BOOOOM DIAAA NIGHT CITYYY!

Um dos jogos mais esperados do ano, Cyberpunk 2077 finalmente está entre nós. Após sofrer três adiamentos neste ano, o RPG futurista de ação da CD Projekt Red foi lançado no último dia 10 e a representante brasileira da empresa nos enviou de forma bastante gentil uma chave para que pudéssemos testar o jogo e deixar nossas impressões para vocês.

Cyberpunk 2077 sem dúvida alguma causou um hype gigantesco desde o momento de seu anúncio. O que é um efeito óbvio de ter uma personalidade famosa tão amada como Keanu Reeves no elenco principal. A reação do público ao ator na E3 foi uma amostra perfeita disso. Mas, além de tudo, não nos recordamos quando foi a última vez que vimos a Steam tão lotada de pessoas jogando o mesmo videogame simultaneamente (talvez Fall Guys no meio do ano). E essa é uma sensação acolhedora e empolgante.

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Em resumo, o jogo é ambientado na distópica Night City, um mundo aberto dividido entre seis regiões distintas. O player joga em primeira pessoa controlando V, um(a) mercenário(a) personalizável. As sinopses do jogo na internet eram bem cativantes.

Mas antes de mais nada, demos uma rápida olhada por curiosidade em várias críticas gringas que já tinham saído na véspera do lançamento e no geral sentimos um misto de preocupação com algumas boas expectativas: as expectativas eram principalmente na questão da customização de personagens, a preocupação com vários relatos sobre bugs. Ainda assim, as notas que o jogo estava recebendo permaneciam bem altas. Mesmo agora, após o lançamento, o jogo ostenta uma média de 87 pontos na crítica especializada, de acordo com o site Metacritic, por exemplo. Até o momento da publicação deste artigo, o site acima citado tinha 60 críticas positivas, 5 neutras e 1 crítica negativa. As neutras e a única review negativa eram as únicas que não davam desconto aos bugs.

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Sem querer delongar demais esse “pré-processo” ou tomar spoilers, abrimos o jogo e brincamos por poucas horas a versão early access do jogo na data do lançamento, continuando a campanha na versão do “day one patch”, aquela que a maior parte do público teve acesso e que foi disponibilizada no dia do lançamento. E a nossa experiência – recheada de risadas com os memes reaproveitados e easter eggs da cultura pop – vocês podem conferir logo abaixo, sem spoilers que possam comprometer a experiência de vocês.

Construindo a nossa V

Logo após iniciarmos o jogo, tivemos a primeira surpresa já na tela de criação da personagem. Bastante diferente das demos de 2018 e 2019, a tela de personalização ganhou uma aparência e profundidade muito mais adequadas aos jogos da atual geração. Inicialmente você deve escolher o seu caminho de vida, que é equivalente ao background da sua personagem. As opções eram: corporativo, criança de rua ou nômade. Escolhemos jogar como nômade, que soava mais adequado ao estilo que esperávamos adotar, e essa escolha determinou como seria a introdução do jogo.

É um toque interessante, e definitivamente mais moderno do que a sequência de escolhas propostas pela demo com herói de infância, evento traumático e motivação para estar em Night City. O sistema atual pode soar um pouco simplista, mas dentro da dinâmica do jogo faz muito sentido.

Partimos então para a personalização da nossa V, e a liberdade e a ampla capacidade de personalização da personagem pareciam ser um consenso entre os jogadores e a crítica especializada. Mas algumas pequenas coisas decepcionaram e a primeira delas é a forma como o gênero da personagem é escolhido: você tem duas opções de vozes, uma masculina e uma feminina. E a voz escolhida determinará por qual pronome todos os personagens do jogo te tratarão.

Pode soar como algo pequeno, mas se hoje já somos capazes de entender que a questão de identidade de gênero não é uma simples experiência binária, quiçá em um mundo futurista e diverso como o proposto pelo jogo.

E ainda que o ponto seja a dificuldade de ampliar a carta de dubladores da protagonista, a gravação de linhas com linguagem neutra ou o reconhecimento de que você pode ser uma mulher com voz mais grave ou homem com voz aguda são coisas tão básicas que não deveria ser necessário cobrar uma abordagem diferente.

