A ausência de avós intergaláticas nas visões do futuro refletem o preconceito de idade e machismo presentes aqui e agora.

O texto abaixo é uma tradução de um artigo de opinião escrito por Sylvia Spruck Wrigley, para a revista Nature. Desta forma, mantivemos o texto o mais próximo possível do artigo original.

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Quando as mulheres envelhecem, elas ganham um superpoder: invisibilidade. E não apenas na vida real.

Obras de fantasia e ficção científica de sucesso para “jovens adultos”, como a série Jogos Vorazes, de Suzanne Collins ou Crepúsculo, de Stephenie Meyers, foram encarregadas de sumir com as mulheres mais maduras.

Na fantasia, geralmente, mulheres mais velhas ocupam papéis de apoio, como fadas madrinhas, idosas sábias ou bruxas malvadas.

As melhores são aquelas que subvertem esse papel como Olenna Tyrell em As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin, por exemplo, ou Granny Weatherwax e Nanny Ogg, da série Discworld, de Terry Pratchett. Todas elas abraçam seu envelhecimento com gosto.

Eu esperava mais das séries de ficção científica, em que mundos alternativos e nações alienígenas exploram o que significa ser humano. Em 1976, afinal de contas, Ursula K. Le Guin argumentou em seu ensaio The Space Crone (A velha do espaço, em tradução livre), que as mulheres pós-menopausa seriam as pessoas mais adequadas para representar a espécie humana frente a espécies alienígenas, porque elas têm uma probabilidade muito maior de ter experimentado todos os tipos de mudança na condição humana. E Robert A. Heinlein fornece uma fantástica avó galática em sua novel The Rolling Stones, publicada em 1952: Hazel Stone, engenheira, colonizadora lunar e jogadora profissional de blackjack, irritada pela misoginia diária do Sistema Solar.

No último ano, com apoio de autores e leitores de todo o mundo, eu pesquisei por mulheres corajosas e competentes, de idade mais elevada, em papéis centrais em histórias de ficção científica. E não me deparei com uma pequena quantidade de fantásticas personagens do tipo no gênero. Das utopias ginocêntricas de Charlotte Perkins Gilman em Herland: A Terra das Mulheres (1915), à matemática Elma York, em The Calculating Stars (2018), de Mary Robinette Kowal. Até o momento, pude confirmar apenas 36 novels escritas em inglês do gênero que apresentam mulheres mais velhas como personagens importantes. A mais antiga é “Black Oxen” (1923), de Gertrude Atherton, e as mais atuais, de 2018, são “Blackfish City”, de Sam J. Miller e “Record of a Spaceborn Few”, de Becky Chambers.

Diferença de experiência

A diferença é notável. Homens mais velhos possuem profunda expertise e experiência através das obras de ficção científica, do guardião ancião até o excêntrico mentor, personagens fodões aposentados e sábios do deserto. E possibilidades de personagens não-binários são explorados em livros como Dawn (1987), de Octavia Butler e “The Mirror Empire” (2014), de Kameron Hurley.

Por todo o século passado, mulheres no mundo real tem crescentemente se tornado pesquisadoras, médicas e engenheiras. Certamente, muitos campos na ciência, tecnologia, engenharia e matemática hoje recrutam uma proporção crescente de mulheres. Mas mulheres ainda estão sub-representadas entre os cientistas sênior, devido ao “encanamento furado”- elas deixam seus campos de forma desproporcional em resposta ao desequilíbrio sistêmico.

A história em quadrinhos Crone segue as aventuras de uma heroína que volta a envelhecer. Créditos de imagem: Dennis Culver, Justin Greenwood, Brad Simpson, Pat Brosseau / Dark Horse Comics

E a ficção científica colocou isso em foco. Em vez de enfrentar o desequilíbrio contra mulheres de idade, escritores de ficção científica parecem estar mais interessados em torná-las jovens novamente – inclusive agilizando o processo de rejuvenescimento ao colocá-lo como uma conveniência moderna ao lado de mochilas a jato e máquinas de clonagem. Novamente, apenas algumas das histórias que encontrei que apresentavam fontes da juventude tecnológicas incluíam mulheres idosas. Paula Myo, da saga Commonwealth (2004), de Peter Hamilton, e Sarah Halifax em Rollback (2007), de Robert Sawyer, por exemplo, levam em consideração os efeitos colaterais de se ganhar experiência de vida sem aparente envelhecimento. Guerra ao Velho (2005), de John Scalzi, é uma paródia do estereótipo de “roubo de corpo”, em que um corpo novo é roubado para substituir um antigo, mostrando os perigos psicológicos da renovação só do lado de fora.

Tecnologia de reversão de envelhecimento deveria se aplicar a todos os gêneros. Por que alguém deveria se tornar fisicamente velho se não precisa passar por isso? E ainda assim, em meio a horda fictícia de homens idosos que agem como mentores ou mordomos, autores de ficção científica parecem ter dificuldades para imaginar funções parecidas para mulheres de idade.

