Elementar, meu caro Watson! Até mangá de Sherlock Holmes existe. E é ótimo!
O famoso detetive criado por Sir Arthur Conan Doyle, e que teve sua primeira aparição em 1887 no conto “Um Estudo em Vermelho”, já foi adaptado para várias outras mídias e em épocas diferentes. Uma das mais recentes é o seriado da TV britânica BBC, criada por Steven Moffat e Mark Gatiss, que também assinam alguns roteiros, e protagonizada por Benedict Cumberbatch (Dr. Estranho, O Jogo da Imitação) e Martin Freeman (O Hobbit, O Guia do Mochileiro das Galáxias ).
O sucesso foi tal que o quadrinista Jay adaptou o argumento da dupla para o mangá e é assustador ver quão bem os traços físicos dos atores foram transportados para o traço japonês!
A história se passa na Inglaterra dos anos 2010, em que Sherlock Holmes é um detetive consultor (porque ele é BOM assim) e Dr. Watson acabou de voltar da Guerra do Afeganistão, manco, e ambos procuram por um apartamento pra morar. Eles terminam se mudando para o icônico endereço Baker Street, 221 B e vão se conhecendo.
Enquanto isso, sucessivos suicídios estranhos têm acontecido e surge uma teoria louca de um assassino em série de suicidas. É. Zeros lógica pra nós, reles mortais. E aí entra a genialidade de Sherlock e o saber agir rapidamente de Watson, tomando as decisões necessárias.
Por que as pessoas estão se matando? E como que existe um padrão nisso? Quem seria o responsável? E, acima de tudo, por que ele estaria fazendo isso?
Pra saber, só lendo o mangá! Ou vendo o seriado na Netflix, mas o legal do formato impresso é que dá para levar a qualquer lugar. Escola, metrô, fila de banco (tem quem vá ao banco ainda), fila de mercado. Praticidade aliada a beleza, qualidade de roteiro e num formato superbom, com papel off-set, lombada quadrada, capa com orelha e algumas páginas coloridas.
Gente, isso aqui é um projeto audacioso e corajoso que deu certo. Vamos lembrar que, em 2016, ele estava na lista de melhores mangás adultos, liberada no painel do tema na Comic-Con International: San Diego.
No quesito gráfico, a obra possui belos planos de cenário. A fotografia foi bem pensada e executada.
Há tensão nos momentos necessários e aquela calmaria e reflexão quando se precisa ponderar. Assim como o jogo de câmeras nas caras e bocas de Sherlock. As cenas de ação são ótimas, o ritmo do mangá também.
Além disso, as piadas funcionam e o “incômodo” proporcionado pelas deduções do Sherlock/Cumberbatch estão ali. Possui um bom ritmo de narrativa sem deixar nunca a peteca cair, ou seja, nunca fica chato, é fluida, às vezes acelerada quando precisa, além de segurar toda a tensão do mistério. Entra fácil no modo “devorável”.
Consegui também reparar melhor em determinadas características do personagens, já que certas sutilezas são perdidas. Vi que, apesar do trauma, Watson é um cara tão seguro de si que não se sente ameaçado pela inteligência de Holmes. Ele é o cara que sempre o elogia, em vez de desdenhar da sua habilidade. E é engraçado ver como isso deixa o consultor meio que desconcertado, em vez de cheio de si, afinal, ele já é assim.
Agora, fazendo as devidas comparações – hohohoho -, logo na capa vi esse olhar inquisidor e perscrutante do Sherlock/Cumberbatch e soltei um “uou”. E essa impressão permaneceu por toda a obra, apesar de o artista ter precisado utilizar alguns artifícios para passar determinadas emoções e deixar claras certas características dos personagens.
Para citar, tem a boca meio sempre em “V” e um olhar meio maníaco de Sherlock para passar a excentricidade dele e sua certeza de ser um humano superior aos outros (que ele prova diversas vezes pra todos, né? Tem nem o que contestar aqui. A gente só aceita, e é melhor).
Ou, no caso de Watson, um cenho sempre franzido e uma carinha meio de cachorrinho perdido. Infelizmente, os charmes dos atores ficam mais difíceis de transpor no mangá, mas é uma limitação da mídia. Aquele ar de desgosto da vida de Watson se foi, assim como as nuances faciais e a linguagem corporal de Cumberbatch. Tudo tem seus prós e contras, e não acho que um seja melhor do que outro, apenas diferente.
Fazendo esta comparação – que é impossível evitar –, a vantagem de o roteiro ser excelente é que ele se sustenta em qualquer dessas mídias. Então os recursos da série de TV, que deram todo o movimento e imersão, além de uma edição audaciosa e dinâmica, não foram transmitidos para o mangá, o que é uma pena. Mas foram compensados com outros fatores.
Foi bem difícil ler sem contrapor as obras e me senti meio babaca fazendo isso. Até que teve uma hora que só li. E foi ótimo! Quer dizer, dá para se divertir com esse Sherlock de qualquer jeito, pois uma boa história pode ser contada de várias formas diferentes.
Belle Felix, ou Lilo para os íntimos, não sabe dançar a hula, mas veste sua roupa de coelho e tenta sempre fazer seu melhor!
Tradutora do material da editora Valiant no Brasil, resenhista no Universo HQ e tem um site e canal no YouTube, o Plano Infalível.
E, sim, pretende dominar o mundo.