Análise jurídica do contrato entre Ariel e Úrsula :p

Você se lembra da cena do filme A Pequena Sereia da Disney em que Ariel assina um contrato com Úrsula para conseguir conquistar o coração de Eric, seu amado príncipe? Nele, Ariel troca suas pernas pelo verdadeiro amor…

Caso você não se lembre, colocamos aqui para refrescar sua memória:

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Entretanto, algumas pessoas se mobilizaram em analisar juridicamente o contrato feito entre elas, entre elas Shon Faye, advogada com especialização em direito comercial xD. Inicialmente, ela conta um pouco de onde veio essa iniciativa:

A Ariel sempre foi minha princesa preferida da Disney. Sempre me identifiquei com ela, provavelmente, porque nós duas somos mulheres trans. Digo, sou apenas transgênero, enquanto Ariel é trans-espécie, mas sabe como é, chegar até aqui não foi fácil para nenhuma de nós.

Além disso, ela disse que notou que no desenho, Úrsula diz que o documento é legal e não pode ser quebrado.

“Pensei: ‘Não tenho tanta certeza de que isso seja verdade, queridinha’”

oohburn

Sem mais delongas, vamos aos ~argumentos~

1. Ariel, aos 16 anos, é menor de idade e, embora possa fazer um contrato com Úrsula, enquanto menor pode anulá-lo a qualquer momento – após não ser bem-sucedida em ganhar o coração do príncipe Eric, ela poderia anular o contrato e sair andando (nadando) com sua voz.

No direito, nós temos uma figura chamada capacidade. Você, quando nasce, é considerado absolutamente incapaz, ou seja, você sozinho, até completar 16 anos, não pode realizar nenhum ato da vida civil sozinho, de forma que todos eles são realizados por seus responsáveis: geralmente seus pais, ou um tutor. Por isso, se entre 0 até 15 anos de idade, se você fizer um contrato, ele é NULO.

Ariel, entretanto, teria 16 anos de idade. No direito, chamamos de relativamente incapaz o indivíduo que possui entre 16 e 18 anos de idade, o que significa que ele pode praticar alguns atos (repetindo, alguns) da vida civil, DESDE QUE assistidos por seus responsáveis, sob pena de o ato ser ANULÁVEL.

Ou seja, uma vez que Ariel estava desacompanhada de seus responsáveis e assinou um contrato, ele poderia ser anulado 🙂

Isso, inclusive, faz parte dos requisitos de validade de um negócio jurídico. Portanto, uma vez que há incapacidade, aplica-se a nulidade ou anulabilidade.

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2. Dado que a voz de Ariel é trocada por suas pernas, a condição de Úrsula de que, se Ariel não beijar Eric em três dias, ela também deverá ter que dar sua alma como multa é onerosa e insensata. (…) Ariel poderia ser capaz de contestar essa cláusula do contrato ou recorrer a um ouvidor apropriado.

No direito contratual, a maioria dos contratos é oneroso, isto é, existem obrigações recíprocas entre as pessoas que assinam o contrato. Entretanto, podemos ver que Ariel tinha muito mais obrigações do que Úrsula, o que torna o contrato abusivo, porque é bem claro que a princesa teria que se sacrificar muito mais do que a velha bruxa para atingir seu objetivo. Isso causa um certo desequilíbrio no contrato.

É certo que temos um princípio no direito que diz que o contrato faz lei entre as partes, entretanto, é preciso considerar que a entrega da alma é uma multa um tanto quanto desproporcional ao tempo de apenas três dias para garantir o coração do príncipe Eric, já que Ariel está sem voz e a comunicação entre ambos fica muito prejudicada.

Há quem diga que Ariel já sabia das condições e que por esse motivo ela não teria direito de anular o contrato por causa de uma cláusula abusiva (caso Úrsula não concordasse em alterar essa cláusula), já que a lei fala em fato imprevisível e inevitável para que isso se aplique… Mas, acompanhando o filme, podemos ver que há algumas coisas que acontecem nesse meio tempo que mudaram a situação de tal forma que a missão de conquistar o príncipe Eric tornou-se impossível – e aí sim temos a onerosidade excessiva.

