E, claro, culpando o feminismo também, pra variar. *rolleyes*

Gamers machistas (pleonasmo? fica a dúvida) estão de volta com suas besteiras habituais, desta vez enchendo a paciência porque acham que as mulheres em Mortal Kombat 11 não estão suficientemente gostosonas e “vestindo roupa demais“. Alguns deles, imaginem, estão culpando o socialismo, o feminismo, o jornalismo, o marxismo e todos os possíveis ismos por isso – e essa não é a primeira vez que algo assim acontece.

Nós queríamos de verdade que isso fosse piada. Queríamos meeesmo.

Mas vamos lá, de qualquer forma.

É bem provável que a maioria das pessoas jogando o novo Mortal Kombat está se divertindo bastante, já que, por exemplo, o Metacritic deu ao jogo uma média de 83 pontos da crítica especializada. Nós testamos o jogo um pouco e gostamos bastante do que vimos nessa fase inicial. No entanto, o site sofreu um “bomb review” e grande parte dos players pontuaram o jogo em apenas 3.1 – e o uso frequente dos termos “SJW” (guerreiro de justiça social) e “mulheres feias” nessas reviews conta uma história bem diferente.

De onde surgiu a bomb review? De um blog (bem incel) chamado One Angry Gamer. Um de seus blogueiros, William Usher, twittou: “Todo mundo está rindo das caras feias das mulheres em #MK11”, reclamando do que ele entende por “roupas muito puritanas”. E continuou: “Esperem o #MK12 entrar totalmente em modo #BatalhaDeBurca com as personagens femininas”.

Outras pessoas que ficaram #xateadas com o redesign das personagens femininas em Mortal Kombat 11 concordaram com Usher e entraram na roda – incomodando a grande parte de pessoas minimamente decentes que jogam videogames porque simplesmente gostam de jogar, e não de bater punheta pras personagens do jogo.

Um usuário do Twitter, outro cavaleiro desse apocalipse, com o nick “FightingSJWCensorship” (hoje banido da plataforma, pelo bem geral da sanidade de seus usuários), culpou o socialismo, os jornalistas de jogos e o feminismo da terceira onda (bem específico ele, né?) por provocar o aparecimento de “personagens femininos de merda como esses”. E o vazamento de chorume continuou…

Ele diz, e eu infelizmente traduzo: “Fodam-se os socialistas fingindo ser jornalistas de videogame no Oeste, fodam-se as feministas da terceira onda no Oeste, fodam-se também as pessoas que gostaram dos designs da NetherRealm para suas personagens femininas!! Eles são a razão de nós ganharmos personagens de merda como essas”

Não temos nem palavras pra responder esse tweet.

Abaixo, outros exemplos dos tweets na conversa:

Felizmente apareceram algumas pessoas respondendo e fazendo piada do nível ridículo da discussão. Apesar de que o número alto de likes e respostas assertivas de outros gamers absolutamente revoltados com o redesign me fez questionar seriamente os rumos que a humanidade está tomando…

De qualquer maneira, uma pessoa racional que veja esses tweets pode simplesmente pensar que isso é uma reação exagerada… e ela estaria certa. É, de fato, uma reação quase infantil e desmedida, simplesmente porque a empresa não alterou o design de nenhuma personagem de forma absurda, como passar do fio-dental pra burca. Principalmente porque não faz absoluto sentido dizer que o próximo passo depois da redução da sexualização, que é o que aconteceu realmente no MK11, é a transformação das personagens em espécies de freiras, por assim dizer.

E dizer que o redesign deixou as personagens feias? Faz menos sentido ainda! As mulheres de Mortal Kombat 11 ainda são muito atraentes e, sinceramente, mesmo que não fossem, são personagens de um jogo de luta, não atrizes pornô. O propósito delas não é fazer seus falos incharem, é fazer o jogador lutar, criar estratégias e batalhar. Só isso mesmo. É óbvio que é legal quando as personagens são bem desenhadas, mas isso é algo totalmente diferente do que estava gerando a discussão. A reação dos reclamantes era: não estão mais hipersexualizadas, logo, estão feias.

Essa atitude arrogante de certos gamers de que as mulheres nos videogames DEVEM ser atraentes reflete na expectativa de que as mulheres nos jogos são apenas “chaveirinho de homem“, acessórios, ou seja, produtos criados apenas para satisfazer o público masculino heterossexual. O Baraka, por exemplo, pode ter uma cara horrenda com uma boca cheia de dentes e não causar nenhuma controvérsia, porque afinal de contas não é controverso um homem ser pouco atraente. Mas a Sheeva (aquela personagem meio-humana meio-dragão) evoluir o design – adquirindo aquele queixo ligeiramente mais largo (mais étnico?) e vestindo uma armadura beeeeeem mais realista e beeeeeem mais útil em batalha e não aquele projeto de fio dental – é aparentemente uma imagem TÃO PERTURBADORA para esses players que é passível de se considerar uma TRAIÇÃO aos “jogadores raiz”, os “jogadores de verdade” de Mortal Kombat.

sheeva antes e depois
Redesign da Sheeva de MK11. Ela é MEIO DRAGÃO, PELO AMOR DE TODOS OS DEUSES!