Se houvesse uma terceira voz intermediária que se encaixasse mais no limiar entre essas duas extensões vocais, com certeza mais pessoas se sentiriam representadas.

Ademais, apesar de oferecer algumas opções de personalização interessantes (que incluem tipo físico e genitália), a aparência escolhida para a personagem não pode ser alterada posteriormente. Ou seja, nada de mudar maquiagem, adicionar cicatrizes ou mesmo mudar o penteado. Mas a parte do penteado tem mais um detalhe incômodo: ao equipar qualquer tipo de item na cabeça (chapéu, capacete, etc), o penteado escolhido é automaticamente ignorado e então a aparência da sua personagem muda. Fizemos a nossa V com um cabelo maravilhosamente cacheado e volumoso, no mais puro estilo power de Cyberpunk, mas ao equiparmos o primeiro chapéu dentro do jogo, seu cabelo foi substituído por um cabelo liso amarrado em um rabo de cavalo. Ou seja, seguimos com a cabeça desprotegida pelo resto do jogo porque não abrimos mão de um bom cabelão.

Quem quiser ler mais sobre esse tipo de experiência e ver que não somos as únicas a ficar um pouco frustradas com essa parte do jogo, pode ler essa matéria aqui.

Outro ponto negativo, inclusive apontado por leitoras do site, é que as promessas do jogo em dar muita liberdade na hora da criação e estilização dos personagens na verdade tinha algumas limitações que, em pleno 2020, deveriam ser mais consideradas. E essas reclamações iam de coisas menos graves como não poder alterar as cores dos looks até coisas que consideramos muito importantes e mais graves como não possibilitar nenhuma alteração no tipo físico da protagonista.

Um jogo que permite alterações em tamanho do pênis ou dos seios mas não cogita oferecer tipos corporais diferentes está realmente procurando dar liberdade na hora da escolha de customização?

Também seria mais legal se as lojas permitissem o preview dos equips na personagem. Apesar de ser um recurso obviamente não fundamental, seria uma maneira bem legal de evitar gastos desnecessários de dinheiro.

A vida em Night City

Criada a personagem, e após uma ótima sequência de introdução (que é diferente dependendo da sua escolha de caminho lá no começo do jogo), finalmente chegamos a Cidade dos Sonhos. E a partir desse ponto é que o jogo começa a mostrar suas maiores qualidades.

A construção de toda a ambientação da cidade é talvez o ponto mais incrível do jogo. As cores, as construções, a ambientação e a imensa diversidade presentes ali precisam ser destacadas. Ao entrar em Night City, não é difícil imaginar que aquilo tudo possa ser real.

Ainda que Cyberpunk tenha uma pegada futurista, com propagandas holográficas gigantes, com veículos bem diferenciados e pessoas modificadas andando pelas ruas, Night City não deixa de ter uma ideia mais contemporânea em simultâneo: as inúmeras regiões da cidade possuem cada uma as suas características marcantes, sua cultura própria e pessoas agindo de forma diferente. A estética parece realmente ser o foco, e o jogo tenta construir um plano de fundo realista para todas as cenas, com cenários maravilhosos, que te ajudam a desenvolver um senso de imersão. Mas ao mesmo tempo, algumas situações te fazem perceber que infelizmente aquele mundo foi construído para estar ao seu redor, e não para te receber.

Vamos exemplificar: ao entrar em uma praça de alimentação, você verá barraquinhas de comida com fumaça saindo de cada prato recém-cozido, pessoas conversando sentadas nos bancos, vitrines lotadas de coisas interessantes. Mas você não pode sentar em muitos dos bancos, não pode interagir com vários NPCs, não pode sentar na barraca de churrasquinho e comer um deles. É como se você fosse alheio a aquele mundo todo, apesar de estar ali no meio. Isso não é exatamente um problema, especialmente se o seu foco é avançar na história, mas se você é do tipo que gosta de passar um tempo ali no jogo, conhecer o seu universo e interagir com os personagens, pode se decepcionar um pouco.

