Mulheres desapegadas e felizes com isso.

Um benefício que vem do apetite insaciável de nossa sociedade por nostalgia, e que não é tão aproveitado quanto deveria, é poder revisitar coisas que amávamos quando crianças buscando uma nova visão sobre nós mesmos. Um apego emocional com Alvin e os Esquilos pode significar uma tendência a gostar de boy bands, por exemplo. Assistir e reassistir episódios de Friends pode desencadear sonhos de viver em uma cidade grande com um grupo social muito bem definido. E Mary Poppins, o musical de 1964 da Disney, estrelado pela incomparável Julie Andrews, ensinou que mesmo mulheres praticamente perfeitas podem viver solteiras, sem serem infelizes por causa disso.

Na adaptação praticamente livre das histórias de Pamela L. Travers, a babá mágica chega a Londres carregada pelo vento do leste, expressamente para ajudar a família Banks a colocar as coisas nos seus devidos lugares. Ambos os pais estão distraídos por coisas que não são sequer importantes. O ativismo da Sra. Banks e a determinação do Sr. Banks em prover uma boa vida para sua família estão os afastando de suas crianças, Jane e Michael, que praticamente tem de se virar por conta própria.

Então surge na história Mary Poppins, como uma simples educadora, mantendo uma posição de gênero. Ela mostra imediatamente que não é apenas a sua habilidade de fazer coisas extraordinárias que a torna diferente. Mary não pode ser enganada e tampouco se rebaixa a autoridade de ninguém. Ignorando o discurso de “homem da casa” do Sr. Banks, ela simplesmente se contrata, determinando seu salário e condições (um ícone pelo pagamento igualitário). E as crianças não começam a gostar dela do nada, e ela tampouco parece ligar pra isso. Em vez de ser boazinha demais com eles e mimá-los, ela começa a trabalhar, restabelecendo a normalidade naquela casa caótica por meio de jogos fantásticos, até que as crianças acabem cedendo e gostando dela.

E ela acaba subvertendo todas as expectativas. Enquanto outras personagens em sua profissão acabam sendo escritas como dóceis e amigáveis (a própria Maria, em A Noviça Rebelde, também interpretada por Andrews), Mary é reservada e exigente.

Enquanto outras mulheres fictícias criadas naquela época buscam aprovação e se curvam a vontade dos homens que encontram, Mary é sempre a líder. Ela quebra os limites do decoro por diversão, e então recupera seu fôlego com uma piscadinha como se nunca fosse fazer isso. E nossa, como ela sabe receber um elogio.

Mary nunca é tratada como mal-intencionada ou problemática. Não apenas toda a família Banks acaba se apaixonando por ela, mas ela é amada por todos os cidadãos londrinos que a conheceram, inclusive Bert (Dick Van Dyke), um limpador de chaminés que claramente já participou de aventuras com ela anteriormente. Quando eles se unem para levar as crianças para outro lugar, ele assume o papel de beta, seguindo a liderança de Mary e se empolgando com ela em todas as oportunidades que aparecem.

Bert canta uma música inteira para Mary sobre como ela faz com que tudo que toca se torne mais bonito e divertido, e ainda assim, ele não é realmente um interesse romântico da personagem. Ela quer o seu bem, e gosta bastante dele, mas não sente nenhuma obrigação com relação a ele, e ele tampouco tenta qualquer avanço em sua direção. Assistindo ao filme novamente um pouco mais velha, ficou claro que Bert é completamente apaixonado por Mary – e como não seria, certo? – mas ele não age como se ela tivesse que gostar dele por isso. (Na canção “Jolly Holiday”, Mary canta um verso sobre como ele é um cavalheiro, afirmando “Você nunca pensaria em pressionar alguém por vantagem”). Ele está feliz por sua companhia e atenção, e em troca, tenta ser o melhor amigo que pode ser.

Masculinidade tóxica não é algo que Mary tolere, de qualquer forma, como ela demonstra no início do filme na cena com o Sr. Banks. E tampouco ela se curva aos papéis de gênero que afirmam que ele pode ignorar sua família por causa de sua carreira.

No final, Mary vai embora. Ela não pode ficar para sempre, já que sua meta é fazer com que a família Banks se harmonize, e isso foi cumprido. Além disso, muitas outras famílias precisam de sua mão firme e amorosa. O filme não faz com que Mary não se emocione com isso, mas sua tristeza é especificamente direcionada às pessoas que está deixando para trás, e não uma ideia de tristeza geral.

Basicamente, se você é uma mulher, não pode dizer que não deseja ter filhos sem alguém aparecer pra falar “ah, mas você é tão boa com crianças” ou semelhantes, então Mary Poppins é o ponto cultural direcionado especialmente pra você.

Então, em vez de simplesmente ir embora em direção ao pôr-do-sol com alguém, ela voa em direção às nuvens sozinha. E ninguém consegue sentir pena dela por isso. Nós sentimos pena de nós mesmos, por saber que sentiremos falta dela.

A Disney não possui o melhor histórico quando se trata de personagens femininas que não sejam apenas um interesse romântico ou cujo final feliz não envolva encontrar um homem – ser uma princesa da Disney, por muito tempo, foi apenas isso. Então Mary Poppins enfrentou isso em 1964, e continua fazendo isso hoje em dia, 56 anos depois.

Ainda hoje é difícil encontrar outra personagem feminina adulta, em um filme para a família, que possa dar esse tipo de exemplo: que você é completa como pessoa – e talvez a melhor pessoa possível – por conta própria, e que ser solteira e sem filhos não tem nada a ver com falta de amor.

Acima de tudo, Mary Poppins deixa claro que a vida de Mary pertence a ela – e que essas escolhas foram feitas por ela, e que é feliz com isso. Eu assisti a esse filme pela primeira vez muito antes de poder entender os motivos pelos quais eu a achava tão incrível (tirando toda a parte da magia e de mover as coisas com a mente).

Hoje eu sei que Mary Poppins é atemporal pelo fato de Mary ser uma mulher autossuficiente não ser tratado como algo ruim ou preocupante. E essa é uma ideia muito pouco assumida pelos filmes – exceto por um, feito para crianças.


Texto traduzido e adaptado do Bustle.

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