Um erro bem grave pra uma série tão boa.

O Gambito da Rainha, da Netflix, foi uma das melhores séries de 2020 e conseguiu quebrar alguns estereótipos típicos de obras do gênero. Porém, o seriado também demonstrou alguns problemas, e um dos mais graves foi a forma como ela lidou com a personagem Jolene (Moses Ingram), melhor amiga de infância da protagonista, Beth.

*** O TEXTO A SEGUIR CONTÉM SPOILERS DO FINAL DA SÉRIE O GAMBITO DA RAINHA ***

Quando falamos sobre obras prestigiadas para televisão, sempre é fácil perceber a inclinação aos personagens brancos masculinos, e no caso de O Gambito da Rainha, foi bom ver uma série cujo foco é uma jovem mulher de origem humilde (e com traços queer). Porém, a série ainda é MUITO branca. Beth (Anya Taylor-Joy) só tem uma folga desse mar de corpos brancos masculinos quando surge Jolene, sua melhor amiga do orfanato em que a história começou.

Imagem: Netflix

Diferente de Beth, que é interpretada por duas jovens atrizes antes de chegar a Taylor-Joy, Jolene é interpretada por Ingram durante toda a história, em todas as idades. Ainda que possa ser uma questão prática, isso adultifica Jolene, como a garota mais velha de todo o orfanato. A explicação é que Jolene é negra, e, portanto, acaba sendo uma candidata pouco desejável para adoção. Então Jolene acaba tendo uma única função em toda a trama da série: ajudar Beth. Essa é uma função assumida por muitos personagens através da série, mas vários deles possuem algum nível de páthos (na experiência do espectador, é o sentimento de dó, compaixão ou empatia criados por essa qualidade do texto), especialmente quando entramos no mundo do xadrez.

Mas Jolene aparece para ajudar Beth a conseguir drogas quando ela precisa, e para ter certeza que Beth não se afunde completamente. E então, assim que Beth é adotada, Jolene desaparece até o episódio final, em que ajuda Beth a ir para a Rússia e garante que ela vá ao funeral de seu mentor.

Imagem: Netflix

Sendo a única personagem negra, e ainda que Ingram seja adorável, é extremamente desagradável ver Jolene falar como uma personagem caricata ao estilo Blaxploitation em uma série que não sequer toca a questão racial, senão pela sua presença ali.

O mundo do xadrez que vemos ali é assustadoramente branco – o que de fato não chega a ser sequer realista, já que na época os parques eram recheados de senhores de todas as etnias jogando xadrez – e mesmo deixando isso um pouco de lado, por diversas razões, o reaparecimento de Jolene ao estilo do famoso tropo do “Negro Mágico” é realmente constrangedor.

Jolene confia a Beth, uma personagem que não a contatou em anos, milhares de dólares “emprestados” para que possa ir para a Rússia. É um gesto gentil, mas vazio. E nos faz questionar os motivos pelos quais, no episódio final, o reaparecimento de todos os personagens de apoio na vida de Beth parecem muito mais tocantes do que o de Jolene. E a resposta é que todos esses personagens tiveram um lugar na vida dela, todos pareceram ser grande parte de sua vida, e apareceram por várias vezes durante a sua carreira. Jolene pareceu apenas um aceno à uma personagem que estava lá com Beth no início.

Imagem: Netflix

Eu acho que a história queria mostrar com seu retorno, que Jolene, outra azarona, teria conquistado muita coisa depois que Beth foi embora, e que teria a sua própria história para contar. Mas isso soa muito falso, quando ao olharmos para a tela, sentimos que ela é apenas uma inclusão simbólica e superficial de um grupo minoritário.


Texto traduzido e adaptado do TheMarySue.

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