Catra, Regina Mills, Callisto, Desdemona… Elas precisavam ser salvas?

** O texto a seguir contém SPOILERS da terceira temporada de She-Ra e as Princesas do Poder. **

Nos últimos episódios da terceira temporada de She-Ra, Felina (ou Catra, no original) mente, ameaça e manipula todos ao seu redor, tudo com o propósito de abrir um portal que basicamente destruiria toda a realidade – só porque isso é o oposto do que sua ex-amiga e rival, Adora, quer que aconteça. Já falamos sobre isso aqui no site, inclusive.

Durante a batalha para desfazer o dano causado por Felina, uma das principais figuras maternais positivas da série, a Rainha Angela, mãe de Cintilante, se sacrifica para salvar o mundo de Etéria. E enquanto a Horda recua, Adora lança para Felina um olhar mortal, mostrando que independente de qual fosse o vínculo que as duas haviam possuído, ele havia acabado.

Caso alguém não conheça a história, vale uma rápida retrospectiva:

A série se passa no planeta Etéria, que foi invadido pela Horda e cujas lideranças estão perdendo feio a guerra. Aqueles que lutam contra a Horda são conhecidos como A Rebelião, liderada pela falecida Rainha Angela e apoiadas pelas forças de Lua Clara. A Horda por sua vez é liderada por Hordak, com a feiticeira Sombria como sua segunda em comando. Sombria treinou duas guerreiras: Adora e Felina.

Adora é como uma versão boa de Azula, de Avatar: O Último Mestre do Ar. Ela é competente, a favorita. Ela se manteve “cega” de uma maneira inocente, mas problemática, deixando-a ignorante ao mundo e todo abuso que se passava ao seu redor. Felina é mais como Zuko, mas com a personalidade da Azula original. Ela sofreu abuso e foi maltratada, principalmente quando em comparação ao tratamento que Adora recebia. E essa profunda insegurança apenas cresce durante toda a série. Quando Adora abandona a Horda ao perceber as coisas terríveis que estavam fazendo, Felina se sente traída e trabalha para tomar o lugar de Adora.

A trágica beleza que existe na personagem de Felina é que, em um certo nível, ela tem muitos motivos para estar tão irritada como está.

Uma das melhores cenas é durante a separação inicial das duas, em que Adora diz para Felina que a Horda é ruim e a reação de Felina é de soltar um “duh”. Ela sabia que a Horda era ruim o tempo todo porque ela foi física e emocionalmente abusada pela segunda pessoa em comando durante toda a sua vida. Felina, assim como Zuko, ainda busca o reconhecimento de sua figura paterna, a ponto de deixar isso impedir seu crescimento pessoal.

Sombria punia Felina na frente de Adora, humilhando-a constantemente, e apesar de Adora defender a amiga, não era o suficiente para fazer com que ela parasse. Parte do dano sofrido por Felina vem do fato de que sua melhor amiga era complacente com o abuso – e quando Adora sai da Horda, passa a defender pessoas que ainda eram completas estranhas. Para Felina, essa é apenas outra lembrança sobre como ela não era boa o suficiente.

Como explicamos no texto sobre o relacionamento tóxico entre Adora e Felina, ela teve a oportunidade de continuar no Deserto Escarlate (Crimson Waste) e ter uma vida onde ela poderia se sentir de fato feliz e acolhida, mas ao descobrir que Sombria havia fugido para ajudar Adora, ela entra em estado obsessivo novamente. Ela confiava em Sombria, tentou salvar sua vida, mas foi traída em benefício da mesma pessoa de sempre: Adora.

Em vez de viver como uma ladina no deserto, ela então resolve buscar vingança. É algo difícil de assistir porque sabemos o quão profundamente Felina foi ferida.

Em um mundo perfeito de fantasia, Felina e Adora ainda estariam juntas, e Sombria estaria orgulhosa de ambas. Essa é a ideia de perfeição de Felina, e o fato de Adora ser incapaz de manter essa ilusão viva é o que as separa.

Felina obviamente é responsável por suas próprias ações, mas é a boa escrita que nos torna capazes de entender isso. Então, a pergunta agora é…

Será que ela pode mudar isso? Ou mais importante, a história precisa realmente mudar isso?

Redenção significa o ato de salvar ou ser salvo do pecado, erro ou do mal. Para muitos vilões malvados, especialmente aqueles com origens tristes, existe um desejo em vê-los ser salvos de alguma maneira, seja pelo amor, amizade ou até terapia.

O problema é que nem toda ação pode ou deve ser perdoada, e por vezes, tentando permitir que um personagem se redima, nós convenientemente fazemos uma revisão histórica, tentando diminuir as coisas ruins que o personagem fez.

