Já ouviu falar do MPDG? Vem descobrir.

Alerta: O texto a seguir contém SPOILERS sobre o final de O Gambito da Rainha.

O Gambito da Rainha desafia o tropo conhecido como “Manic Pixie Dream Girl”, ou MPDG, por meio de sua estrutura narrativa e mensagem climática. O diretor e redator Scott Frank, começa a série emoldurando a protagonista central da história, Beth Harmon, como uma estranha social, embora entenda e aceite a sua realidade. Como adulta, a prodígio do xadrez atrai a atenção de jovens homens que desejam ter o que ela representa, em vez de apreciarem sua evolução e desenvolvimento enquanto mulher. O Gambito da Rainha se apresenta ao público como uma peça de xadrez MPDG, e então destrói essa peça a arremessando contra a parede.

Na cultura do cinema, esse tropo é comum e redutivamente utilizado para facilitar a categorização de personagens femininas “estranhas”. O crítico de cinema Nathan Rabin criou a expressão para descrever a personagem de Kirsten Dunst em Elizabethtown, Claire Colburn, e cerca de dez anos depois, veio a público se desculpar por ter “criado esse monstro imparável”. Por definição, Beth Harmon (Anya Taylor-Joy) não é uma tradicional Manic Pixie Dream Girl, uma vez que ela é a personagem central da história e controla a narrativa, não sendo uma garota escrita de forma rasa que existe apenas para educar ou inspirar um protagonista masculino. Para muitos, esse tropo se aplica a personagens carismáticas e independentes que projetam uma imagem específica aos seus admiradores. Nesse sentido, Beth Harmon ganha a atenção de Harry Beltik (Harry Melling) e Benny Watts (Thomas Brodie-Sangster), por ser uma atípica (e apelativa) mulher prodígio no xadrez.

Harry faz seu movimento no episódio cinco, “Garfo”. Anos depois de competir contra Beth no torneio estadual do Kentucky, ele liga oferecendo apoio após a derrota da protagonista para o campeão russo, Vasily Borgov (Marcin Dorociński). Harry inicialmente a procura com dicas sobre o jogo e se conecta com Beth em um nível pessoal, mas ele claramente se sente atraído por sua beleza e intelecto, o que fica claro em seu olhar de cachorrinho abandonado. A série eventualmente subverte as expectativas, ao menos em relação a Harry, por meio de um cenário doméstico do início dos anos 1960. Neste caso, Beth tem dinheiro, fama e sua casa própria. Ela não responde a ninguém além de si mesma. Então, em vez de tentar conquistar Beth, Harry oferece o que ele pode: conselhos e lógica. Depois do início de um relacionamento sexual, Harry eventualmente se afasta ao perceber que Beth é realmente uma mulher complicada. Ele é fascinado pela persona de Harmon, mas se sente desconfortável com tudo que não se encaixa na versão idealizada que ele criou em sua cabeça.

De maneira contrastante, Benny aceita melhor a realidade de Beth. Ele entende a pressão em ser um prodígio no xadrez e genuinamente quer ajudar Beth a atingir o seu potencial. Em Nova York, Beth fica sóbria no modesto apartamento subterrâneo de Benny, e eles eventualmente começam a se envolver sexualmente. Porém, não demora até Beth perceber que ela está sendo objetificada por Benny. É quase como se ela fosse um troféu de xadrez que o faz se sentir melhor sobre a própria carreira. Depois do sexo, Benny demonstra não ter quase nenhuma inteligência emocional, e imediatamente começa a falar sobre xadrez, em vez de agir com conforto ou reconhecimento de que Beth é uma mulher. Posteriormente, quando ela precisa de ajuda para ir para a Rússia, Benny novamente demonstra a falta de inteligência emocional e reclama sobre Beth não querer viver com ele em Nova York – em seu apartamento minúsculo em que ela dormia em um colchão inflável (sim, ela decide viver em sua própria casa). “Talvez seja a palavra de um perdedor, mas não me ligue novamente”, diz ele.

Apropriadamente intitulado de “Fim de Jogo”, o episódio final da série mostra que Beth não será reduzida a uma categorização simples. Ela chega ao auge de sua carreira em Moscou, após derrotar o seu maior oponente, Borgov, em um claro momento de autoafirmação. Ela então sai de sua limusine para aproveitar um passeio no parque e interagir com seus colegas enxadristas. A fim de poder apreciar o amor incondicional, Beth entende que precisa priorizar o autocuidado, em primeiro e em único lugar. Ela não é a dona de casa ideal de Harry, e tampouco o troféu boêmio de Benny da cidade grande.

Em O Gambito da Rainha, Beth Harmon existe fora deste clichê, porque é uma personagem completamente desenvolvida, que confia nos seus próprios instintos, tanto pessoal quanto profissionalmente.


Fonte: Screenrant

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