Com o anúncio do novo filme da série, o assunto volta a ter importância. 

O autor do mangá, Nobuhiro Watsuki, foi condenado por posse de pornografia infantil no ano passado.

O caso é o seguinte, em resumo: A edição digital em inglês da Weekly Shonen Jump, a Viz Media, não publicou novos capítulos do mangá Rurouni Kenshin: Hokkaido Arc. A série estava em hiato porém foi retomada no Jump SQ da Shueisha. O mangá entrou nesse hiato em dezembro de 2017, exatamente após Watsuki ser acusado. O autor confessou o crime, no entanto foi apenas multado em 200.000 ienes (cerca de US$ 1.900 ou de R$7.300) e liberado em fevereiro de 2018. Logo que Watsuki foi liberado, o mangá foi retomado no Japão, como se nada tivesse acontecido.

Explicamos: acontece que a Viz Media estava simultaneamente publicando o mangá em inglês antes dele entrar em hiato. Nessa época, a Shueisha comentou que estava levando a notícia do crime a sério e que Watsuki manifestava “profundo pesar”. Porém, quando anunciou o retorno do mangá, a revista então afirmou que Watsuki estava “vivendo uma vida de reflexão e expiação”, e que eles decidiram continuar o mangá porque “responder aos desejos dos fãs era uma questão de dever”.

Com o anúncio do novo live action de Samurai X, da Warner Bros., o tema de “até onde separar autor de obra” surgiu novamente em debate. Claro, com muitos fãs do anime simplesmente fazendo vista grossa para o problema, até defendendo cegamente o autor.

live action kenshin

O Mais de Oito Mil postou a respeito, e quoto em resumo abaixo:

A ‘punição’ já mostra um pouco como o Japão é conivente com certos tipos de crimes, pois um negócio desses não acabou com a moral de Watsuki por lá… Isso quer dizer que estou aqui para falar que você deve boicotar esse filme (que provavelmente nem deve chegar por aqui), assim como qualquer outro produto do Watsuki que venha a ser lançado no Brasil, afinal o autor é um filho da puta que cometeu um crime relacionado à pornografia infantil???????? Claro que não. Cada um tem sua própria régua moral para decidir o que fazer com sua própria vida, mas posso dizer que EU não me sinto confortável de consumir coisas desse autor. Me sentiria mal em saber que centavos meus possam ser usados pelo autor para continuar com sua compulsão. Adoraria terminar esse post com alguma mensagem positiva ou frase de efeito tipo “PEDÓFILOS NÃO PASSARÃO!!!11“, mas sei que isso seria apenas idealização. Posso estar bem errada nesse caso, mas o histórico da sociedade me faz acreditar que eles não só passarão como continuarão produzindo seus mangazinhos de sucesso e aplaudidos por um público conivente com muita coisa errada.

E concordo, mas, de qualquer forma, acho importante ainda apontar alguns dos fatos que as pessoas desconhecem ou ignoram quando tentam defender Watsuki:

  1. O autor comprou pornografia infantil, o que significa que ele ajudou um mercado ilegal a produzir e vender – mercado que já alcança cifras bilionárias no mundo. E isso também significa que ele machucou SIM crianças, ainda que indiretamente. Não importa se ele não tocou em uma criança de verdade, ele comprou um produto que machucou crianças de qualquer maneira. Mantenham isso em mente.
  2. Vocês até podem separar a arte do artista, mas vocês NÃO podem separar o fato de que o artista está sendo pago por sua arte. Então, a menos que Shueisha/JUMP tenham demitido o autor e tenham certeza de que ele não vai receber dinheiro por Kenshin, vocês estão apoiando ele e todos os hábitos que ele tem. Ele pagou uma multa e recebeu um tapinha nas costas quando deveria estar na prisão.

Nós temos que parar de arranjar desculpas esfarrapadas para crimes cometidos só porque gostamos do trabalho desses artistas.

Falando pessoalmente, eu amei muito a série de Kenshin. Eu ainda amo. De verdade. Amo os personagens, AMO a trilha sonora. Mas eu nunca mais conseguirei assistir o anime ou ler o mangá com os mesmos olhos. Ainda acho que o live action de Samurai X é o melhor live action já feito, como já falei anteriormente no site, e continuo achando o Takeru Sato um ótimo ator, com muito carisma.

Mas aí entram duas questões de um importante texto do Correio Braziliense:

O autor Marco Severo dedicou um dos textos do livro de ensaios e crônicas ‘Os escritores que eu matei‘ à reflexão sobre o tema [separar autor de obra]. Severo defende que, apesar de não existir obra isenta de autor, ela não é (ou não precisa ser) um retrato de quem a produziu. Uma obra pode falar por toda uma comunidade, uma população. Um artista, sozinho, não tem esse poder. Não sem o respaldo de sua obra. Sendo assim, embora intrinsecamente ligados, autor e obra não são a mesma coisa, e isso, por si, legitima a avaliação de uma obra pelo que ela é, desconsiderando aspectos de conduta de quem a criou.

Por outro lado, a escritora espanhola Laura Freixas afirmou o seguinte:

[…] Muitas vezes, o valor e a qualidade da obra são usados para encobrir denúncias e diminuir a gravidade das atitudes de artistas. Eu não acho que a qualidade artística tem que dar carta branca. E eu não vejo por que as pessoas que acabam nas mãos desses senhores — porque normalmente são senhores — devem aceitar seu sacrifício em nome da arte. O fato de que alguém é muito bom cineasta ou muito bom artista, como Picasso [ou Roman Polanski ou Richard Wagner, por exemplo], deve nos fazer esquecer, perdoar e apagar seu comportamento privado, imoral ou antiético? Minha resposta é não.

Além disso, como disse o Jim C. Hines:

Quando ignoramos o assédio e o abuso, quando menosprezamos os esforços para criar políticas de assédio, quando respondemos a pessoas que falam sobre abuso e assédio e os acusamos de iniciar “linchamentos” e “caçadas às bruxas”, estamos ensinando aos predadores que o fandom é um terreno seguro para caça. Estamos ensinando a eles que eles serão protegidos e suas vítimas serão sacrificadas para que possamos nos apegar a uma ilusão de inclusão.

É por esses motivos que posso dizer que ainda gosto da obra, mas JAMAIS comprarei nenhum trabalho do autor ou consumirei produtos de Samurai X de forma que dê dinheiro a ele. Ainda que sejam centavos insignificantes. Até porque, de centavo em centavo, os fãs enchem o bolso do autor de dinheiro.

Cada um tem direito a uma opinião, mas é importante tomar cuidado para não acabar financiando a pornografia infantil também.

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