Vamos falar de um assunto importante?

Mesmo que você não tenha presenciado o anúncio na San Diego Comic Con que o personagem Shiro, de Voltron: O Defensor Lendário é gay e que seu relacionamento seria explorado na sétima temporada, você provavelmente já deve ter ouvido algum comentário vindo de um fã da série.

Para muitos, o anúncio foi um significativo momento de validação de uma boa parcela dos fãs de Voltron, que vem lutando por representatividade no show. Melhor do que mergulhar em uma história sobre dois paladinos se apaixonando de alguma forma, a série resolveu introduzir Adam, o companheiro de longa data de Shiro, que vive na Terra.

Nos dias que antecederam o lançamento da temporada, houve uma empolgação dentro do fandom, uma vez que a Netflix e a Dreamworks adotaram uma política de lábios selados sobre os próximos arcos de personagens. Ao final, as pessoas tiveram a chance de mergulhar no show e ao final da temporada, sobraram muitas perguntas e confusão.

Em entrevista recente, os responsáveis pela série, Joaquim dos Santos e Lauren Montgomery falaram um pouco sobre como o relacionamento de Adam e Shiro é abordado e explicaram como eles esperavam que os fãs entendessem a história que eles tentaram contar.

O trecho a seguir contém SPOILERS.

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Shiro contando a Adam sobre sua decisão de deixar a Terra. Imagem: Netflix

Adam aparece em apenas dois episódios de Voltron. Apesar de ambas as cenas serem incrivelmente cheias de significado e momentos cruciais para Shiro, elas também podem ser interpretadas como uma forma infeliz de introduzir um personagem não hétero em um show apenas para matá-lo em seguida. Um fenômeno de narrativa conhecido como “Enterrar seus gays”.

No primeiro episódio da temporada, “Uma Pequena Aventura”, acontecem flashbacks para o passado de Keith e Shiro na Terra, onde conhecem Adam e aprendem sobre a doença degenerativa que ameaça a vida de Shiro. Apesar de Shiro ser um piloto de primeira categoria e a escolha lógica para participar na missão Cérberos, sua doença progrediria muito nos três anos que levaria para chegar ao seu destino. Shiro, o eterno soldado, decide fazer esse sacrifício. Essa decisão é algo que devasta Adam quando Shiro decide contar a notícia.

Apesar do casal nunca ser apontado explicitamente como romanticamente envolvido, a briga que eles têm sobre a partida de Shiro definitivamente pode ser vista como uma briga entre dois homens que se amavam, mas acabaram se separando por culpa das repetitivas brigas. Adam solta para Shiro o clássico ultimato “se você for, não espere que eu esteja aqui quando você voltar”, e nesse ponto é clara a escolha de Shiro.

Adam não aparece novamente até o episódio 8, “O último ponto, Parte 2”, quando ele e um número de outras tropas tentam repelir a invasão Galra com uma frota de jatos de caça ultrapassados. Apesar de os pilotos oferecerem uma boa luta, eles são derrotados e mortos rapidamente, e essa é a última vez que vemos Adam.

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Adam escutando Shiro explicar sua escolha de partir. Imagem: Netflix

Já que Adam simplesmente não fazia parte do show a tempo suficiente para a audiência conhecê-lo como personagem, e seu relacionamento com Shiro era um dos maiores componentes do anúncio da temporada, muitos fãs responderam a sua morte com acusações de queerbaiting com o objetivo único de aumentar o interesse no show. A respeito da potencial frustração dos fãs, Joaquim dos Santos tentou explicar os motivos de Adam ter aparecido tão pouco na temporada, afirmando que o foco da série é “mostrar quem Shiro é hoje”:

Da perspectiva do personagem, eu acho que nós realmente queríamos mostrar que Shiro é alguém que tem de lidar com um complexo e interpessoal relacionamento antes de se tornar um paladino de Voltron (…) Nós o conhecemos no final de um relacionamento em que vimos que ele escolheu o dever acima da vida amorosa. É uma decisão difícil e madura para qualquer um que tenha de toma-la, mas é o tipo de coisa que sabemos que Shiro seria capaz de fazer. Se você olhar para o início da série, você verá que Shiro já trazia essa energia ao time. Ele era o pilar de força do time e seu novo desenvolvimento traz mais profundidade a isso.

