Um tropo entre mãe e filho que precisamos conversar sobre.

De Jason Vorhees a Anakin Skywalker, um vínculo próximo entra mãe e filho tem sido utilizado há muito tempo como um recurso para humanizar os vilões masculinos. “O melhor amigo de um garoto é a sua mãe”, afirma Norman Bates em Psicose. Às vezes, esse vínculo é usado meramente como uma provocação, como um insulto do tipo “sua mãe!!”, para irritar um personagem.

Muitas vezes, a relação mãe e filho é explorada como uma fraqueza para abalar a confiança de um “inquebrável” vilão ou anti-herói.

“Eles continuavam me arrebentando e esfregando uma confissão na minha cara. E eu segui cuspindo sangue sobre elas, rindo de quantas cópias novas eles traziam para mim” – o ex-condenado Marv narra em Sin City. “Então veio aquele verme assistente da promotoria, que desliga o gravador e diz que se eu não assinar a confissão, eles vão matar a minha mãe. Eu quebrei o seu braço em três lugares e então assinei”. Quando isso é explorado com maior profundidade, porém, o vínculo que vemos é como uma faísca de esperança para a salvação de um vilão homem, o que é apresentado como a causa de grande conflito interno para o personagem.

Em contraste, tanto personagens femininos quanto masculinos que tenham um vínculo forte com a figura paterna acabam por receber a bênção da força e confiança, associadas tradicionalmente com a masculinidade.

Para piorar, a “filhinha do papai” normalmente é uma figura problemática e abrasiva; no seu melhor, é apresentada como durona, casca grossa e normalmente ótima no manuseio de armas ou troca de pneus. Ela pode ser legalzona, masculinizada ou delicada – a “filhinha do papai”, que quase sempre se beneficiará de traços (tradicionalmente relacionados) ao sexo masculino. Elas são “o pacote completo”, o que não é naturalmente algo ruim.

O problema é que os “filhinhos da mamãe” não trazem as mesmas recompensas de sua afinidade materna.

Em vez disso, eles parecem ter sua noção própria interrompida pelo vínculo, e às vezes até mesmo corrompida. Isso é um tipo de história de fundo muito comum para vilões homens, antagonistas ou personagens “estranhos” – e o vínculo com sua mãe é coberto por estereótipos negativos a que somos condicionados pela proximidade entre mãe e filho: que mães solteiras criam garotos moles, fracos e dependentes. E que esses homens crescem para se tornarem monstros. E não como algo incidental mas como uma consequência da criação.

Os filmes de terror ajudaram a popularizar esse elemento na cultura pop. As mães de Norman Bates e Jason Vorhees são tratadas literalmente como a causa: mães e filhos estão presos e unidos pelo mal.

Fora do universo do terror, as coisas podem se tornar ainda mais complicadas. Para mergulhar nisso, vamos explorar alguns diferentes exemplos sobre como isso acontece com alguns dos mais populares vilões rotulados como “filhinhos da mamãe”.

LOKI

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(imagem: Marvel Entertainment)

No universo cinematográfico da Marvel, a dinâmica entre Thor, Loki e seus pais é bem fácil de reconhecer: um filho tem mais proximidade com um dos pais do que com o outro. Thor é próximo de seu pai Odin, um líder nato, guerreiro e cheio de vontade de batalhar apesar de possuir esse vínculo com seu pai adotivo; Loki claramente é mais próximo de Frigga. Ele possui sua magia, algo que Thor não possuía interesse ou talvez capacidade de aprender. Ele também tem a sua ferocidade de espírito. E quando vemos Frigga se erguer para proteger seu marido ou dar a sua vida para defender Jane Foster, podemos perceber a mesma tenacidade compartilhada.

Loki é caracterizado como alguém que sempre quis ter coisas que não possuía, seja o trono ou a atenção de seu pai, e ao mesmo tempo alguém ingrato com relação as coisas que possui, como uma alta posição na sociedade Asgardiana, magia poderosa e o amor incondicional de sua mãe. “Eu também não tenho seu amor?” – pergunta Frigga, claramente ferida, ao visitar seu filho encarcerado em Thor: Mundo Sombrio. Ele até parece sentir algum arrependimento, mas sua resposta é amarga e infantil.

Depois da morte dela, a falsidade da negação de Loki é descontada com mobília quebrada, pés ensanguentados, uma expressão triste e uma péssima tentativa de esconder seu luto do irmão, que como sempre, não foi enganado por suas ilusões.

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(imagem: Marvel Entertainment)

Vocês podem discutir que Loki também tem as complicações de ser um filho adotado, órfão de guerra, mas ele cresceu sem saber de nenhum desses fatos. Esses fatos não o tornaram aquele Loki que conhecemos no primeiro filme de Thor.

Loki na verdade se sente como “o outro” por causa da sua conexão com a mãe, e apesar de no fundo valorizar sua afeição, a força e habilidades passadas por ela, seu ressentimento disso é o que alimenta a inveja contra seu irmão.

O Mundo Sombrio termina com Loki em uma posição de estabilidade: livre da mãe e tendo superado o pai por meio de trapaça. Nesse ponto, o esforço de Thor para superar os traços negativos herdados de Odin já ficou para trás. Loki, por sua vez, continua parecendo uma ferida mal costurada, ameaçando retornar a qualquer momento.