Abaixo mais chorume e mais piada:

Aqui, vemos o nosso amiguinho banido comentando: “Você viu a Sheeva do MK11, Billy? Ela tem cara de homem. Eu estão tão puto, eu não consigo nem expressar o quão puto eu estou no Twitter. Foda-se a NetherReam, foda-se MK11…” e bla bla bla.

Em resposta, um user fez a piada que me definiu:

Calma aí, filho, é só um desenho

O que quero dizer é o seguinte:

Essa sensação que esses caras têm de que eles “têm direito” sobre as coisas (entitlement, em inglês) é tão profunda que quando a expectativa de um certo nível de sensualidade não é atendida, acusações de censura e “pressão SJW” são feitas como se essas fossem as únicas explicações possíveis.

Vamos exemplificar. Primeiro, o episódio de quando veio à tona que um mini-game romântico tinha sido removido do jogo Fire Emblem Fates para lançamento nos Estados Unidos justamente por causa do enredo que fazia com que uma lésbica recebesse uma poção para fazê-la gostar de homens – os jogadores atacaram e assediaram fortemente a então porta-voz da NintendoAlison Rapp, falando sem parar sobre “censura”, até que ela fosse demitida. Segundo, o episódio de quando substituíram um biquíni revelador por uma roupa comum em uma personagem de 13 anos no jogo Xenoblade Chronicles X, e então os jogadores no 8chan (não dá pra falar do inferno sem que chans sejam citados) se uniram para inundar a Nintendo com cartas contra essa “censura” também. Em uma entrevista com a Kotaku, o diretor executivo da XCX disse o seguinte sobre as mudanças feitas no jogo: “Eu realmente não me importava muito, na verdade”. Mas nós nos importamos. E fazemos questão de afirmar:

Empresas responsáveis por fazer ou reter direitos autorais de jogos que não estão atendendo as exigências de um público em particular (insensível e misógino, vamos deixar claro) não estão todas desenvolvendo “métodos de censura”, elas simplesmente decidiram ter um marketing para audiências mais amplas. Muitas vezes, mais inclusivas.

Afinal, quanto maior o público, maior o lucro.

Ironicamente, é importante notar que as mesmas pessoas que afirmam na internet estar lutando pela liberdade de expressão em videogames agora estão tentando punir a NetherRealm Studios por fazer um jogo que eles consideraram “ofensivo”. Sendo que o que eles consideraram “ofensivo” foi nada mais que a obrigação da empresa simplesmente reduzir o decote das personagens femininas, colocá-las em trajes mais característicos das próprias personagens e, em alguns casos, alterar levemente suas estruturas faciais. Em suma, tornaram as personagens mais realistas, menos sexualizadas, menos objetificadas – e isso é “ofensivo”.

Se personagens femininas nos games não tiverem hiperlordose lombar, coluna vertebral elástica ou ausência de órgãos internos, isso é “ofensivo”.

fikdik boys

Quando sites da Gamergate como o One Angry Gamer afirmam que as personagens femininas de Mortal Kombat 11 estão sendo “dessexualizadas” (o horror, o horror), eles argumentam que “a atratividade das mulheres é puramente definida pelo olhar masculino“. É o quê?

Só mais um exemplo do quão egocentristas esses gamers podem ser.

Mas vamos discutir um pouco mais sobre, para poder entender como o redesign na verdade faz total sentido: reparem o redesign da Sheeva. Mortal Kombat 11 se livra de sua tradicional “roupa” e se concentra mais em sua forma física, com músculos definidos e expressão tensa – que representa muito bem o jeito cruel e tribal da raça Shokan em geral, onde seus integrantes precisam ser fortes e brutais pra serem dignos de sobrevivência ou liderança. A personagem tomou mais consenso com a própria espécie (meio-humana/meio-dragão), sendo alguém que demonstra visível e enorme força física, principalmente por causa dos traços mais animalescos. Afinal, o que esperar de uma personagem que é baseada em Shiva, o deus da destruição?