Outro ponto forte do jogo está na forma como Night City está recheada de personagens interessantes e capazes de te impressionar (pra bem ou pra mal). É possível encontrar um deles em qualquer lugar da cidade, e você nem precisa procurar, já que em geral eles te ligam e mandam mensagens o tempo todo. E é nas missões secundárias que você acaba tendo as maiores oportunidades para conhecer melhor a cidade e seus habitantes.

Já imaginou que algum dia poderia ter de ajudar um veículo com problemas de ansiedade a retornar para a sua garagem? Ou que poderia ajudar alguém a lidar com o luto pela morte de seu jabuti de estimação?

Todas essas histórias estão espalhadas pela cidade, e apesar de menos sérias, são elas que te prendem por horas e mais horas nesse universo.

Além disso, a dublagem do jogo é surpreendentemente legal. Testamos o jogo com a dublagem original e depois com a versão brasileira, e podemos afirmar que a versão tupiniquim é claramente superior, modéstia à parte. Dá uma sensação super gostosa ir reconhecendo dubladores brasileiros famosos em vários personagens ao longo do jogo. E apesar da voz de Keanu Reeves em inglês ser muito mais BREATHTAKING, o portunhol de alguns personagens é muito mais legal do que aquela mistura meio boba do espanglês. É também possível perceber sotaques e nuances nas falas dos personagens dependendo da sua região de origem (Japan Town, Little China ou mesmo estrangeiros) e você realmente ouve personagens falando sua língua nativa quando visita essas áreas, o que é bem legal.

Fora que o jogo em português é recheado de memes bastante brasileiros e expressões dignas da dublagem de animes clássicos dos anos 1990. Ao sairmos de nosso apartamento, bem no começo do jogo, encontramos uma mulher gritando de forma descontrolada “PEEEEEDROOO, ME DÁ O MEU CHIIIIIP!” – e várias outras situações semelhantes. Se isso não é formidável, não sabemos o que pode ser.

Ao contrário de outras obras que tentavam adotar uma linguagem adulta, os palavrões e xingamentos e os trocadilhos sexuais foram dublados com muita naturalidade, sem causar aquela impressão de constrangimento por parte dos dubladores ou de vergonha alheia para quem está controlando os personagens.

Os dois únicos problemas que dizem respeito a essa parte do jogo são: a) que alguns diálogos não são traduzidos para o português – por exemplo quando V escuta o rádio dentro de um carro: muitos dos anúncios feitos entre músicas não receberam dublagem em português. E b) As dublagens parecem ter sido feitas de forma não linear: as nuances de tom de voz mudam muito no meio dos diálogos e quebram o clima das conversas. Felizmente não era nada que atrapalhava de fato o jogo (a parte da dublagem não linear incomoda mas não tem nada o que você possa fazer a não ser superar) e no final das contas achamos a experiência de jogar com a dublagem brasileira muito mais divertida de qualquer forma.

Falando sobre a experiência auditiva do jogo, não podemos deixar de lado a sua trilha sonora, que é excelente. Literalmente 10/10. 

Nós jogamos no modo padrão de jogo, sem bloquear obras sujeitas a direitos autorais, e ele ofereceu uma experiência super agradável em termos de músicas presentes nos momentos importantes do jogo e nas rádios disponíveis em seus veículos. A forma como é feita a transição entre momentos tensos e tranquilos, da furtividade ao combate, e as músicas que compõem os ambientes explorados – tudo parece ser feito cuidadosamente e com bastante carinho. E isso contribui demais para a experiência como um todo.

Assim, em uma análise mais objetiva dessa primeira impressão, a identidade visual, a ambientação, a construção de personagens e a arte sonora e visual impressionam bastante.

Mas assim como a vida em Night City não é gentil, a experiência de jogo também não foi perfeita e precisamos debater um pouco mais a fundo algumas questões relativas ao desempenho do jogo e aos seus sistemas.

