Mestre dos mangákas, o renomado presidente e diretor do Studio Ghibli apresenta ao público uma produção arrebatadora de quadrinhos japoneses que especialmente superam as diferenças de gênero, geralmente presentes em mangás de cunhos específicos, como shoujo e seinen, por exemplo.

Suas histórias, frequentemente recheadas de fantasia, drama, aventura e ação, transmitem o mundo feminino de forma desviada dos padrões geralmente representados, tanto em quadrinhos como em animações, sejam de origem japonesa ou não. É interessante notar a maneira como as crianças, principalmente meninas, são levadas a ver o mundo e suas complexidades nas histórias do Studio Ghibli. É algo que difere completamente do padrão estabelecido de educação de gênero e modelo de conduta, tomando como maior exemplo as princesas da Disney (a maioria, pelo menos).

Seriam inúmeros os motivos para que meus mangás preferidos sejam os escritos pelo Miyazaki, mas os principais são:

  1. A forma como a figura feminina é evidenciada;
  2. A representação da natureza e o debate ecológico;
  3. A reapropriação de mitos e lendas – desde mitologia grega e romana, até as tradicionais lendas nipônicas;
  4. A estética em geral dos traços presentes nos quadrinhos.

É impossível não perceber a forma especial de como as histórias são desvendadas, escritas com algo de mágico em cada pequeno detalhe. Principalmente as mulheres e/ou garotas nos mangás – sejam elas as protagonistas, antagonistas ou simples personagens coadjuvantes – são descritas de forma tão única e verdadeira que é possível se identificar profundamente com as personalidades e atitudes delas, de uma maneira como raramente ocorre em outros mangás.

São personagens, acima de tudo, cheias da mais comum humanidade, desde a estética (Sophie de Howl’s Moving Castle [O Castelo Animado], que admite não ser bela como todas as garotas – e ainda assim é a escolhida de Howl):

howl1

page-howlOu as indecisões da vida (Shizuku de Whisper Of The Heart [Sussurros do Coração], que declara não ter ideia do que fazer do seu futuro):

Shizuku

Até mesmo o ódio alucinado (San, a garota criada por lobos, de Mononoke-Hime [Princesa Mononoke], que afirma diversas vezes no mangá seu ódio pela humanidade) e a forma como todas as mulheres são destemidas de seu próprio jeito:

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Mulheres simples, autênticas, com o poder de amar, com a força de reconhecer suas próprias fraquezas e a astúcia de saber como lidar com elas, valentes contra a opressão, frágeis mas inquebráveis. A beleza de cada personagem não é reduzida à forma como se trajam, mas pela forma como agem e reagem à vida e suas tempestades. Miyazaki mostra que o poder de cada mulher vem de dentro, que sua fragilidade muitas vezes é contraditória à força que ela constrói e ao equilíbrio que demonstra. As mulheres de Miyazaki são todas guerreiras, mesmo que não vistam armaduras. Sim, mulheres que vão à guerra e portanto, não tem comportamentos apenas meigos, delicados. Mulheres que lutam por seus desejos e não resumem o objetivo de vida a encontrar um príncipe encantado ou se casar. É motivador ler sobre jornadas assim, não é?

Os exemplos são muitos e foram muito bem evidenciados por Loa Antunes: A Princesa Nausicaä substitui seu pai no reinado do Vale do Vento, guerreira destemida, cientista, adorada e respeitada por seu povo, exímia no combate.

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A princesa Mononoke defende seu reino florestal contra o avanço da modernidade que fere e destrói fauna e flora, monta lobos em batalha. Em Porco Rosso, Fio constrói aviões, Gina é dona de seu Hotel, respeitada pelos piratas do céu, senhora de seus domínios. Ponyo foge do controle de seu protetor para a vida pública e conquista dos seus desejos.

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Não há sobreposição de gêneros. O legal é perceber que garotas podem fazer tanto quanto garotos podem e que ambos se ajudam e se complementam nas histórias. Esse é o ponto principal que me faz amar todas elas.

Imagino que com apenas isso já seja possível ter uma pequena ideia de como a produção de Miyazaki é única e rara. Apesar da comum qualificação infanto-juvenil, o reconhecimento da importância do seu trabalho na retratação de mulheres que se expressam por si próprias, que são donas de seus próprios corpos e maneiras de agir e viver é essencial!

Então, agora você já sabe: se você ainda não leu nenhum mangá de Miyazaki, corra! Um mundo mágico te espera! 😉 Os mangás podem ser encontrados na internet em inglês (algumas vezes traduzidos!) e os filmes já são disponibilizados até dublados na internet para download ou para compra.


Imagens da capa: TAKUMI (Falamos sobre as artes nesse post).

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