Mas, claro, o tal Usher do blog One Angry Gamer (que só não vou deixar linkado aqui porque quero poupar vossos olhos do câncer que isso proporcionaria) não percebe isso ou não se importa mesmo, porque tudo o que ele tem a argumentar da personagem é que “parece que ela acabou de cheirar um peido fedendo cheetos podres”. Maturidade, amigos, é uma dádiva. Ao que parece, se uma personagem feminina não é pessoalmente atraente para ele e outros homens… Bom, ela só pode ser uma “lésbica caminhoneira” ou algum tipo de monstruosidade “sem sexo”. E isso é um absurdo sem tamanho de se dizer.

Uma personagem pode ser atraente sem ser projetada especificamente para os desejos sexuais de homens hétero, justamente porque homens hétero não são o barômetro para definir quem é sexy ou não. Atratividade vem em muitas formas.

A Frost, por exemplo, tem um visual mais masculino e um corte de cabelo que também é associado com lésbicas. Os jogadores podem não aprovar o visual, mas isso não diminui o quão atraente ela é. Significa apenas que alguns jogadores do sexo masculino não gostam disso. Só.

Frost em MK11.
Frost em MK11.

Um adendo ao assunto: Mortal Kombat não é exatamente o céu LGBT dos games. Na verdade, a NetherRealm Studios deixou de fora do MK11 o primeiro personagem assumidamente gay da série, Kung Jin, apesar de ter acabado de apresentá-lo em Mortal Kombat 10. Duas outras personagens importantes do MK – que aparentemente e coincidentemente estavam em um relacionamento lésbico -, Mileena e Tanya, estão desaparecidas do novo jogo também. E esse é um ponto necessário a ser mencionado. E a ser mantido em mente, principalmente pra fins de senso crítico.

Enfim, embora algumas das personagens do jogo “pareçam lésbicas” (seja lá o que isso signifique), ou não sejam tradicionalmente “femininas”, TODAS ainda são um tanto convencionalmente atraentes, levando em consideração padrões normativos de beleza. Senso bem sincera, não vi UMA protagonista feia nesse jogo (ok, a D’vorah é bizarra mas não é exatamente feia também, os traços do rosto e do corpo dela são bem definidos e bem desenhados), então olhem bem e tirem suas próprias conclusões:

mk11 personagens 1mk11 personagens 2

Ahhh mas tá de máscara, não dá pra ver” Então olha:

Olha de novo:

Honestamente, não parece que os caras reclamando dessas personagens estarem “feias” fazem um esforço hercúleo pra gostar de mulher? É só o que consigo concluir.

Eu, pessoalmente, fico feliz demais com as alterações nas personagens, de verdade. Ao menos pra mim, todos os redesigns ficaram incríveis e deram mais personalidade e maior abertura para identificação com elas. Eu poderia até fazer um post falando só disso, mas o ponto aqui é: eu, mulher, senti vontade de jogar. Por causa do novo visual das personagens, especificamente. E essa é EXATAMENTE a intenção da NetherRealm Studios. Trazer mais mulheres pro jogo, expandir o público.

Mas podemos ainda adentrar no aspecto de outra personagem: a Sonya Blade. Ela pode ter quadris mais “masculinos”, um busto menor e uma armadura militar mais realista que não exponha suas costas e costelas, mas ela certamente ainda é projetada para parecer atraente. Outro ponto importante a se notar é que o jogo envelheceu, logo, seus personagens também. Sonya foi amadurecendo nos jogos e, durante a nova linha do tempo de MK, ela é apresentada como esposa de Johnny Cage e mãe da Cassie Cage. Não dá pra esperar que ela sempre tenha aquela aparência de mocinha, né?

sonya blade
Redesign da Sonya Blade de MK11.

E não é como se ela não tivesse outras skins que deixam seu corpo mais exposto ou com uma aparência mais sexy:

Sonya Blade no MK11
Sonya Blade no MK11.

E daí a gente pode mencionar outro ponto importante:

Os homens do jogo, por outro lado, são feitos para parecerem macabros, ferozes e poderosos: a fantasia suprema do poder masculino.

Enfim, a resposta ao redesign das mulheres de Mortal Kombat 11 é emblemática do cabo-de-guerra cultural nos videogames sobre quem está sendo “atendido”. Um lado vê os “biquínis” de Mortal Kombat de antigamente como atendimento para homens heterossexuais (eu meixma), o outro vê as novas roupas como atendimento às feministas. Porém, eis um fato: enquanto uma minoria vocal de jogadores reacionários tenta alegar que essas mudanças “SJWs”, como as feitas no jogo Fire Emblem Fates, afugentam “jogadores raiz”, esse jogo na verdade teve a maior estréia nacional de qualquer jogo de Fire Emblem antes. Outro fato: enquanto alguns jogadores amargos chamam a Jade de feia, os fãs do subreddit de Mortal Kombat a acham linda, postando exatamente as mesmas imagens que os jogadores amargos criticam.

