Fandoms podem ser coisas lindas, maravilhosas ou terríveis.

Já falamos um pouco sobre isso aqui no site, mas é sempre necessário falar novamente sobre o lado ruim e tóxico dos fandoms.

Fandoms podem facilmente unir as pessoas, mas fandoms tóxicos são algo que têm infestado a internet por um bom tempo, se tornando cada vez mais fortes. Claro, você pode dizer que já viu coisas como fãs de Star Trek afastando garotas da franquia desde antes da internet, mas online eles conseguem levar isso a um outro nível.

A internet permite que as pessoas mostrem o seu “lado estranho” abertamente, encorajando que as pessoas sejam verdadeiras consigo mesmas mais do que nunca, e isso é mágico. Isso é algo a se orgulhar. Por outro lado, isso encoraja também que as pessoas sejam mais críticas, e que grupos de pessoas negativas formem tribunais para atacar os outros com seus egoístas e limitados ideais.

E apesar de fandoms nos trazerem muita alegria, eles também podem se autodestruir ao se tornarem agressivos demais para que as pessoas participem. E isso precisa mudar.

Para explorar esse conceito, vamos falar um pouco sobre dois jogos muito amados e conhecidos: Undertale e Overwatch.

Quando Undertale veio a público, era considerado essa obra-prima artística, absurdamente inteligente, criada quase que só por um cara: Toby Fox. Sua trilha sonora era inspiradora, os personagens extremamente amáveis e hilários, e todo o mundo subterrâneo dos monstros e sua mensagem eram contagiantes. Foi uma grande surpresa que um jogo fornecesse as regras normais de combate em RPG, para então dizer que “matar monstros” talvez não fosse a coisa certa a se fazer, ainda que você estivesse acostumado com isso. Foi tão bom, e tantas pessoas amaram isso, que o jogo se tornou um fenômeno da cultura pop. Uma criação de um homem que afetou inúmeras pessoas.

Até que as coisas começaram a dar errado.

Antes de falar sobre isso, vamos falar um pouco sobre o outro jogo deste post.

Ao contrário de Undertale, Overwatch não poderia ser considerado indie em nenhum sentido da palavra. O jogo foi criado por uma grande distribuidora de jogos, a Blizzard. Porém, ainda assim, o seu sucesso foi impressionante. Ele agradou a jogadores de FPS (tiro em primeira pessoa), e também os jogadores que preferem uma pequena história com suas armas. Através de vários públicos, o jogo conseguiu se firmar, criando novos personagens e fascinantes vídeos de origens, designs e relacionamentos, que vieram com novas e divertidas mecânicas e estilos de combate.

Imagem: Blizzard

Os problemas começaram, porém, quando o fandom criado pelo jogo começou a se canibalizar.

Então, o que deu errado?

Tanto Undertale quanto Overwatch, apesar de serem jogos absolutamente diferentes, sofreram do mesmo problema. Alcançaram gigantescas comunidades de fãs (o que seria ótimo), mas lotadas de fãs raivosos, e sem um grupo de consenso sobre como deveriam ser os jogos, eles começaram a se atacar, ferindo e alienando os próprios membros das comunidades.

O PROBLEMA COM UNDERTALE

Em Undertale, a raiz foi a insistência em “como jogar corretamente”, ou sobre como “interpretar corretamente” os personagens, ou mesmo sobre como fazer fanfics e fanarts “corretamente”. Por exemplo, quando o famoso Youtuber Markiplier resolveu gravar uma série do jogo, ele escolheu de cara a rota “genocida”, matando todos os monstros que encontrava pelo caminho. Por causa disso e por causa das vozes que ele deu aos personagens, o fandom começou a atacá-lo com tanta intensidade que ele abandonou o jogo e a série completamente.

A ironia é que um jogo tão aplaudido pela grande quantidade de escolhas que oferece aos seus jogadores, tenha fortalecido seu fandom a ponto de deixá-lo policiar a forma como o resto dos fãs poderiam ou não aproveitar e explorar a história.

O fandom também é conhecido por acusar outros designs de jogos de plágio, como o de Cagney Carnation em Cuphead, ainda que o personagem de do game tenha sido criado muito antes de Flowey, de Undertale.

O apego feroz com relação aos personagens e mecânicas da história utilizadas por Toby transformaram um fandom clássico em um grupo obsessivo, o que tornou impossível aproveitar casualmente o jogo por causa do fandom.

O PROBLEMA COM OVERWATCH

O problema de Overwatch foi algo mais deliberado, mas não menos traumático. Com a popularidade, as pessoas começaram a se tornar cada vez mais sérias a respeito dos aspectos competitivos do game.

E onde existem aspectos competitivos e uma grande base de fãs, existe o sexismo tóxico da comunidade dos jogos.

