Cheia de cores e diversidade!

Apesar de o gênero fantasia sempre ter sido parte relevante do cenário da animação ocidental, ele acabou perdendo relevância nos anos 1990 e início dos anos 2000. O grande sucesso de Os Simpsons inspirou um cenário recheado de comédias animadas cotidianas, que alcançaram sucesso tanto na TV aberta quanto fechada. Daria, O Rei do Pedaço e séries de Seth MacFarlane como Uma Família da Pesada e American Dad são apenas alguns exemplos disso.

Já com as animações infantis, a presença da fantasia não chegou a sumir, mas perdeu espaço. Para cada desenho como As Meninas Superpoderosas existia pelo menos um Johnny Bravo. E mesmo quando havia elementos fantásticos nessas animações, sua narrativa era episódica, de forma que cada episódio acabava retornando ao seu ponto inicial, fazendo com que nada mudasse.

Você pode afirmar que existem mais histórias em série com elementos fantásticos na TV moderna do que havia 15 anos atrás, quando Avatar: A Lenda de Aang estreou. A série oferecia um compromisso: possuía muitos episódios soltos, mas com arcos de personagens que eram desenvolvidos ao longo de suas três temporadas. Desde então, poucas séries seguiram esse tipo de narrativa, mas em 2020 não tivemos apenas uma ou duas séries do tipo. Tivemos pelo menos três. Em janeiro, tivemos a estreia do livro 2 de Trem Infinito no Cartoon Network, A Casa da Coruja no Disney Channel e Kipo e os Animonstros na Netflix, todos em um período de poucas semanas. E essas séries podem não ser as mais conhecidas, mas sua importância pode ser suficiente para provar o porquê de estarmos na era de ouro da animação de fantasia.

O texto abaixo contém pequenos spoilers sobre as três séries mencionadas.

Criaturas fantásticas e mutantes

Kipo e os Animonstros estreou em janeiro na Netflix, recebendo críticas extremamente positivas. A série acompanha a titular, Kipo, uma garota de 13 anos que cresceu em uma “toca”, uma das (presumivelmente) várias cidades humanas subterrâneas. Ao que tudo indica, um evento cataclísmico misterioso ocorrido cerca de 200 anos no passado forçou os humanos a se esconderem no subterrâneo, enquanto animais se tornaram gigantescos e sencientes, conquistando o mundo da superfície. Kipo também conta uma doce e única história sobre representatividade estrelada por dois protagonistas negros, sendo um deles gay. Quando o público descobre isso, o personagem apenas assume isso, sem que se torne algo grande. É algo simples e tocante que faz Kipo parecer algo realmente importante.

No início da série, Kipo é lançada para a superfície, ficando presa nesse mundo desconhecido após sua toca ser destruída e sua missão é agora retornar ao seu lar. A história da série é algo próximo a O Mágico de Oz, em que Kipo se apaixona por esse estranho mundo e encontra companheiros em sua jornada que a auxiliam a encontrar seu lar enquanto aprendem uns com os outros. O que torna a série interessante, porém, é a forma como combina um estilo visual clássico de animações ocidentais, mas com criaturas que lembram os mundos fantásticos de Hayao Miyazaki. A série é cheia de sapos mutantes, gatos lenhadores, megacoelhos, vespas elétricas e outras criaturas fantásticas que enchem o mundo de Kipo com um maravilhoso estilo visual.

Comprimento não importa, certo?

Adaptar uma obra de videogame raramente dá certo. Vários filmes inspirados em jogos acabaram se tornando grandes fracassos perante a crítica e de bilheteria, e aqueles que escaparam disso foram os que se inspiraram nos elementos dos jogos, em vez de replicarem toda a sua história. A série de animação Trem Infinito, que completou sua segunda temporada no início desse ano, faz isso com Expresso do Amanhã (2013); pegando emprestado o elemento do trem, mas construindo sua própria identidade.

A história segue a jovem Tulip Olsen, de 13 anos, uma aspirante a programadora de Minnesota que acaba presa em um misterioso trem em que cada vagão contém seu próprio universo interno. Um deles possui corgis falantes, outro é cheio de magos gnomos, um vagão possui apenas um peido. A série segue a estrutura básica de videogames: Tulip possui um grupo que se une a ela em uma aventura. Primeiro uma bola robótica com sotaque britânico e dupla personalidade – uma delas lembra Marvin, o androide paranoico de O Guia do Mochileiro das Galáxias; depois, o rei dos corgis. A segunda temporada mistura ainda um pouco mais as coisas, alterando alguns dos protagonistas.

Enquanto Kipo possui uma estrutura tradicional de temporadas, Trem Infinito é uma minissérie transmitida pelo Cartoon Network em cinco noites, seguindo os passos de O Segredo Além do Jardim. Cada episódio leva imediatamente ao próximo, permitindo uma história completamente serializada. O resultado é um conto extremamente tocante sobre como é crescer em meio ao divórcio dos seus pais, e como os videogames podem nos ajudar a lidar com os nossos sentimentos.

Sobre bruxas e demônios no Disney Channel

Não dá pra contar uma história de fantasia para um público jovem sem revoltar alguns pais, certo? Se unindo ao seleto grupo encabeçado por Harry Potter e A Bússola de Ouro está hoje A Casa da Coruja, a nova série da Disney que conta a história de uma garota que encontra um portal para um mundo mágico onde pode se tornar amiga de uma bruxa rebelde.

Se Gravity Falls é Twin Peaks para crianças, A Casa da Coruja é Harry Potter para um público ainda mais jovem. Desde o primeiro episódio, a série mergulha de cabeça em um mundo com mitologia e história ricas, enquanto vamos conhecendo pequenos pedacinhos delas a cada cena. Nossa protagonista, Luz, quer se tornar uma bruxa, e com isso a série é recheada de referências a bruxas e demônios, o que causou revoltas de alguns pais. Apesar disso, a série é bastante infantil (fiquem tranquilos, pais super protetores) e o que torna a série tão interessante é a sua estética levemente sombria, mas bastante amigável que é influenciada por grandes pintores clássicos como John Bauer e Hieronymus Bosch, com imagética distorcida envolvendo anjos e demônios inspirando o visual de A Casa da Coruja.

Assim como nos aspectos mais sombrios de Hora de Aventura e Gravity Falls, A Casa da Coruja utiliza imagens para dar dicas de um universo muito maior e rico em história e mitologia, com culturas, criaturas e regras, demonstrando o poder que a animação tem em arrastar imediatamente um universo muito maior do que aquele captado inicialmente pelos olhos, e que é explorado nos episódios posteriores.

A fantasia sempre esteve presente na animação, e sempre estará. Esse ano, apesar de tudo, trouxe uma boa quantidade de séries do gênero que são ao menos empolgantes, com histórias interessantes e mundos ricos e cheios de mistério.

Essas três séries foram lançadas em um curto período, com protagonistas femininas, e são capazes de mostrar que houve uma grande mudança no meio em um curto período de tempo.


Texto traduzido da Nerdist.

Compartilhe: