Uma resposta a algumas críticas que o filme recebeu.

Pouco tempo se passou desde o lançamento do último filme existencialista da Pixar, Soul, e o filme vem recebendo várias críticas por supostamente ser “adulto demais” para crianças. O problema é que essa ideia ignora completamente o núcleo da ideologia do estúdio.

Talvez para pais que se sentaram com suas crianças na manhã de Natal, esperando uma folga de 90 minutos das festividades de fim de ano, o final de Soul, com temas existenciais como o sentido e propósito da vida tenha saído mais pesado do que a encomenda. Tanto é verdade que várias pessoas apontaram isso como um “defeito” do filme, sugerindo até que ele não é recomendado para crianças. Mas um simples olhar atento aos registros da Pixar não apenas comprova a falha nesse pensamento, como também desafia a lógica sobre a qual ele é fundamentado.

Em Soul, Joe Gardner (Jamie Foxx), um músico de jazz de meia idade que se tornou professor e diretor de uma banda escolar acaba tendo de enfrentar a sua morte, levantando questionamentos sobre o seu tempo na Terra e sobre o que tudo aquilo tinha de significado. Se negando a aceitar que sua vida havia sido um fracasso, ele encontra uma forma de retornar ao plano material através de um reino amorfo chamado “O Seminário Você” (The Great Before, no original em inglês), um local onde novas almas são preparadas para o seu nascimento. Com a ajuda de uma amiga inesperada, uma jovem alma chamada “22”, ele descobre que a vida é aquilo que você a torna, e que ninguém necessariamente nasce com um propósito. Enquanto ajuda 22 a se conhecer, ele decide que está pronto para seguir ao pós-vida antes mesmo de receber a sua segunda chance, para que 22 possa ter a sua primeira.

Pesado, não? Soul deixa questões existenciais a serem encaradas durante os créditos: Qual o significado do nosso tempo na Terra? Como lidamos com o fracasso? Um dia atingiremos as nossas metas, e se não conseguirmos, como damos sentido às nossas vidas? Certamente a história de Joe Gardner atingiu em cheio muitas pessoas de meia idade e parte do público com grandes aspirações.

Mas isso quer dizer que o filme é exclusivamente para eles? Serão as crianças incapazes de lidar com temas maduros na mídia dedicada a elas? E será que a animações conseguirão algum dia superar a ideia de que são feitas exclusivamente para crianças?

Inicialmente, a ideia de que a mensagem de Soul “falha” por ser “feita para adultos” implica que adultos não podem gostar de mídia infantil. E isso sugere não apenas que “mídia para crianças” não apenas é algo diferente de “mídia para adultos”, como também assume que o material infantil seja inerentemente inferior. E a Pixar tem confrontado essa suposta dicotomia desde os seus primeiros trabalhos, criando filmes com personagens universais em cenários emocionantes. Desde o início o estúdio resistiu a todo tipo de pressão da Disney para que entupisse os seus filmes com canções, sustentando que animações não precisam se limitar a músicas e danças para que as crianças respondam a personagens fortes e histórias da mesma forma como fazem os adultos. E o resultado até agora? Uma filmografia criticamente aclamada, ganhadora de Oscars, premiações e dona de um lugar especial nos corações de crianças por todo o mundo.

Vamos mergulhar mais fundo em sobre como Soul executa a “receita” da Pixar. A idade de Joe ou seu dilema existencial o impedem de ser um filme de sucesso? Marlin, em Procurando Nemo é não apenas um adulto, mas também um pai. Mike e Sully, de Monstros S/A são empregados trabalhando em uma empresa – e falando em profissionais, Beto (Sr. Incrível) passa a maior parte de Os Incríveis em uma crise de meia-idade. Nenhum desses personagens é uma criança, e nenhum deles lida com questões infantis, e ainda assim as crianças se identificam com eles porque esses personagens e cenários possuem no seu núcleo elementos essenciais da experiência humana.

Joe literalmente enfrenta a morte e insiste que a sua vida não teve sentido. E isso dificilmente seria entretenimento direcionado para crianças, certo? Errado. Vários dos filmes “infantis” da Pixar tocam em assuntos similares: Beto sofre por seus dias de glória; a premissa inteira de Viva – A Vida É uma Festa, envolve a morte; os personagens de Toy Story 3 encaram a iminente incineração de mãos dados; Wall-E se passa em um futuro pós-apocalíptico; e Carl Fredricksen, em Up!, tem de lidar com a morte de sua esposa, com o sofrimento da vida como idoso e com seus sonhos passados não realizados.

A Pixar sempre enfrentou a própria ideia de “obras infantis e obras adultas” no entretenimento, e Soul não é em nada diferente dos seus antecessores. O estúdio se manteve fiel aos seus métodos.

Então antes de condenar o filme por ser “adulto demais”, talvez seja bom revisitar os seus filmes em busca de contexto. Além, é claro, de confiar que as crianças talvez sejam muito mais resilientes do que algumas pessoas acreditam.


Texto traduzido e adaptado do Screenrant.

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