É uma maneira de dizer às crianças que elas podem ser heróis e heroínas, mesmo nas piores situações.

Enquanto eu crescia, O Caldeirão Mágico (filme de 1985, da Disney) era um item básico na minha casa. Na verdade, outro dia, meu irmão estava imitando a estranha criatura peluda selvagem chamada Gurgi. Minha mãe adorava, e nós assistíamos o tempo todo no VHS – mas haviam momentos em que era realmente aterrorizante. O vilão do filme, O Rei dos Chifres, era uma figura assustadora. Seu desejo de criar um exército de mortos o deixou muito mais sombrio do que alguns dos outros vilões que vimos, principalmente os motivados pela ganância.

Os filmes de terror infantis têm um trabalho difícil, porque, embora muitas crianças gostem de ter medo, há um equilíbrio que deve ser mantido. Ainda assim, acho que há algo importante em fazer filmes de terror para crianças: o horror – como qualquer gênero de boa qualidade, na verdade – é aquele que geralmente ensina algo sobre o mundo; e nas histórias feitas para crianças, esses contos têm o objetivo de ensinar lições de moral e criar resiliência.

Saber como retratar assuntos delicados para as crianças, no nível de maturidade em que elas estão, é provavelmente a coisa mais importante na escolha de um filme de terror infantil.

Além do Caldeirão Mágico, os dois grandes filmes infantis de terror da minha casa eram Convenção das Bruxas (1990) e O Estranho Mundo de Jack (1993). O primeiro ainda é, até hoje, legitimamente um dos filmes mais assustadores que eu já vi.

Baseado no romance de Roald Dahl, The Witches, Convenção das Bruxas é sobre um jovem garoto chamado Luke, que passa a viver com sua avó após a morte de seus pais. Ela o ensina sobre bruxas e como identificá-las. Um dia, quando estão hospedados em um certo hotel, Luke e sua avó se veem no meio de uma conferência de bruxas – com a Grã-bruxa (Anjelica Huston) revelando seu plano de matar todas as crianças da Inglaterra: elas dariam chocolate amaldiçoado para as crianças e as transformariam em ratos, que seriam mortos inocentemente por seus próprios pais ou literalmente qualquer outra coisa. Luke é descoberto pelas bruxas e transformado em rato, mas ainda assim, ele e sua avó se comprometem a parar as bruxas e salvar todas as crianças da Inglaterra.

Convenção das Bruxas é assustador, mas também é bem positivo por apresentar uma criança bem ajustada que não mora com os pais. Luke é órfão, mas não é aquele estereótipo do pobre e infeliz órfão ao estilo “Harry Potter preso em um armário”. Ele é um garoto normal, que simplesmente vive com a avó. Apesar de ser transformado em um rato, Luke é heroico, corajoso e inteligente. Mesmo que isso o coloque em risco ainda maior, ele faz o possível para ajudar a salvar outras crianças. O filme altera um pouco o final da história no livro para que Luke não seja um rato para sempre, mas mesmo assim ele dá passos largos e ensina várias lições do livro.

Já O Estranho Mundo de Jack foi um dos primeiros filmes que eu já vi com um protagonista que teve depressão – ou, pelo menos, muita angústia. Quando criança, eu podia me relacionar com a rebelião de Sally e o descontentamento de Jack como algo que ele não sabia exatamente o nome. Acrescente a isso uma música realmente cativante, e você tem um filme que criou toda uma geração de góticos.

Como crianças nem sempre têm palavras para expressar como se sentem, os filmes – mesmo os mais assustadores – podem retratar em imagens algo que estão lidando. As crianças podem ficar tristes e não saberem o porquê, então ver um personagem como Jack ter que passar por toda essa jornada emocional para ser feliz novamente é uma maneira muito acessível de crianças compreenderem questões de saúde mental.

Mas outros filmes criam conversas ainda mais difíceis, como o filme ParaNorman, que foi feito pela Laika Animation Studios (mesmo estúdio de Coraline). ParaNorman conta a história de um jovem chamado Norman que pode falar com os mortos. Ele é tratado como um pária pelas pessoas ao seu redor e sofre bullying porque ninguém mais pode ver os fantasmas, então as pessoas o rotulam como “louco”. Seu tio recentemente falecido diz a Norman que ele precisa concluir um ritual para proteger a cidade, caso contrário, os mortos ressuscitarão junto com uma bruxa.

(ATENÇÃO PARA SPOILERS) No entanto, descobrimos ao final do filme que a “bruxa” era uma garota de onze anos chamada Agatha “Aggie” Prenderghast, que também podia ver os mortos. O conselho da cidade a condenou por bruxaria porque eles estavam com medo e não a entendiam. Norman percebe que os zumbis são o conselho da cidade que condenou Aggie. Os zumbis queriam conversar com Norman para garantir que ele aceitasse o ritual e tentasse garantir que o espírito vingativo de Aggie não destruísse a cidade. (FIM DO SPOILER)

Todo o final do filme são duas crianças realmente traumatizadas conversando e tentando se ajudar a se curar.

Eu assisti ParaNorman quando adulta, mas me recordo de chorar vendo, porque o filme retratou o tema de bullying perfeitamente, mostrando a vítima sendo ostracizada e deixando o medo guiar seu julgamento. É um filme pesado, mas de uma maneira que eu achava que seria um bom filme para eu assistir aos meus 8 ou 10 anos. É um filme que cria um diálogo sobre o assunto e, sim, é assustador, mas assim são várias situações que crianças pequenas terão que lidar.

Goosebumps: Monstros e Arrepios, Clube do Terror, Coraline,e mesmo animações mais coloridas como A Viagem de Chihiro – todas essas histórias nos permitem lidar com realidades sombrias, mas terminam nos dando confiança de que estaremos seguros.

Não importa se você é alguém que teve uma educação muito mais livre ou que não teve acesso a essas coisas de jeito nenhum; o horror, se é dado no momento certo e com o filme certo, pode ser uma maneira de dizer às crianças que elas podem ser heróis e heroínas, mesmo nas piores situações.

Examine o filme primeiro, conheça sua criança o suficiente para julgar se ela está com muito medo e apenas ouça. Muitas crianças convivem com traumas, e eu entendo o receio que muitos pais têm de assustar demais seus filhos acidentalmente, mas a chave é conversar e se comunicar com eles – para garantir que eles saibam o que não é real e que eles podem contar com você se estiverem assustados.

No fim, esses filmes são oportunidades de criar laços afetivos com seus filhos e de fazer com que eles saibam que você estará presente caso eles estejam passando por algum problema algum dia.

O mundo é um lugar assustador, mas pelo menos os filmes infantis sobre horror nos dão heróis e heroínas.


Texto traduzido e adaptado do TheMarySue.

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