O lado ruim da vida na metrópole

Como dissemos anteriormente, Cyberpunk 2077 vem sendo desenvolvido há vários anos, e é o maior projeto da CD Projekt Red desde The Witcher 3. E sinceramente  é impossível deixarmos de lado as comparações. Além disso, o jogo vinha sendo especulado há muito tempo como uma das obras marcantes desta geração, que deveria ser recheado de inovações e uma experiência espetacular. O jogo deveria ser o futuro, não apenas pelo cenário, mas por todas as expectativas construídas sobre ele. E é uma pena ver que isso não se concretizou no lançamento.

Assim como para boa parte do público, um dos pontos mais negativos da nossa experiência no jogo foram os excessivos bugs. Sabemos que nenhum lançamento é perfeito, e que mesmo com uma longa fase de testes, grandes jogos sempre estão sujeitos a imprevistos no seu lançamento ao público. E bom, olhando pelo lado positivo, Cyberpunk 2077 pelo menos não foi tão desastroso quanto Batman: Arkham Knight ou Sim City (2013), que tornavam impossível qualquer tentativa de jogo – mas ainda assim a impressão é que recebemos um produto que ainda não estava pronto para lançamento.

Mesmo após a aplicação do “Day 1 Patch”, o jogo apresentou falhas pequenas e grandes, que deverão ser corrigidas no futuro, mas que têm impacto nesta avaliação e, de quebra, na primeira impressão sobre o jogo. Na sequência inicial do jogo, encontramos alguns pequenos problemas que não exatamente atrapalham a jogabilidade, como carros atravessando pessoas ou objetos, ou quando NPCs falavam sem que suas bocas se mexessem. Outro caso era quando V olhava para o espelho no banheiro de seu apartamento, onde o jogo oferece várias interações como “sorrir” ou “fazer careta”, mas absolutamente nenhuma delas funciona. V apenas encara seu reflexo, às vezes mexendo um pouco a boca ou os olhos, sem obedecer os comandos.

Exemplo de bug visual.

Mas conforme avançamos na história, alguns bugs especialmente preocupantes começaram a surgir. O mais incômodo deles consistia em missões cujo progresso não avançava ao cumprirmos os objetivos. Assim, mesmo cumprindo esses objetivos, a missão continuava travada, forçando que carregássemos um jogo salvo anterior para poder então avançar. Outra falha bastante problemática ocorreu com a dessincronização de áudio do jogo. Entrar em um momento de combate com o som dos tiros e vozes vindo do lugar errado e no momento errado torna impossível manter a concentração ou ler o ambiente onde o combate está acontecendo. E esse problema não foi resolvido fechando e abrindo o jogo novamente. No momento que tivemos esse problema, o áudio somente normalizou depois de conseguirmos avançar na história principal. E claramente esse problema atrapalha a experiência de jogo como um todo.

Além disso, precisamos falar também sobre algumas questões relativas ao desempenho de Cyberpunk. Nossa máquina utilizada para testar o jogo não é um computador de última geração, mas é uma máquina intermediária que deveria ser capaz de rodar o jogo sem dificuldades. O setup de testes consiste em um computador equipado com um processador Ryzen 7 2700 de 3.2 Ghz, com uma placa de vídeo GeForce RTX 2060 Super de 8GB (fornecida pela equipe maravilhosa da Nvidia Brasil), com 24GB de memória DDR4 a 2666 Mhz e um SSD Lexar de 256GB. Nós testamos o jogo na resolução full HD (1920×1080), e esse setup deveria ser suficiente para que o jogo rodasse de maneira suave com a maior parte dos efeitos ativados e qualidade alta, mas infelizmente não aconteceu.

Independentemente das configurações gráficas escolhidas, o jogo sofreu com oscilações de desempenho que dependiam majoritariamente da região em que estávamos. Em ambientes fechados (que demandam menos da máquina), conseguimos atingir valores superiores a 60 frames por segundo até mesmo com o Ray Tracing ativado e todas as configurações nos valores máximos possíveis. Em ambientes abertos, foi possível manter essa taxa em alguns momentos, mas em ambientes como a parte comercial de Japan Town, os frames caiam para meros 34 por segundo. E mesmo colocando o jogo com as configurações mínimas e sem nenhum filtro ativado, não conseguimos manter uma taxa estável acima de 60 fps.

