Como muitos artistas pretos, a diretora permaneceu no ostracismo por muitos anos

“Eu deveria ter desistido. Mas eu acreditava muito que ia conseguir chegar”. Essas são palavras de uma mulher que enfrentou o racismo, machismo e até perseguição política em uma época que o cinema era dominado por homens, brancos e com um poder aquisitivo considerável. De fato ela chegou, sem medo de gritar suas convicções e ideais, uma vez que, em seu primeiro longa metragem, retratou a história de um casal de lésbicas. É claro que, em 1984, a família tradicional brasileira não via essa temática com bons olhos, então quando Adélia apresenta seu filme para a Embrafilme (estatal que distribuiu filmes no Brasil até 1990), ele foi recusado veementemente. Nas palavras de uma carta da própria Embrafilme, “o país jamais financiaria tamanha aberração”.

Amor Maldito foi baseado em fatos reais, e segue a história de Fernanda (Monique Lafond), uma jovem que após o suicídio de sua amante Suely (Wilma Dias) foi levada a julgamento, acusada pela morte dela. No entanto, baseado em seus próprios valores, o juiz condena o caso vivido entre as duas mulheres, não o suposto crime.

Sem apoio do governo, o filme teve que ser produzido de maneira independente. E com os colaboradores recebendo apenas uma ajuda de custo, ele foi concluído. Só que agora havia outro obstáculo: nenhum cinema aceitava exibi-lo. Até que Magalhães, um exibidor que possuía oito salas de cinema em São Paulo gostou do filme e aceitou realizar a distribuição. Ele só poderia ser divulgado como sendo uma obra pornográfica (a pornochanchada era o maior sucesso da época). E foi assim que Amor Maldito pode ser mostrado ao mundo pela primeira vez. 

Quem diz que representatividade não é importante, provavelmente ignora o fato de que entre os filmes de maior alcance no Brasil, de 1970 a 2016, 2% foram dirigido por mulheres, segundo uma pesquisa do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMMA). Em vista disso, como poderemos defender a pluralidade de ideias – fundamental em uma nação democrática, justa e igualitária – se ela ainda está tão longe de ser uma realidade? 

Adélia Sampaio nasceu em Belo Horizonte, mas foi radicada no Rio de Janeiro. Filha de doméstica, foi separada da mãe quando tinha apenas quatro anos, por ordens da patroa. Elas voltaram a se encontrar sete anos depois quando a menina já estava com treze anos. Foi quando ela teve seu primeiro contato com o cinema, assistindo ao filme Ivan, O Terrível, de Sergei Eisenstein. A diretora ficou encantada, decidindo que era aquilo que queria fazer. Conseguiu um emprego como telefonista numa produtora, onde convivia constantemente com produções cinematográficas.

Ela foi continuísta, claquetista, maquiadora, assistente de produção e assistente de montagem. Em seus projetos, ela fazia questão ter outros trabalhadores negros. Em 1979, realizou seu primeiro curta, Denúncia Vazia: baseado em uma história verídica de dois idosos que se matam após não conseguirem mais pagar o aluguel. Também dirigiu os títulos Adulto Não Brinca, Agora um Deus Dança em Mim, Na Poeira das Ruas e Scliar, a Persistência da Paisagem.

Além dos preconceitos e dificuldades sofridas, ela precisou cuidar de dois filhos e enfrentar a perseguição feita ao marido, o jornalista Pedro Porfírio, que foi preso e torturado durante a Ditadura Militar. Em 2001, co-dirigiu o documentário AI-5 – O Dia Que Não Existiu com Paulo Markun. Hoje, com 75 anos, a mineira vem sendo cada vez mais reconhecida pelo seu trabalho e possui projetos em andamento. 

Adélia Sampaio inovou ao abordar assuntos tabus na época em que foram mostrados, isso sem falar das injúrias pela sua cor e gênero. E graças a ela muitas meninas que sonham em trabalhar com cinema têm um exemplo a que se espelhar. Sim, a população preta/parda ainda está bem longe de estar em posição de igualdade com os brancos, ocupando papéis de destaque. É por isso que nós temos que divulgar e consumir o máximo de artistas possíveis, quem sabe assim, no futuro, teremos muitas Adélias inspirando e quebrando barreiras.

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