Qual é a dimensão da desigualdade de gênero nas produções de Hollywood?

Muito se discute sobre a representatividade feminina em filmes, especialmente nas produções de Hollywood. Quando presentes, mulheres tendem a ser personagens secundárias, escritas de uma forma que raramente superam os velhos estereótipos. Há controvérsias? Sim. Mas a discussão existe e, para averiguar, o site Polygraph resolveu publicar um estudo que quantificou diálogos de 2.000 roteiros, dividindo-os por gênero.

Todo mundo já deve conhecer o Teste de Bechdel, bem popular e fácil de aplicar. Para o filme passar, basta responder 3 perguntas positivamente: se há pelos menos 2 personagens femininas com nome; se elas conversam entre si; e se falam sobre algum assunto que não seja homem. É terrível pensar quantas produções não passam no teste. O próprio Polygraph publicou um estudo relacionando os resultados do teste com a presença feminina na equipe das produções, tirando seus dados deste site, que mostra a análise de inúmeros títulos.

Mega análise de diálogos em filmes mostra diferença entre homens e mulheres

O teste é uma medida válida, no entanto, atrai muitas críticas razoáveis. Primeiro, ele analisa a representatividade feminina só até certo ponto. Um filme que passa ainda pode conter conteúdo sexista e não traz garantia de qualidade e profundidade de suas personagens. Outros que não passam podem conter mulheres muito mais fortes e que sejam melhores exemplos de representação em sua trama. Ou às vezes sua história pode ser de cunho histórico, por exemplo, acabando por apresentar um cenário obrigatoriamente sem mulheres.

Por isso a análise de diálogos é tão importante. Não que seus resultados provem alguma coisa em definitivo ou sejam 100% confiáveis, como a própria equipe que fez admite, mas nos dá uma boa ideia do quanto mulheres têm voz no universo hollywoodiano. Literalmente. E isso tem que ter alguma importância, nem que seja para gerar reflexão, como quando vemos que em 11 filmes da Disney/Pixar que têm mulheres como protagonistas, apenas 4 têm mais de 60% de diálogos ditos por personagens femininas. E nenhum deles passa de 70%.

 

Mega análise de diálogos em filmes mostra diferença entre homens e mulheres

 

 

Mega análise de diálogos em filmes mostra diferença entre homens e mulheres

 

Mulan, Star Wars: O Despertar da Força, A Bela e a Fera, A Pequena Sereia e Pocahontas são todos longas que têm mulheres protagonizando e, no entanto, se encontram todos na coluna à esquerda, com mais de 60% dos diálogos ditos por homens (ver gráfico acima). Até mesmo Frozen, que têm duas personagens femininas principais, ficou no centro. À esquerda, só há um filme com um protagonista masculino: Tarzan. O que vale destacar é que as outras são as raras e preciosas produções que incluíram mulheres não apenas no papel principal como também em secundários importantes, conseguindo assim ultrapassar a marca de 60% de diálogos ditos por mulheres (por pouco!).

Triste constatar que, no final, a moral da história para as meninas é: ser linda, ser poderosa até certo ponto, ter um homem para te ajudar e falar pouco!

Mega análise de roteiros mostra diferença entre homens e mulheres

Se o estudo foi feito sem a intenção de provar algo, tendo mais uma característica de censo, seus resultados nos levam a uma conclusão: mulheres não possuem muito espaço para se expressar vocalmente no universo do cinema. Basta observar o domínio do azul (predominância de diálogos masculinos) sobre o vermelho (predominância de diálogos femininos) nos gráficos abaixo:

 

Mega análise de diálogos em filmes mostra diferença entre homens e mulheres

 

Mega análise de diálogos em filmes mostra diferença entre homens e mulheres

 

Em uma situação de igualdade, o primeiro gráfico deveria ser um triângulo invertido, com o pico no meio, enquanto o segundo deveria ser uma barra cinza com as pontas dominadas na mesma intensidade pelas cores azul e vermelho. A realidade é que todos eles pendem bastante para o lado masculino. Nos extremos, são mais de 50 títulos classificados com 100% de diálogos masculinos contra apenas 2 no lado feminino.