Ficamos curiosas se isso teria acontecido pelo jogo estar levando o hardware ao limite, mas ao utilizarmos um software externo de monitoramento, percebemos que a taxa de utilização do processador dificilmente chegava a 60%, a placa de vídeo não ultrapassava 80% e o uso de memória jamais superou 11 dos 24 GB. Assim, fica claro que o desempenho está sendo limitado por questões relativas à otimização do jogo, e não por falta de capacidade do hardware. Pesquisamos na internet possíveis soluções, mas de acordo com alguns artigos, o jogo possui em suas próprias configurações alguns limites ao uso de hardware, e se for este o caso, esperamos que isso possa mudar em uma das próximas atualizações. O uso da tecnologia DLSS melhorou um pouco o desempenho, mas o jogo ainda assim não exigia muito do hardware e não entregava um desempenho decente.

Curiosamente, diversos jogadores relataram ter conseguido manter taxas de frames estáveis e acima de 30 fps em máquinas mais modestas, o que definitivamente deve ser considerado um ponto positivo.

O futuro está aqui?

Depois de falar um pouco sobre a ambientação, a arte e o desempenho do jogo, precisamos responder a maior das perguntas feitas pelo público: Cyberpunk 2077 é o futuro dos jogos? E é com um pouco de pesar que a resposta para essa pergunta é… Não. E precisamos explicar muito bem para que não entendam errado a nossa resposta.

Cyberpunk 2077 reúne diversos sistemas que muitos de nós já conhecemos de jogos lançados anteriormente: um sistema de combate que lembra Fallout e Shadow Warrior, um mundo aberto urbano como o de GTA V, a possibilidade de hackear o ambiente e inimigos como em Watch Dogs e jogos da saga Deus Ex, um sistema de diálogos clássico de grandes RPGs e um sistema de investigação que talvez seja o seu ponto mais inovador. E ainda que conseguir combinar todos esses sistemas seja algo que deve ser valorizado, a sensação que fica é que nenhum destes sistemas é realmente inovador ou melhor do que o dos seus antecessores.

Vamos falar sobre o combate, por exemplo: suas opções são armas de fogo, espadas ou hackear os inimigos. Por vezes, os três ao mesmo tempo. Mas o uso das armas de fogo não é tão preciso e satisfatório quanto a maior parte dos jogos de tiro em primeira pessoa, o uso das espadas não é tão divertido ou consistente quanto em Shadow Warrior, e o uso do hacking em primeira pessoa não é nem de longe tão interessante quanto poderia ser. No caso deste último, a visão exclusivamente em primeira pessoa limita (e muito) as possibilidades de controle de ambiente que você poderia ter caso a câmera pudesse se afastar um pouco (e o engraçado é que você pode fazer isso enquanto dirige, mas não em combate). Alguns ambientes poluídos e confusos por vezes fazem com que você não tenha outra opção senão abrir fogo de uma vez, e a gente realmente esperava que o combate desse mais opções e que fosse um pouco mais refinado, sabem?

Tendo isso em vista, levantamos aqui um questionamento: o jogo não seria melhor se permitisse o uso da câmera em terceira pessoa a qualquer momento?

Inclusive porque as cenas de sexo em primeira pessoa são meio… bizarras.

Jogos mais antigos, como Skyrim e Deus Ex Human Revolution, fazem isso com relativo sucesso, e ainda que algumas pessoas possam achar que isso “facilitaria demais” o jogo, várias das mecânicas poderiam se tornar mais interessantes dessa forma. Você poderia explorar melhor os ambientes, rastrear inimigos e equipamentos (levando o hacking a outro nível), aproveitar os cenários (que, de novo, são maravilhosos), e até mesmo implementar um sistema de combate corporal em que o jogador precisasse se esquivar ou lutar de forma mais interessante (como em The Witcher) do que simplesmente clicar várias vezes em direção ao oponente e dar alguns pulinhos pro lado ou pra trás.

