A DC ainda sofre para desenvolver seus personagens no cinema, e entrega um filme com cinco protagonistas e nenhum arco narrativo.

O primeiro longa da Liga da Justiça estreia hoje nos cinemas, e depois da tragédia que foi Batman vs Superman: A Origem da Justiça, e da surpresa com o enorme sucesso de Mulher Maravilha, a Warner e a DC parecem estar meio que no rumo certo, mas ainda tateando no escuro em um ponto crucial: o desenvolvimento dos seus personagens.

Não entendam mal. Liga da Justiça não é exatamente um filme ruim. É bem divertido, e garante um sólido segundo lugar no ranking do Universo Estendido DC, perdendo apenas para Mulher Maravilha. Fica claro que eles aprenderam com alguns acertos do longa da princesa amazona, principalmente no tom da história. O filme da Liga é leve e bem-humorado, mas a lição mais importante de Allan Heinberg (roteirista de MM) e Patty Jenkins (diretora de MM) eles parecem não ter aprendido, e continuam fazendo filmes em que os personagens simplesmente não se desenvolvem.

No seu primeiro longa solo, Diana teve um claro (e excelente) arco narrativo. Ela começa o filme de um jeito e termina de outro, muda sua visão de mundo, aprende e evolui como personagem. Isso a humaniza e faz com que o espectador se envolva emocionalmente, o que infelizmente não acontece com nenhum personagem em Liga da Justiça. Claro, em um filme de origem o arco narrativo é realmente mais importante, mas isso não significa que ele não seja essencial em qualquer produção cinematográfica.

E desenvolver um personagem não é exatamente uma coisa dificílima. A Marvel (desculpem, comparação inevitável) consegue fazer isso razoavelmente bem em todos os seus filmes, mesmo depois dos personagens já terem aparecido em vários outros longas. No mais recente deles (Thor Ragnarok), o Deus do Trovão precisa amadurecer, descobrir o seu valor sem o Mjölnir, reavaliar seu relacionamento com sua família e sua posição de herdeiro em Asgard. E ele já teve papéis principais em 4 filmes anteriores.

O Homem de Aço (2013) e Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2016) são os piores exemplos de desenvolvimento de personagem da DC. No primeiro, um filme de origem, Clark não tem praticamente nenhuma evolução pessoal. Sua identidade, suas motivações, seus dilemas e seus objetivos são os mesmos do primeiro ao último minuto do longa. Ele chega a questionar seu papel no mundo, passa por uma fase emo, precisa quebrar sua regra de não matar, mas retorna exatamente o mesmo. Em BvS a história fica ainda pior, porque meio que existe um arco para o Batman, mas é completamente burro. A obsessão do Homem Morcego em matar o Homem de Aço torna difícil gostar da encarnação de Ben Affleck, e culmina em um dos momentos mais risíveis da história da cultura pop. “Sua mãe se chama Martha? A minha também! Que mundo pequeno, miga!”

Como ensemble, a Liga da Justiça funciona, e isso é 100% crédito do elenco. Jason Momoa (Aquaman) e Ezra Miller (Flash) são excelentes adições, mas existem mais como eye candy e alívio cômico (respectivamente) do que como membros fundamentais do grupo. E apesar do talento e do carisma de Ray Fisher, o Ciborgue não tem muita personalidade e foi mal desenvolvido, mesmo sendo o personagem chave do enredo. Gal Gadot (a personificação da Mulher Maravilha) é sempre maravilhosa de se ver, cheia de luz e carisma. Mas Ben Affleck e Henry Cavill… bem… estão ali, se esforçando com um roteiro (ou uma franquia) que não os ajuda muito a conseguir a simpatia do público.

E é basicamente isso. Eles se juntam, têm um plano, executam o plano. Praticamente não existe conflito, o enredo é previsível num nível inacreditável, e grande parte do filme claramente foi cortada. Existem armações para situações que nunca se realizam, a sequência inicial é acelerada e sofrível (exceto pelo trecho dedicado à Mulher Maravilha), o CGI não é dos melhores e as cenas de ação são confusas. O vilão, geralmente maior trunfo da DC em relação à Marvel, aqui é apenas mais um homenzarrão de CGI que quer conquistar a Terra “porque sim, Zequinha”. Ele é tão vazio de motivação e personalidade que se torna fácil de ignorar quando não está em cena.

Mas ok, o longa tem bons momentos,  e quase todos esses problemas podem ser atribuídos à troca inesperada de diretores. Zack Snyder precisou abandonar o projeto após perder a filha e Joss Whedon pegou o bonde andando. Mas por mais esquisofrênico que seja um filme de dois diretores com estilos totalmente diferentes, nada justifica o fato de que nenhum dos personagens têm um arco narrativo decente.


Texto originalmente publicado no Storia Brasil

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