Quem tem coragem de chamar essa bb de feia?

Em outras palavras:

É difícil acreditar que os jogos estão sendo arruinados por “SJWs”, simplesmente porque eles não estão. Mais pessoas estão jogando videogames do que nunca antes na história, e alguns jogadores só estão ficando putos por não ser mais apenas sobre eles.

Mas esses homens vão ter que entender, mais cedo ou mais tarde, que

NEM

TUDO

NA

VIDA

É

SOBRE

ELES.

Melhor fatality do jogo, btw.
Melhor fatality do jogo, btw.

EDIÇÃO DA REDAÇÃO: 

Vamos lá ser didática com gamer porque, pela reação ao post, tá precisando.

Gamer É machista. Gamer É preconceituoso. E isso não é um caso de exceção. É a regra. A CLASSE gamer é e sempre foi assim. Não estamos apontando dedos individualmente. Estamos afirmando que o comportamento padrão é esse.

Já disse isso em vários posts no site e vou repetir aqui: homens nerds e gamers preconceituosos existem e aos montes, não adianta tentar minimizar. Parem de querer colocar aspas nas palavras. Não é “homem”, é homem mesmo. Não é “gamer”, é gamer mesmo. Admitir que no meio gamer existe muita gente tóxica, do seu gênero, é o primeiro passo pra eliminar o problema.

Sempre que os fanboys têm uma reação explosiva para defender a si mesmos e seus companheiros das generalizações ou de afirmações de não serem inclusivos/de estarem fazendo alguma bosta, eu só tenho vontade de balançar uma bandeira gigantesca com a seguinte pergunta:

O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO PRA IMPEDIR ESSE TIPO DE COMPORTAMENTO?

Esse é o ponto da coisa, para aqueles de vocês que não são racistas, homofóbicos, machistas ou com qualquer uma dessas ideias reacionárias e preconceituosas na cabeça, especialmente se você é branco, cis e homem: você precisa enfrentar essas pessoas. Isso não significa que você precisa chamá-los com linguagem abusiva ou trazer suas mães pra conversa, mas está na hora de dar nome aos bois: chamar um racista de racista, um machista de machista, um homofóbico de homofóbico. Tá na hora de parar uma gamer falando bosta e dizer “Cara, tu tá falando bosta!” – e parar de tentar ser legal (vulgo passar pano) ou deixar essa batalha para os membros marginalizados da comunidade gamer.

Esses tipos de gamers preconceituosos estão fazendo VOCÊ parecer mal também. Eles estão perpetuando estereótipos sobre você, e toda vez que você deixa um deles pra lá porque você “meio” que concorda com eles sobre odiar uma personagem, uma mulher ou qualquer coisa do tipo, suas preocupações legítimas só estão sendo acumuladas num mar de merda.

Então, senhores nerds, gamers, brancos, héteros, vocês precisam ficar de olho na sua comunidade.

Aliás, vamos deixar algo bem claro: o problema do post não foi um caso isolado. Não foi uma pessoa só que criou esse rebuliço. VÁRIAS pessoas concordaram com o Usher, é só acessar o tweet no corpo do texto e conferir. Mais de mil players fizeram esse tipo de crítica ridícula e vazia no Metacritic, e a pontuação do jogo diminuiu AINDA MAIS desde a publicação deste post.

user score

Novamente, o que aconteceu foi um bomb review, um ataque de chilique em massa contra o jogo e é algo que é bem fácil de ser consultado e confirmado.

Alguns de vocês podem interpretar esse post como “dar palco” pra gente tóxica, mas nós interpretamos isso como “expor comportamento negativo”. E isso está sendo necessário. Tá precisando SIM expor porque vocês homens são muito protecionistas do próprio gênero. É só falar “olha lá os caras fazendo bosta” que surge homem das esquinas mais escuras deste mundo pra gritar “NEM TODO HOMEM”.

APRENDAM: Tem SIM gamer bosta na comunidade. Tem homem PRA CARALHO não só falando bosta e enchendo a paciência, mas espalhando absurdos, provocando ataques, assediando. Esse post foi uma demonstração só da superfície do que mulher tem que suportar diariamente na comunidade gamer.

Poupem as nossas inteligências e poupem o tempo de vocês: se vocês não são assim, não vistam a carapuça, é bem simples. Se virem alguém agindo dessa forma, tenham o compromisso de enfrentar essa pessoa.

O post está aí pra mostrar que esse tipo de gente existe e continua existindo porque vocês não enfrentam. E esses posts surgem exatamente porque:

Estamos cansadas (pra caralho) de enfrentar sozinhas.


Texto traduzido e adaptado do TheDailyDot.
Imagens: NetherRealm Studios

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