Pose deu às suas personagens um final de contos de fadas merecidíssimo.

Desde o início, Pose provou ser uma força, não apenas por causa de sua representação histórica de pessoas trans nas telas e nos bastidores, mas também por causa dos personagens trans – Blanca (Mj Rodriguez), Angel (Indya Moore), Lulu (Hailie Sahar), e a única Elektra (Dominique Jackson) – por quem nos apaixonamos ao longo de suas três temporadas premiadas. Elas são o coração e a alma do programa, e nós as vimos vivenciar de tudo, desde serem diagnosticadas com HIV/AIDS e lutar contra o vício em drogas até navegar em sua disforia e encobrir seus segredos mais obscuros (um dos quais está em um baú no armário!) Elas foram encarcerados em instalações masculinas, perderam uma das suas – Candy (Angelica Ross) – para a homofobia e fizeram o possível para sobreviver aos anos 80 e 90 em Nova York. Nós choramos com elas e lamentamos por elas, mas a terceira e última temporada de Pose nos dá motivos para sorrir por elas.

De acordo com a Campanha de Direitos Humanos (HRC), pelo menos 17 pessoas transgêneros e não-conformes de gênero foram mortas a tiros ou assassinadas em 2021, só nos EUA. No Brasil, em 2021, esse número foi de 175 pessoas trans mortas. E, como sempre, a maioria das vítimas são mulheres trans negras e latinas. Considerando a violência e o assassinato que assombra esta comunidade, combinados com o fato de que as mulheres trans e seus corpos são tratados como estatísticas, é ainda mais necessário destacar a esperança e a vida.

*** Alerta de spoilers para a temporada final de Pose ***

Depois que Angel e Papi (Angel Bismark Curiel) marcaram a data do casamento, Elektra, uma orgulhosa participante da festa de preparação do casamento, quer cobrir as despesas e torná-lo grandioso. Embora Angel e Papi planejassem inicialmente se casar somente na prefeitura, Elektra decide pagar a conta do casamento dos sonhos para que Angel possa se sentir “uma noiva em um filme”.

Imagem: Netflix/FOX

Para Elektra, o dia especial de Angel e Papi é um substituto para tudo o que ela deseja para as mulheres trans, principalmente o direito de se sentir especial. “Vocês, meninas, merecem tudo”, diz ela durante a prova de Angel em uma loja de luxo para noivas. Embora Papi não esteja entusiasmado com o presente generoso de Elektra, dizendo a Angel que considera o gesto uma “esmola”, Elektra o lembra do significado deste momento: “Sua noiva é diferente de todas as outras”, diz ela. “Ela será a primeira, a primeira de uma comunidade que foi excluída do felizes para sempre”. Elektra mostra que o que antes era uma fantasia exclusivamente para garotas cis – andar por um corredor real em um vestido de noiva real como uma noiva real – agora é algo que elas podem não só testemunhar como participar. Pose já deu a essas mulheres oportunidades e experiências incríveis – looks icônicos de salão de baile, novas casas se formando e personagens se tornando Mãe do Ano.

Angel não é a única personagem que consegue um final feliz bem merecido na última temporada: depois de passar duas temporadas colocando os filhos em sua casa primeiro, Blanca finalmente encontrou o amor. Christopher (Jeremy Pope) não é um galinha metido a garanhão ou um fanfarrão como foram os outros homens, que apenas a desapontaram. Christopher é médico, aceita bem que ela é positiva para HIV, apoia sua carreira de enfermagem e até mesmo confronta sua mãe por ser transfóbica. Embora Blanca se refira, de brincadeira, a Christopher como um tipo “Huxtable” (uma referência a uma pessoa ou família negra “sofisticada” ou de “classe média alta”. Também é usado para definir famílias negras “poser”, tentando agir como “brancas”), ela às vezes se pergunta se ele é bom demais para ser verdade. Mas não há nada sinistro escondido por baixo: ele é apenas um homem negro de sucesso que ama abertamente uma mulher trans. Uma mulher trans tendo um relacionamento saudável é uma história realista, embora as estatísticas diminuam esta realidade: um estudo de 2020 publicado no American Journal of Public Health descobriu que pessoas trans têm uma probabilidade desproporcionalmente maior de sofrer violência por parceiros do que suas contrapartes cis.

Christopher, então, pode se tornar um modelo, encorajando os homens a amar sem medo suas parceiras trans sem um pingo de abuso ou violência. Como Angel diz durante seu próprio brinde de despedida de solteira, “Eu percebo como é incrivelmente raro para meninas como nós chegar a ser a heroína romântica em qualquer história, conseguir o príncipe e o conto de fadas”.

Embora o valor de uma mulher trans não seja definido pelo fato de ter um parceiro romântico ou um marido, mulheres trans precisam saber que são ilimitadas, dignas de amor – e que há mais do que tristeza ou morte esperando.

Nem todas as mulheres em Pose encontram o amor e o casamento na temporada final, mas percebem o quanto são especiais e exigem seu valor. Elektra, com a ajuda da Srta. Orlando (Cecilia Gentili), uma cirurgiã plástica, e alguns novos associados duvidosos, cria um lucrativo negócio de sexo por telefone. Ela chega a se autodescrever como “McDonalds da indústria do sexo por telefone”. LOL! Como uma nova magnata dos negócios, Elektra quer gastar o máximo possível com suas meninas. Ela até compra um condomínio novo para Lulu. Por causa de sua incrível generosidade, vemos nossas quatro protagonistas festejando com tudo, desde caviar e filé mignon a champanhe em restaurantes de luxo, ostentando os vestidos de grife mais elegantes enquanto são mimadas com luxuosos pedicures e manicures.

Elas também são vistas publicamente pela cidade, exalando classe, profissionalismo – ou simplesmente se divertindo à la Sex and the City. Embora essas extravagâncias possam ser materialistas, é revigorante ver mulheres trans desfrutando dos luxos da vida em vez de apenas tentativas desesperadas de sobreviver. Principalmente, porque o sucesso delas, em grande parte, se deve às conexões inquebráveis ​​que elas mantêm entre si. Elas estavam lá uma para a outra quando perderam Candy, quando tinha drogas envolvidas e quando tiveram dúvidas se sequer permaneceriam vivas.

Quando a esperança foi perdida, elas se reergueram: isso é o que irmãs e mães fazem. Afinal, o salão de baile é o lar, o lar é o salão de baile, e o salão de baile reuniu essas mulheres trans poderosas, fortes e inspiradoras.

Imagem: Netflix/FOX

Talvez Pose seja lembrado por quebrar a barreira de Hollywood em torno da representação trans. Mas sua maior mensagem é clara: as mulheres trans merecem prosperar, saber como é estar viva, não apenas estar apaixonada, mas também ser amada e realizar sonhos maiores do que jamais poderiam ter imaginado. Acima de tudo, sabemos, elas podem não só ganhar troféus, mas também podem ganhar na vida e no amor.


Texto traduzido e adaptado da BitchMedia.

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