Precisa problematizar romance? PRECISA.

Por algum tempo, a ideia de que Um Lugar Chamado Notting Hill seria um excelente exemplo de comédia romântica que permeou a cultura pop, e durante esse tempo todo, eu tentei entender o que tornava o filme tão especial. E após reassistir o filme e perceber a presença de tudo aquilo que já havia visto em incontáveis filmes e séries para TV, a única coisa que parece diferente é a inversão dos gêneros. O filme, estrelado por Hugh Grant e Julia Roberts, é uma típica história de romance com foco na diferença de classes sociais, e deixando de lado a inversão do padrão de gênero, é possível perceber que o filme está infestado dos mesmos problemas presentes na maioria das comédias românticas.

William Thacker (Hugh Grant) é o dono de uma pequena livraria, é divorciado e vive sua vida com seu excêntrico companheiro de apartamento. Quando a famosa atriz Anna Scott (Julia Roberts) visita sua loja, os dois se apaixonam apesar da fama da atriz e da baixa popularidade da livraria de Thacker. Enquanto os dois passam todo o tempo juntos, William acaba descobrindo que Anna tem um namorado (Alec Baldwin) e resolve parar de falar com ela.

Honestamente, esse é um dos tropos mais comuns em comédias românticas e que poderia acabar. Um dos dois mentir desta forma e ferir o outro? Quem continuaria ao lado pra tentar descobrir quais outras mentiras o outro está escondendo? Mas nas comédias românticas, nós deixamos que as mentiras se permeiem e se transformem em sentimentos? Isso é estranho.

É o mesmo problema de filmes como Só Você (1994). Neste caso, o personagem de Robert Downey Jr. continua mentindo para a personagem de Marisa Tomei porque ele acha que eles deveriam ficar juntos, e ela eventualmente aceita… Mas por que? Porque William Thacker, que foi enganado todo o tempo por Anna Scott, iria querer voltar com ela?

Então, é claro que o filme é visto como romântico, mas é construído em mentiras e ao redor de dois personagens que claramente merecem algo melhor do que estão recebendo.

Nós temos que superar a ideia de que um personagem tem de fazer uma besteira daquelas (normalmente) imperdoáveis na vida real, para construir uma espécie de drama na história. Nós podemos criar histórias cheias de tensão e entendimento entre os personagens e seus relacionamentos sem precisar recorrer a mentiras e traição.

Anna Scott é uma péssima personagem. Ela joga William em uma conferência de imprensa sem motivo nenhum, em vez de simplesmente falar que está acompanhada de um amigo. Ela não deixa ele saber sobre seu namorado e se insere na vida e nos relacionamentos de William, de forma que quando ele a deixa por conta das notícias sobre o namoro, ele parece estar arrasado, ainda que tenham se conhecido há pouco tempo. E eles estão todos estranhos com relação um ao outro quando ele vai visitá-la, meses depois, em um set onde ela caçoa dele.

Alguém acharia esse tipo de relacionamento fofinho? Talvez seja o objetivo, mas é um filme de Richard Curtis (responsável por Simplesmente Amor, O Diário de Bridget Jones, Quatro Casamentos e um Funeral), e isso já explica muita coisa.

Sim, Notting Hill foi até divertido porque a mulher estava errada desta vez, mas, ainda assim, ela mentir para William sobre seu namorado e fingir que estava solteira? É uma noção distorcida de romantismo, no mínimo. Então, talvez no futuro, quem sabe possamos olhar para filmes como esse e entender que ele não apresenta nenhuma situação ideal para ninguém.


Texto traduzido do TheMarySue

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