Um exemplo disso que me faz pensar bastante é o de Regina Mills em Once Upon a Time. Eu torci para a Rainha Má desde o início, mas uma das coisas frustrantes da série é que quando decidiram começar o arco da história da “Regina Mills é boa agora”, simplesmente ignoraram que Regina era uma estupradora e assassina em massa. Sempre que alguém de seu passado queria vingança, a vítima era forçada a “agir de maneira nobre”, e todo mundo corria pra defender Regina, dizendo que ela mudou. Como fã da personagem, você pode querer que ela seja protegida, mas pela perspectiva da história, é cansativo ver que as coisas que tornaram Regina uma personagem moralmente complexa foram completamente abandonadas.

Callisto, de Xena, é outro bom exemplo. Ela era uma vítima do exército de Xena, na época em que a protagonista era uma senhora da guerra (algo que foi alterado posteriormente por uma divindade do tempo, mas isso agora não importa). Sua família foi morta e ela se tornou uma pessoa raivosa e violenta, que queria que o mundo sentisse a sua dor. No episódio “Sacrifício”, quando ela diz para Xena que queria morrer porque não havia mais nada neste mundo para ela, temos uma das melhores citações da série.

Eu só queria que o meu criador soubesse por que eu devo entrar para o esquecimento. Não sobrou nada para mim. Todo o amor e alegria que eu tinha morreram naquela noite em Cirra, quando você matou minha família. Havia… havia ódio… e ressentimento, e isso era… absolutamente delicioso. Maravilhoso. Mas agora nada sobrou. Nada. Você entende?

No caso de Callisto, a redenção veio com Xena expulsando todo o ódio que ela sentiu em vida de sua alma porque essa seria a única coisa capaz de salvá-la. É um completo deus ex machina, que retirou de Callisto a chance de se arrepender de qualquer coisa.

Ela apenas ficou boa magicamente porque não haveria outra maneira dela se tornar boa, senão literalmente uma intervenção divina. Pode não ser um final horrível, mas é insatisfatório para uma personagem com tanta história.

Desdemona (Demona no original) de Os Gárgulas (1994-1997) acaba sendo a personagem que mais lembra o caso da Felina. Ela é o seu próprio pior inimigo porque, apesar do racismo fantástico que ela sofreu, ela acabou tomando as decisões que fizeram com que as pessoas que ela amava morressem. Apesar dos humanos terem sacaneado bastante a vida dela, ela teve muitas chances de escolher que poderiam mudar as coisas, mas preferiu não fazer. O escritor e produtor Greg Weisman chegou a indicar que ela iria de fato ter uma epifania, aprender que ela era responsável por sua infelicidade e sofrimento, passando por uma espécie de mudança no coração – ou “enlouquecimento”. Mas Desdemona era uma bela personagem, que viveu o bastante para ter um monte de oportunidades de crescimento, e apenas não quis porque ela se manipulava o suficiente para acreditar que estava fazendo o certo.

Além disso, humanos são uma bosta, então ela não estava totalmente errada.

Mas o caminho de Azula é o que temos mais medo de que possa ser seguido por Felina. Não ligamos muito para a queda de Azula ao assistir Avatar porque é algo que acontece muito rápido. Mas Felina e Azula compartilham a mesma necessidade interna de aprovação de uma figura parental, além de outras similaridades (como talvez o guarda-roupas, haha). Mas o principal motivo que me faz temer a rota de Azula para Felina é que isso afastaria muito a responsabilidade de Sombria.

Sombria é um monstro abusivo, que basicamente se uniu ao “time do bem” por causa de suas habilidades mágicas. Se ela não for responsabilizada por seus erros, eu proponho uma revolta (MOTIM!), porque o comportamento dela moldou Felina na pessoa que ela é. Você não pode abusar de uma criança, mas receber passe livre por ter se tornado útil contra a equipe do mal. As coisas não funcionam assim, e se começarem uma história em que Sombria simplesmente volta para o lado do bem, isso quer dizer que Felina também poderá. Em outras palavras, vai destruir a história.

Eu amo Felina, e acho que ela é uma antagonista fantasticamente desenvolvida. Eu quero vê-la bem porque ela é meu bebê.

Mas a redenção tem de trazer uma mensagem. Tem de atingir o núcleo da vilania em si. De outra forma, seria apenas fanservice.

Se eles não lidarem com o abuso que ela passou e não fizerem ela arcar com as consequências de suas ações, a personagem simplesmente nunca chegará a ser tão incrível quanto poderia ser – e se ela não puder ser uma anti-heroína decente, é melhor que continue sendo uma vilã fantástica.


Texto traduzido e adaptado do The Mary Sue.

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