Oz e a vida adulta compartilham uma semelhança: nem sempre é o que a gente sonha.

No início deste mês, millenials de todo o mundo leram, compartilharam e se identificaram com a escritora Anne Helen Petersen em seu artigo para o BuzzFeed sobre millenials e o burnout, um distúrbio psíquico relacionado ao esgotamento profissional. Utilizando pesquisas e análise de especialistas, Petersen tentou explicar os motivos pelos quais a geração “millenial” (adultos entre as idades de 22 e 38 anos) acabam sendo afetados por esta condição, trabalhando muito por pouco retorno, apesar do fato de serem considerados “preguiçosos” e responsáveis pelo colapso das indústrias ao redor do mundo. (O artigo recebeu críticas por não incluir vozes mais diversas, deixando de explorar como fatores como etnia podem influenciar este quadro, e por isso ela publicou outro texto, contando histórias de millenials de diversas identidades e classes socioeconômicas).

Assim como Dorothy em sua fazenda no Kansas, os millenials cresceram querendo chegar mais longe. Petersen demonstra em seu texto como nós fomos ensinados desde a infância que poderíamos alcançar qualquer coisa, desde que trabalhássemos duro, quiséssemos muito e não desistíssemos de lutar por isso.

Mas hoje podemos entender de uma maneira adulta que sonhos nem sempre se tornam realidade e que “chegar lá” não necessariamente significa alcançar a felicidade.

Para Dorothy, em algum lugar depois do arco-íris, haveria uma forma de abandonar sua vida tediosa e provinciana. Para os millenials, isso seria o equivalente à ideia de que todo o trabalho duro um dia valeria a pena e se pagaria. Que poderíamos, por exemplo, ter o suficiente para pagar nossas contas, enquanto economizamos dinheiro para comprar uma casa e formamos a estabilidade necessária para planejar a família que queremos ou a ideia de que não precisaríamos de vários trabalhos para apenas conseguir pagar as contas. Em vez disso, estamos lutando, sem atingir muitos dos objetivos determinados pela “vida adulta”, como uma carreira estável, casa própria, casamento e filhos (para quem os deseja), porque estamos cansados demais.

Em uma era de adolescentes bilionários, além do constante bombardeio de histórias de jovens que atingiram o sucesso antes dos 30 anos, os millenials têm grandes sonhos e foram ensinados a ter grandes objetivos. Mas quando chegamos finalmente ao final do arco-íris, o que encontramos? Petersen responde:

Então o que acontece quando os millenials começam a verdadeira busca pelo ‘santo graal’ das carreiras – começando a se tornar adultos – e isso não parece nem um pouco com o sonho que havia sido prometido? O preço psicológico de descobrir que algo que lhe foi ensinado, e que você acreditou valer a pena  (como os empréstimos, o trabalho, a auto-otimização) – não vale.

Millenials estão recebendo 20% a menos do que seus pais recebiam para o mesmo trabalho e conseguindo economizar menos. Além disso, 60% acreditam que não conseguirão se aposentar ao chegar a idade para o benefício e 48% esperam ter que trabalhar, pelo menos em meia jornada, para conseguir sobreviver durante a aposentadoria.

Assim como descobriram muitos millenials que atingiram a idade adulta e começaram a trabalhar, Oz também não era exatamente o que Dorothy esperava.

Não é como se ela tivesse achado isso difícil demais de lidar, mas que o esforço dispensado não equivalia o retorno esperado. Assistir a aventura de Dorothy lembrou da “auto-otimização” descrita por Petersen; a lista sem fim de tarefas de aperfeiçoamento pessoal que os millenials vivem sob a expectativa de cumprir, desde as conquistas profissionais até os cuidados com a saúde e uma rotina equilibrada.

Após chegar em Oz, Dorothy é saudada como a salvadora, o que lembra demais a história dos “floquinhos de neve especiais” (ou nutella, no Brasil) que é um apelido atribuído aos millenials.