KYLO REN

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(imagem: Disney/Lucasfilm)

Apesar da história ainda precisar ser explorada de maneira mais profunda, há muitas evidências nos dois primeiros filmes da nova sequência de Star Wars que apontam que o vínculo de Ben Solo com sua mãe será muito mais difícil de romper do que o vínculo com seu pai. Assim como Loki, a herança de certas habilidades entre mãe e filho intensifica essa conexão. Ambas crianças da realeza que  herdaram habilidades místicas do lado materno da família, se tornando mais fortes e também mais fracos por causa disso. Os momentos de maestria de Kylo com a Força são alternados com seus surtos de raiva, por exemplo. Ele ficaria feliz em saber como sua virada para o lado sombrio da força possui paralelismos com a de seu idolatrado avô, cujo gatilho foi a morte de sua amável mãe solo.

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(imagem: Disney/Lucasfilm)

Matar seu pai talvez tenha dividido sua alma em duas, mas foi algo que Kylo conseguiu fazer frente a frente, quase sem hesitar (em O Despertar da Força). Já quando tentou matar sua mãe, a uma longa distância com o simples apertar de um gatilho, em Os Últimos Jedi, Kylo congelou.

A dramatização aumenta exponencialmente nesse momento de tensão, com as memórias entre mãe e filho fluindo através da conexão pela Força. O garoto perseguia eternamente seu pai, desesperado para ser um piloto como ele, enquanto a mãe sofria pelo seu retorno. Apesar de ter uma conexão inata com sua mãe, Ben Solo sonhava em ser como seu pai.

Acreditando que a mãe havia morrido quando outro piloto terminou o seu serviço, Kylo entra em um arco de história estranhamente parecido com o de Loki em O Mundo Sombrio: se une a seu inimigo e abre um inesperado caminho para o trono do poder, que subtrai utilizando traição.

ZUKO

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(imagem: Nickelodeon)

Zuko, de Avatar – A Lenda de Aang, é, de uma forma até dolorosa, o óbvio vilão “filhinho da mamãe”. Sua lealdade ao seu pai tirano, o Senhor do Fogo Ozai, é tão profunda que de fato, mesmo após sofrer danos físicos permanentes quando ainda criança, o príncipe banido se compromete a encontrar o Avatar, desesperado para se redimir.

Sua missão começa exaustiva e seus esforços para replicar a crueldade de seu pai não conseguem recuperar a rachadura em sua psique.

Durante a série, descobrimos que Zuko tinha uma relação próxima com sua (agora ausente) mãe, que tentou proteger a capacidade de compaixão e justiça de seu filho, ao lado de sua força na dobradura de fogo.

As falhas de Zuko perante os olhos de seu pai também são medidas pela força de Azula, sua irmã. Ela é o perfeito exemplo de vilã “filhinha do papai” que absorveu e dominou tudo que seu pai queria passar para os filhos, com precisão e ferocidade assustadoras.

A autoconfiança de Azula é o oposto da baixa confiança de seu irmão, e enquanto ela se fechou para sua mãe (aparentemente por uma patológica falta de empatia), o vínculo de Zuko com a mãe acabou fraturando em duas a sua identidade.

Na ausência de sua mãe, ele se dedica integralmente a recuperar a sua honra e manter o seu caminho para a posição de Senhor do Fogo aberta, como a única forma de acalmar o turbilhão dentro de si.

Com a progressão da série, Avatar acaba subvertendo esse padrão ao aplicar a importância do equilíbrio entre os quatro elementos que o Avatar representa às feridas internas de Zuko. Encorajado por seu tio Iroh (o tipo de mentor que Luke falhou em ser para Ben Solo), Zuko olha para dentro de si para entender a história oculta de sua família, recuperando memórias de sua mãe perdida que ele havia tentado rejeitar. Ao se abrir para elas, Zuko se torna capaz de expulsar a influência venenosa de seu pai, veneno que desintegrou a integridade psicológica de sua irmã.

Zuko utiliza seu estado de “filhinho da mamãe” para crescer, deixando de ser um vilão emocionalmente instável e amargo para se tornar um confiante e feliz herói, algo que pouquíssimos vilões na mesma situação conseguiram fazer.

Mas o ponto principal deste texto é deixar claro uma coisa:

Uma sociedade patriarcal ensina a todos que os garotos não devem se inspirar em mulheres fortes. Respeitá-las talvez, mas se inspirar nelas? Não.

Repetidamente, nossas histórias favoritas nos mostram que a vilania de personagens como Kylo e Loki surgiu por falharem em ser como seus pais e que a afinidade com suas mães os tornou fortes por fora, mas fracos por dentro. Com isso, apenas vemos identidades masculinas fraturadas. Enquanto isso, seus oponentes (Thor e Rey), são capazes de encontrar força nos mentores masculinos que Kylo e Loki não conseguiram se conectar: Odin, Heimdall, Han e Luke.

Zuko, por outro lado, é capaz de aprender por meio de influência de seu tio e de sua mãe que características como compaixão e justiça não são exclusivamente femininas, assim como a força e confiança não são exclusivamente masculinas, recuperando assim sua humanidade.

Diferentes da de Zuko, as jornadas de Loki e Kylo ainda não foram concluídas (até hoje, pelo menos). Mas os dois podem embarcar na parte final de suas jornadas (Loki em Vingadores: Guerra Infinita e Kylo em Star Wars: Episódio IX). Salvação ou danação, integridade ou fragmentação são possibilidades que apontam em seus horizontes. Difícil é saber o que o destino guarda para eles.


Texto traduzido do TheMarySue.

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