Durante o anúncio na Comic-Con, a equipe criativa de Voltron descreveu Shiro e Adam como “amantes em um tempo anterior”, levando muitos fãs a acreditarem que o show poderia ter como foco um “retorno” do casal. Mas ao final, Lauren Montgomery fisse que a escolha foi por manter seu relacionamento no passado, para que Shiro pudesse seguir em frente.

Tê-los naquele ponto do relacionamento foi mais fácil para nós do ponto de vista da narrativa da história, porque isso nos permitiu liberar Shiro daquele tipo específico de linha narrativa. (…) Nós não queríamos que toda sua história tivesse a preocupação constante de retornar ao seu namorado na Terra, porque nesse ponto as missões de Paladinos são muito maiores que isso, assim como o seu retorno.

O retorno do Time Voltron à Terra vem no momento em que cada um dos Paladinos já desistiu de mais do que eles podem imaginar em sua missão para trazer paz à galáxia. Mesmo apesar de Shiro não pilotar mais o Leão Negro, seu retorno ao lar é especialmente doloroso por conta das condições de sua partida. Apesar de a doença degenerativa de que ele sofre não ser especificada, ela é introduzida com uma gravidade que encaixa com o tamanho do impacto que ela tem em sua vida. Assistir dois homens gays terem uma discussão sobre uma doença crônica roubando deles o tempo que ainda tem juntos pode ser entendido como uma espécie paralela de conversa de um casal que tenha de lidar com AIDS/HIV, mas Montgomery explicou que isso foi apenas uma coincidência.

Nós não prendemos isso a nenhuma doença específica da Terra, mas é algo mais na linha de Parkinson, que eventualmente afetaria sua habilidade de voar e de ser um piloto. No final das contas é o que o impediria de atingir suas metas na vida que ele queria, limitando a quantidade de tempo que ele teria. Naquele momento, ele é colocado em uma posição difícil por Adam, mas é ainda mais difícil porque ele sabe que tem o elemento daquele relógio em contagem regressiva por sua doença, que vai progredir a um ponto em que ele eventualmente não possa fazer muito mais. É importante lembrar que Hagar e Galra, por bem ou por mal, acabaram praticamente curando ele da doença criando o corpo clone em que sua mente existe agora.

Não é difícil entender de onde vem o sentimento apaixonado dos fãs sobre representação queer em Voltron. De forma literal, o show enterrou sem qualquer cerimônia um dos dois únicos personagens na mesma temporada em que ele foi introduzido, e você poderia nem mesmo saber que ele era gay se apenas assistisse a história.

Dito isso, a representação pode vir de diversas formas, e nem todas podem ser acalentadoras. Bex Taylor-Klaus, membro da equipe de Voltron partiu para o Twitter após as pessoas começarem a reclamar sobre o show, lembrando que o foco da temporada, é no final das contas, uma história sobre guerra.

Relacionamentos podem terminar em perdas, e mesmo esse tipo de história é válida de exploração. O problema, é claro, é que a representação nas telinhas e telonas continua sendo uma coisa tão vergonhosamente baixa, que histórias como a apresentada por Voltron acaba deixando aquela sensação de um tapa na cara. É uma questão de opinião pessoal se você vai entender a sétima temporada de Voltron como problemática ou não. Apesar disso, independente do seu lado, há algo a ser dito: a discussão sobre o show agora atingiu um novo espaço.

Por mais imperfeito que possa ser, Voltron aparentemente deu um passo na direção certa. Esperamos que a equipe por trás da série tenha entendido a reação dos fãs e que planeje fazer melhor da próxima vez.


Texto traduzido e adaptado de i09.

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