Além disso, duas coisas saltam muito aos olhos com relação ao combate. A primeira é que a Inteligência Artificial do jogo não parece muito bem trabalhada. Em algumas cenas de confronto, inimigos que estão utilizando cobertura ambiental não processam a sua aproximação e ficam parados, por vezes falando coisas sem sentido ou ficando simplesmente paralisados, enquanto você pode fuzilá-los à queima-roupa. Em outros momentos, você sequer está na linha de visão inimiga, mas de alguma forma eles conseguem hackear sua personagem sem dificuldades, causando um dano chato pra caramba, de uma forma meio sem sentido.

A segunda parte mal trabalhada é a questão dos policiais de Night City, que literalmente se materializam onde você estiver na hora que você comete um crime. Está dentro de um elevador? No alto de um prédio? No meio do deserto? Andando em cima de uma grade? Não importa, eles simplesmente aparecem onde você estiver, aos montes, e começam a atirar contra você. Passa a sensação que, dentro da cidade, os policiais poderiam estar à paisana e que se deslocaram rapidamente pra atender a ocorrência, mas fica claro em outros ambientes que na verdade o que acontece é que eles se materializam do ar. Nós temos muitos exemplos de jogos que fazem isso de forma menos clara e melhor (como em GTA V, lançado há mais de sete anos), e esse tipo de sistema não condiz com um jogo AAA de 2020.

Se você gosta de saídas alternativas para missões, ou mesmo de um estilo furtivo, daqueles em que você se move nas sombras e hackeia inimigos e sistemas sem ser visto, talvez a experiência seja particularmente frustrante. Sabe aquele negócio de seguir um guarda até ele chegar em casa, observar os segredos dele e chantageá-lo para conseguir acesso a um lugar que você deve invadir? Isso definitivamente não é Cyberpunk 2077. A furtividade pode fazer com que você pegue um inimigo desprevenido, e que descarte seu corpo em uma lixeira ao melhor estilo HITMAN, mas certamente não é precisa o bastante para que você jogue como um assassino profissional. Às vezes, você se posiciona agachada atrás de um objeto e tenta dar um toquinho para o lado para poder ver um pouco melhor o ambiente e o jogo entende que você queria dar um salto para o lado e sair do modo furtivo, alertando o prédio inteiro. E você se vê obrigada a carregar um jogo salvo anterior ou sair trocando tiro com todo mundo. Não é legal.

Aproveitando o gancho das saídas alternativas, podemos tocar em outro ponto em que a falta de inovação pode ser um pouco decepcionante: a linearidade da trama do jogo. Antes que alguém entenda errado, Cyberpunk permite a você interagir de várias formas diferentes com personagens, e suas escolhas possuem sim algum impacto na trama e no desenrolar de cada missão. Porém, essa é a regra para qualquer jogo de RPG atual, especialmente em um título AAA. Você pode abrir diálogos e reações diferentes dos personagens dependendo das suas habilidades e do seu background, mas isso não parece afetar tanto assim a forma como a conversa se desenrola ou o rumo da missão. No início do jogo, por exemplo, passamos por uma missão em que precisávamos rastrear uma pessoa, e para descobrirmos onde ela estaria, precisávamos interrogar algumas outras pessoas da região. Uma garota de programa possuía a informação e queria vendê-la por um valor alto – mas felizmente os nossos edinhos (o nome pra dinheiro dentro do jogo, que aliás simplesmente adoramos) foram salvos graças ao nosso passado como nômade: encontramos outro nômade no local que ao se sentir nostálgico com nossa conversa, passou a informação. É legal? Sem dúvidas. Mas, de novo, já é uma ferramenta comum nos jogos. No fim, o que conta é que os dois caminhos que poderíamos passar convergiam para a mesma coisa, e muito do jogo é assim.

Melhor personagem, melhor nome pra moedas.

Ainda dentro da parte de interpretação da personagem, o jogo possui alguns contrastes estranhos e aparentes falhas em diálogos. Talvez um dos pontos mais perceptíveis nisso é que a V das missões principais é uma pessoa muito menos empática do que a V das missões secundárias. Por vezes, o jogo te dá opções de diálogo que parecem discursos de conciliação e que na prática se desdobram de uma forma totalmente diferente do planejado, colocando a personagem pra responder algo de maneira bem mais ácida que o preview das opções de resposta. Não sabemos dizer se a tradução dos diálogos foi feita de forma imprecisa, mas era meio triste ter uma intenção nas respostas, escolher a que mais parecia certa e acabar tendo um resultado mais tenso porque a resposta não era nem de longe o que o preview dava a entender. E não adiantava voltar no save e tentar usar outra resposta em determinadas situações: muitas vezes o resultado era o mesmo no final.