Tudo isso reflete uma relutância social geral em ver o envelhecimento como um processo natural. O mercado antienvelhecimento global investe hoje mais de cinquenta bilhões de dólares, especialmente direcionados a mulheres entre as idades de 35 e 55 anos, em uma forma de intimidação por propaganda. Muitas mulheres relutam em se descrever como mais velhas, pelo medo dos estereótipos que definem mulheres idosas como isoladas e frágeis. Se uma mulher é inteligente, social e competente, os estereótipos afirmam que ela não pode ser velha.

Dupla escassez

Eu percebi que existe uma clara falta de diversidade cultural nas mulheres idosas da ficção científica, quase como se estivessem ali apenas para cumprir uma cota. Mesmo quando me foquei no Afrofuturismo, pesquisando os trabalhos de Butler e seu companheiro pioneiro, Samuel R. Delany, eu apenas encontrei mulheres negras idosas em histórias curtas e novels de fantasia. Muitos apontam para a líder anarquista de Le Guin, Laia Asieo Odo. Porém, Odo é uma mulher de meia-idade quando descrita em The Dispossessed (1974), e velha (a beira da morte) apenas na história curta The Day Before the Revolution. De forma similar, Essun, na trilogia Broken Earth, de N. K. Jemisin, tem cerca de quarenta anos. Eu descobri apenas uma personagem relevante que atendia a todos os critérios estabelecidos: Mãe Abagail, em A Dança da Morte (1978), de Stephen King.

Em The Stand, do Stephen King, Abagail Freemantle se torna uma líder espiritual como uma centenária. Crédito de Imagem: Checkman111 / CC BY-SA

Autores de ficção científica do Reino Unido, eu descobri, consistentemente apresentam apenas mulheres brancas de idade como inglesas. Mulheres de outras etnias são descritas como oriundas de outros países ou reinos. Eu percebi que não há representação da verdadeira diversidade britânica. E os autores estadunidenses seguem o mesmo padrão, com apenas uma exceção. Três idosas das nações nativas marcam presença em novels: Masaaraq, em Blackfish City; Jenny Casey, em Hammered (2004), de Elizabeth Bear; e Kris Longknife, na série de mesmo nome, por Mike Shepherd.

O celibato é outra característica marcante das poucas mulheres idosas que existem na ficção científica – apesar de estudos demonstrarem que cerca de metade das mulheres acima de 40 (inclusive uma grande parcela daquelas acima de 80) ainda serem sexualmente ativas e satisfeitas. Madame Zarriany, em Black Oxen, por exemplo, se mantém sexualmente desinteressada apesar de seu “rejuvenescimento” glandular que a leva a se envolver com um homem muito mais novo (apesar da falta de libido, é a sua incapacidade de ter filhos que amaldiçoa o relacionamento). De forma interessante, porém, as mulheres mais velhas que demonstravam algum interesse em sexo eram claramente definidas como lésbicas ou bissexuais, como a avó guerreira que montava a baleia-assassina em Blackfish City. Já com relação a menopausa, ela é escondida nos livros qualificados, em gritante contraste a prevalência de contos relacionados à puberdade. E esse é um reflexo definitivo da escassez de pesquisas sobre a menopausa, e de apoio a mulheres passando por isso.

Eu compartilhei meus dados através de uma lista aberta de e-mails, e solicitei participação com apresentações em grandes conferências de ficção científica na Europa. Recentemente, recebi um e-mail questionando por que eu esperava que “velhas” aparecessem em ficção científica, de qualquer forma. Não deveriam os jovens assumirem o papel central, perguntava o autor, com a “vantagem adicional no potencial para romances”?

Isso resume a atitude que, após certa idade, mulheres são desinteressantes ou ameaçadoras – e precisam ser retiradas do caminho.

Mais de 20% da população dos Estados Unidos terá mais de 65 anos na próxima década. O tsunami cinzento do mundo real não pode ser impedido. E isso seria considerado uma bênção, caso nos focássemos coletivamente nos pontos fortes das pessoas mais velhas, e promovêssemos o apoio a saúde e qualidade de vida.

A velha sábia pode não ser um estereótipo útil. Porém, escritores de ficção científica podem e devem explorar novos papéis para mulheres de idade, como seres multifacetados. Autores têm uma oportunidade aqui. Com tão poucas mulheres veneráveis em papéis importantes, uma única história incluindo uma nova manifestação (digamos, uma fazendeira de 80 anos resolvendo um crime misterioso, ou uma mulher trans com mais de 50 anos) poderia mudar completamente o cenário. Uma avó já pode ser maravilhosa, ela não precisa parecer uma adolescente.


Texto traduzido e adaptado da Nature.

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