Após calçar os incríveis sapatos (você tem que sempre parecer bem), Dorothy tem que enfrentar uma bruxa que a persegue sem nenhum motivo (competição profissional), chegar do ponto A ao ponto B em uma estrada sem sinalização em meio a ventania (planejar a sua vida através das dificuldades e imprevistos), cuidar de três crianças pelo caminho que precisam de apoio físico e emocional (não precisa de metáfora aqui), ser atacada pela natureza (doenças e a idade) e não poder sequer alcançar o que ela quer sem ter de matar uma Bruxa (cumprir uma tarefa impossível que sequer seu chefe é capaz de fazer).

Depois que Dorothy, o Espantalho, o Leão e o Homem de Lata matam a bruxa e levam sua vassoura de volta para o Mágico, assim como ele havia pedido, ele novamente tem um pedido: que eles retornem no outro dia para que ele possa pensar um pouco mais. Nesse momento, Dorothy perde a paciência (e quem não perderia?). Sua reclamação é como a de qualquer millenial no limite do burnout, brigando com o universo por não manter a sua parte do acordo: “Se você realmente fosse grande e poderoso, você manteria suas promessas!”, grita ela. Depois de fazer tudo o que o Mágico pediu, depois de fazer tudo exatamente como Glinda havia dito, ainda assim não conseguiu o sucesso que almejava. Ela fez tudo certo e o Mágico ainda assim não lhe daria aquilo que ela merecia. Ele até tenta lançar um gaslighting (manipulação psicológica colocando a sanidade em questão) básico ao dizer pra ela “não prestar atenção ao homem por detrás das cortinas”. E isso faz com que ela e todos nós digamos: “pro inferno com Oz, eu quero ir pra casa”.

E sua casa era tudo o que ela queria de qualquer forma, naquela altura.

Millenials cresceram sendo encorajados a pensar em coisas grandes, conseguir mais, ser o melhor, e é por isso que muitos de nós temos muita dificuldade em aceitar que não tem nada de errado em querer algo simples. Somos ensinados a tentar nos tornar o CEO de uma empresa, mas e se tudo que quisermos for um trabalho em que somos respeitados e em que ganhamos o bastante para aproveitar as coisas boas da vida, como nossos lares, famílias e vez ou outra uma viagem?

Crescer sendo ensinado a mirar além do arco-íris faz com que nos sintamos como completos fracassados quando chegamos apenas perto dele. Ainda que possamos aproveitar o brilho de suas gloriosas cores. Dorothy foi além do arco-íris para descobrir que não havia lugar como seu lar, e millenials estão aprendendo que símbolos de alto status, como uma sala só sua, prêmios da indústria e contracheques gigantescos que aprendemos a perseguir talvez não valham todo este esforço no fim.

Naturalmente, isso não quer dizer que deveríamos abandonar todas as nossas metas e nos contentar com a mediocridade, e tampouco nega o fato de que a economia capitalista de hoje matou a segurança nos empregos de antigamente, enforcou os millenials com dívidas e tornou mais difícil do que nunca atingir esses objetivos. Serão necessárias muitas mudanças sociais para desfazer a forma como o pensamento dos millenials foi moldado, mas talvez a próxima geração (a Geração Z), tenha um entendimento melhor sobre como as expectativas e a realidade nem sempre se alinham. E que a felicidade pode ser encontrada na aceitação dos sonhos menores, no entendimento de que alguns de nós podemos ficar no Kansas e que isso não será problema algum. Ou que possamos visitar Oz e descobrir que não era pra gente. Ou mesmo que tenhamos diferentes metas ao lado daquelas que já foram cimentadas em nosso ideário.

Você pode sim chegar além do arco-íris e dizer “não, obrigado”.

Dorothy cantava sobre um lugar em que os problemas se derretiam como “lemon drops” e que as nuvens estariam no fundo, mas descobriu que esse lugar seria seu próprio quintal. A jornada de Dorothy se conecta muito com o mundo moderno. Mesmo com 80 anos de idade, o filme O Mágico de Oz parece tão atual com relação aos sentimentos de nossa geração como nunca.

Às vezes, pequenos passarinhos voam além do arco-íris, apenas para fazer a meia volta e retornar.


Texto traduzido e adaptado da Bustle.

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