Por fim, talvez o sistema mais inovador do jogo é o de análise e edição de “Neurodanças”. Basicamente, essa mecânica permite a você reviver e investigar memórias de eventos passados por outras pessoas, em busca de evidências no comportamento de personagens e de análises de sons, sensações e imagens que possam ter passado despercebidas no momento. O sistema, de acordo com a lore do jogo, é utilizado para simular sensações, e o uso mais comum é com pornografia e simulações de morte, para quem quer saber como é – no último caso, sem ter de passar pelo trauma. Mas para V, essa é uma ferramenta interessante de reconhecimento e uma mecânica que poderia ter sido mais presente e aprofundada no jogo. Isso porque não é difícil esquecer que isso faz parte do jogo quando você quase não tem oportunidades para utilizar a mecânica, principalmente fora das missões principais.

Assim, podemos afirmar que o jogo consegue conciliar boa parte de suas mecânicas e tem uma jogabilidade boa. Não é uma jogabilidade ótima, excelente ou excepcional. Lamentavelmente não parece trazer grandes inovações que possam inspirar as gerações seguintes como o hype sugeria, e tampouco nos oferece um olhar sobre o futuro dos jogos. Cyberpunk 2077 reúne de forma competente o que já temos em outros jogos dessa geração, mas sem ir muito além disso.

No final, infelizmente fica bem forte a sensação de que é realmente um produto inacabado. Que um pouco mais de tempo de desenvolvimento, uma fase mais sólida de testes e menos cobrança com relação aos prazos poderia ter ajudado o jogo a ser, de fato, um dos melhores de 2020.

Os fãs de longa data do RPG de mesa podem ter uma opinião bem diferente da nossa, afinal o jogo é como uma materialização de algo muito querido. Algumas pessoas têm falado que aqueles que conhecem os sistemas, campanhas e histórias do RPG de mesa aproveitam muito melhor a experiência do jogo, mas a realidade é que a maioria do público não tem esse perfil. E também devemos entender que o jogo não foi lançado como um projeto de nicho, mas sim como um dos maiores produtos para o público de massa dentro desse ano. Assim, todos deveriam ser capazes de sentir essa experiência maravilhosa, não apenas uma parte dos fãs.

RESUMO

Pontos Positivos

  • Construção de um universo altamente imersivo e esteticamente agradável;
  • Trilha sonora e gráficos excelentes;
  • Missões em geral divertidas e interessantes;
  • Keanu Reeves e todo o seu charme interpretando um personagem meio cuzão;
  • Certo nível de liberdade para personalização da protagonista e do estilo de jogo, com ressalvas.

Pontos Negativos

  • Muitos bugs, sendo que diversos deles atrapalham a experiência de jogo;
  • Pouca ou nenhuma novidade com relação aos jogos desta geração e sistemas imperfeitos;
  • Falta de otimização e desempenho inconstante do jogo;
  • Customização de personagem limitada em determinados pontos;
  • História principal corrida e muito deslocada das demais missões;
  • Dublagem inconsistente;
  • Narrativa e alguns elementos do jogo caindo em alguns tropos problemáticos (Mulheres na Geladeira, por exemplo) que não falamos em detalhes pra não dar spoilers. Quem quiser conferir pode acessar essa e essa matérias pra ter uma ideia;
  • Sensação de que o jogo não foi finalizado, e que o produto final poderia ser muito melhor.

NOSSO VEREDITO
77/100

Cyberpunk 2077 é um RPG ambientado em um universo incrível, com um estilo de arte único, mas que não atingiu as expectativas criadas. É capaz de oferecer uma boa jogatina casual de ação em um universo futurista, mas seus bugs e sistemas mal finalizados ainda não oferecem a experiência elevada prometida antes de seu lançamento.


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