Esse sim foi um fato imprevisível e inevitável...
Esse sim foi um fato imprevisível e inevitável…

3. Dependendo da lei vigente do mar, pode ser que Úrsula tivesse o dever contratual de agir de boa fé. Ao deliberadamente impedir a capacidade de Ariel de cumprir suas obrigações – seja mandando seus agentes virarem o barco quando Ariel estava prestes a beijar Eric ou se transformando em Vanessa para encantar o príncipe e fazê-lo se casar sob coação mágica –, Úrsula quebrou esse dever. Mesmo que esse dever, expresso ou implícito, não surgisse e Ariel pedisse quebra de contrato, ela e Triton seriam penalizados apenas pelos danos causados pela quebra – embora deva ser apurado se houve qualquer perda considerável para Úrsula. Talvez o valor necessário para fazer a poção? Ursula não tem o direito de definir qual deve ser a compensação pela quebra do contrato, pois vale a máxima ‘aquele que busca a Justiça virá com as mãos limpas’. As mãos de Úrsula estão sujas, pois ela foi manifestadamente desonesta. Nenhum tribunal no mar daria a ela essa compensação.

O princípio da boa fé é um dos mais importantes para analisar qualquer contrato. Quando alguma das partes age de má fé, visando prejudicar o outro, o contrato pode ser anulado. Neste caso, a própria Úrsula teria dado causa àquilo que impediu Ariel de atingir sua obrigação de conquistar o príncipe Eric em três dias.

E explicando a parte em que ela fala de a Ariel simplesmente cancelar o contrato, existe sim essa possibilidade. É claro que sempre há uma multa ao quebrar um contato, mas como foi dito acima, ela não pode ser abusiva (como, por exemplo, entregar sua alma hahah). Neste caso, Shon Faye deu uma solução bem bacana, que seria desembolsar um valor para fazer  a poção que ela tanto queria, MAS, como já dissemos, o princípio da boa fé não foi respeitado e, por isso, ela não pode definir qual seria sua compensação – e, por isso, não poderia optar nem pelo pagamento ao equivalente da poção. O jugalmento de qual seria a multa equivalente ficaria à critério do tribunal xD

E Ariel, tão inocente, não sabia de nada...
E Ariel, tão inocente, não sabia de nada…

4. O mar parece ser uma monarquia em que todos os Três Poderes residem na Coroa. Portanto, Triton tem o poder absoluto para declarar o contrato void ab initio (inválido desde o início) pelos princípios públicos e aprovar leis que retrospectivamente o anulem.

O direito constitucional de qualquer país trata de sua forma de governo, que pode ser uma anarquia, uma república ou uma monarquia. No caso do mar, vemos a figura do Tritão, (ou Triton, em inglês) que é o rei dos mares, confirmando, portanto, o fato de que o mar seria regido por uma monarquia.

Via de regra, em uma monarquia tradicional, os três poderes, executivo, legislativo e judiciário, residem na coroa, focando-se no rei ou rainha. Por isso, o Tritão, como rei dos mares, poderia declarar o contrato como inválido pelos princípios públicos regidos no mar, ou então aprovar novas leis que o anulem.

E depois fica cheio de problemas para resolver :P
E depois fica cheio de problemas para resolver 😛

Todos esses argumentos repercutiram nas redes sociais, e algumas pessoas que também estudam o assunto começaram a contestar:

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“Isso vale se a Justiça do mar for similar à Justiça da superfície. Também ignora o fato de que o contrato foi operado magicamente.”

Bom, acho que não sabemos se a justiça do Mar é igual à da superfície né, já que não sabemos se ela realmente existe e estamos partindo dos dados que o desenho nos passa né…

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“Espere um minuto, a Úrsula não foi banida do país (ou da monarquia)? Isso não torna seus acordos legais por outra fonte?”

O fato de Úrsula ter sido banida do país deles (dentro do Oceano, o reino de Tritão) não torna o acordo dela legal por outra fonte. Isso acontece porque nos contratos há um princípio de interpretação em que se leva em consideração as leis e os costumes do local onde ele foi firmado. Portanto, ainda que ela não faça mais parte, o contrato vale dentro daquela circunscrição.

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“Isso é ótimo, mas… estamos nos baseando em que leis? As leis de Triton? As leis do reino de Eric?”

Além do que já foi dito em relação à “fictícia” justiça do mar e leis de Triton, as leis contratuais quase não se alteram. Vocês podem ver que a autora dos comentários em negrito, Shon Faye, é americana e os comentários complementados por mim são seguidos pela lei brasileira. Os contratos são em geral baseados em um conjunto de regras que não se alteram tanto assim (claro que há alterações, mas a maioria dos princípios se aplica a qualquer contrato). xD

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Após todas essas deliberações, preciso comentar que Shon Faye foi parabenizada por advogados de todo o mundo, que escreveram para parabenizá-la em relação à análise. Em resposta, ela declarou:

Gostaria que os sócios da minha antiga firma pudessem me ver agora.

É… Quem ri por último, ri melhor xD

CORTE DISPENSADA o/

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Fonte: BuzzFeed

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