto aos seus companheiros, criando uma rede consolidada de ativistas. Mais mulheres podem se sentir atraídas a trabalhar com isso dependendo do número de mulheres liderando painéis de discussão, desenvolvendo jogos e escrevendo sobre suas experiências.

A indústria e cultura dos videogames está lentamente avançando em busca da diversidade. Porém, ainda há um longo caminho antes que isso aconteça de verdade. Desenvolver ou focar apenas um grupo específico pode ser o início do fim desse mercado. Então é necessário que haja uma base de respeito e ativismo na indústria para que as mulheres possam se tornar tão numerosas quanto seus pares, em vez de um pequeno grupo marginalizado.


Texto traduzido e adaptado da Medium.

Imagem de capa: Pixabay

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