A análise também mostra dados interessante dos roteiros divididos por gênero de filme:

Horror é o que mais se aproxima da igualdade. Inclusive, tem um título que chegou a 100% de diálogos ditos por mulheres, o Abismo do Medo. Observando os dados dos gráficos, percebemos que é o gênero em que, proporcionalmente, mais aparecem mulheres entre os 3 personagens principais (classificado pelo número de diálogos).

Mega análise de roteiros mostra diferença entre homens e mulheres
Filme Abismo do Medo

Drama, típico “de mulher”, fica em segundo lugar. Há muitas histórias delas e com elas, verdade, porém o número de tramas que se focam em homens e em grupos de homens superam de longe. No geral, as mulheres aparecem a partir do lugar do 4º papel mais importante e estão cercadas de homens nas outras posições. À medida que vão aparecendo como personagens mais importantes, raramente deixam de ter um colega do sexo masculino ao seu lado que fale tanto quanto elas. Um exemplo curioso é o Segundas Intenções, em que 3 dos 5 personagens principais são mulheres e ainda assim elas não superam os homens em número de palavras.

Em Comédia é possível ver que muitos roteiros incluem um (apenas UM) papel feminino em seu núcleo e possuem temas variados entre ficção científica, ação, fantasia, aventura, família etc. No entanto, quando chegamos na pequena parte vermelha do gráfico, os temas ficam limitados mais para o drama ou musical, a maioria com mulheres disputando entre si e/ou envolvidas em um romance/casamento, com a presença obrigatória de pelo menos um homem. Até algumas comédias-românticas não possuem predominância de palavras ditas por personagens femininos, como em Uma Linda Mulher e 10 Coisas que Eu Odeio em Você, em que as protagonistas são mulheres, mas elas são superadas pelo número de coadjuvantes masculinos.

Mega análise de roteiros mostra diferença entre homens e mulheres

O pior de todos é Ação, claro, visto tradicionalmente como “coisa de homem”, apesar de muitas moças (como eu) gostarem também. Isso não é nenhuma surpresa, já que é nesse tipo de roteiro em que geralmente está um dos piores estereótipos de mulher: a mocinha tipo top model que às vezes ajuda, mas, no fundo, está lá para se colocar em perigo e servir de interesse romântico (prêmio) do herói.

Mega análise de roteiros mostra diferença entre homens e mulheres

Outros dados importantes que a pesquisa ressaltou:

  • Em 22% dos roteiros, atrizes tiveram maior quantidade de falas
  • Em 34% dos roteiros, mulheres tiveram a segunda maior quantidade de diálogos
  • Em 18% dos roteiros, mulheres ocupavam pelos menos 2 dos 3 papeis mais importantes (para homens, o número sobe para 82%)

Isso pode indicar apenas que, independentemente de sua importância, não é necessário que elas digam muita coisa ao longo de uma história. O mais provável, porém, é que isso seja um reflexo claro do que nós, moças, sentimos desde sempre: o pouco caso em relação ao nosso gênero, constantemente estereotipado e subestimado, de uma indústria formada basicamente por homens (brancos e héteros).

Mais triste ainda é chegar ao final do estudo e ver os gráficos de diálogos divididos por faixa etária em cada gênero. Mulheres possuem mais falas até os 31 anos, depois vão perdendo cada vez mais. Já os homens só ganham mais ao envelhecer (até os 65 anos). E perceba que o pico dos personagens femininos (21 milhões de palavras) nem chega perto dos masculinos (55 milhões de palavras):

 

Mega análise de diálogos em filmes mostra diferença entre homens e mulheres

 

O fio de esperança é ver que, apesar de gradual e lenta, uma mudança está ocorrendo ao longo das décadas. Desde os anos 80 até a década de 2010, a proporção de filmes em que há predominância de diálogos ditos por homens em relação àqueles com igualdade ou mais falas ditas por mulheres diminuiu. A discrepância ainda é grande – bem grande – mas a tendência é que fique cada vez menor.

Mega análise de roteiros mostra diferença entre homens e mulheres

Enfim, o que você acha? É possível acreditar que existe ou estamos perto de uma igualdade com dados como esse? A diferença é bem marcante e, por mais que diálogos não sejam indicadores absolutos de relevância e representatividade, certamente são significativos.

Para analisar os resultados mais de perto, clique aqui. Além de explicar a metodologia e possíveis falhas do projeto, o pessoal do Polygraph ainda publicou um FAQ aqui. Tire suas próprias conclusões! 😉

 

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