Apesar das mulheres gamers sempre terem enfrentado discriminação online, poucos espaços já chegaram a se tornar tão inflamados quanto a comunidade de Overwatch. Se uma mulher utiliza seu microfone no jogo, é quase sempre atacada por sua simples existência, vítima de “piadas” misóginas, e culpada por qualquer falha de seu time. Muitos jogadores simplesmente saem das partidas ao ouvir uma voz feminina em seu time. Jogadoras do subreddit GirlGamer já relataram milhares de partidas que foram completamente arruinadas porque jogadores deram chilique sobre seu gênero – algo particularmente mais frequente quando a mulher não joga em uma função de suporte.

Não há sequer dúvidas sobre os motivos pelos quais o fandom tóxico afastou muitas mulheres do jogo.

Vendo os problemas com fãs de Overwatch, o sexismo galopante não é o único problema que precisa ser resolvido. Porém, o jogo definitivamente começou a ver uma queda em sua popularidade. As chances de um Overwatch 2 atingir um sucesso sequer próximo de seu antecessor são bem baixas.

Dito isso, não estamos aqui apenas para apontar os problemas, mas para falar sobre o que pode ser feito para combater esse tipo de toxicidade.

O QUE FAZER?

Infelizmente, como fãs normais, não há muito que possamos fazer senão nos unirmos uns aos outros: defendendo as pessoas que são atacadas por jogar a versão matadora de monstros de Undertale, apoiar mulheres que sejam verbalmente atacadas em Overwatch, e continuar lembrando as pessoas que esse tipo de exclusão é o pior cenário.

O maior e mais positivo impacto que pode ser causado sobre esses fenômenos tóxicos não são aqueles por parte dos outros membros das comunidades. Ainda que isso possa deixá-los constrangidos, as pessoas com maior influência no meio são os próprios criadores.

Podemos exemplificar isso com outro exemplo de toxicidade: o fandom de Battlefield 5. Quando o material promocional do jogo foi publicado, ele exibia uma mulher soldado com um braço robótico. As pessoas poderiam ter reclamado do uso de um braço robótico na Primeira Guerra Mundial, mas em vez disso, começaram a atacar a personagem feminina, dizendo que uma mulher na Primeira Guerra “destruiria a precisão histórica do jogo e sua imersão”.

Nós já falamos sobre os diversos casos de mulheres lutando e participando do exército na Primeira Guerra Mundial, mas um post não seria o suficiente para sequer chegar próximo de esgotar o tema – mas isso não faria com que o fandom parasse por aí. Até que os criadores entraram em cena. O que realmente afetou o lado tóxico do fandom foi o fato de que os desenvolvedores decidiram falar abertamente que os jogadores deveriam superar sua misoginia e aprender a apreciar o jogoa personagem feminina existia, eles manifestaram apoio, ela seria mantida no jogo e os fãs teriam que lidar com isso. Ainda que isso não tenha parado completamente a toxicidade, a redução foi expressiva. Nesse momento, as vítimas dos ataques (mulheres, nesse caso), tinham o apoio dos criadores do jogo. E essa parece ser a melhor forma de enfrentar um fandom tóxico.

Já no caso de Overwatch, a Blizzard tem sido dolorosamente bondosa com os jogadores tóxicos, deixando que as pessoas sejam vítimas de bullying até abandonarem o jogo, fazendo com que alguns dos maiores fãs do jogo simplesmente cheguem ao ponto de se recusarem a jogar.

E apesar de ninguém poder culpar Toby por não se envolver em discussões sobre Undertale, o fato de que ele se manteve em silêncio não ajudou em nada. Boa parte desses fãs o idolatram, e suas palavras poderiam ser uma excelente maneira de silenciar algumas vozes tóxicas que tratam seu trabalho como algo sagrado.

Os fandoms sempre aproximaram as pessoas que amavam coisas parecidas. E a toxicidade é o que envenena esse amor.

Por vezes, as pessoas se esquecem que algo que elas amam não é necessariamente algo feito só para elas. É feito para todos. E isso quer dizer que você não pode dizer que as pessoas estão fazendo errado apenas por buscarem rotas diferentes na história, ou que elas não poderiam jogar pelo fato de serem mulheres. E é por isso que, até que os maiores problemas culturais sejam resolvidos, a voz dos criadores é a nossa melhor arma.

Deveria ser trabalho dos criadores impedir que seus fãs se tornem violentos e abusivos? Não. Mas nessa realidade de fandoms tóxicos na internet, essa é uma das mais efetivas formas de se mudar a maré. Até que consigamos trabalhar culturalmente essa masculinidade tóxica e esse comportamento de isolamento, essa é uma das poucas formas de impedir que os próprios fandoms se destruam.


Texto traduzido e adaptado do The Mary Sue.

Leia mais sobre Undertale aqui!

Leia mais sobre Overwatch aqui

Compartilhe: