Um dos melhores e mais aterrorizantes filmes de animes já lançados!

De um ponto de vista de produção de filmes e da forma de contar uma história, o primeiro filme de Satoshi Kon, “Perfect Blue” (1997), é um marcante estudo de personagens e suspense psicológico reconhecido a aplaudido por diversos diretores norte-americanos.

Neste filme, Mima Kirigoe é uma cantora pop japonesa razoavelmente popular, membro do grupo CHAM, que decide se tornar uma atriz em um drama policial envolvendo pesadas histórias de homicídio e carregada de sexualidade. Mima passa por dificuldades naquele papel, mas seu senso de obrigação para com seu grupo (que a seguiu nesta transição) acaba fazendo com que siga em frente, além de seu desejo de não querer ser limitada pelo fato de ser uma idol pop.

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Porém, após filmar uma cena muito intensa de estupro, Mima começa a apresentar sinais de colapso mental, perdendo a noção do tempo, tendo alucinações e se sentindo desligada da realidade, além de ter a sensação de estar sendo seguida por um homem misterioso. E então as pessoas começam a morrer.

O filme é brilhante, e apesar de a cena ensaiada do estupro ser bastante intensa, a narrativa te prende na história, e a direção de Kon te deixa apreensiva. O colapso de Mima parece uma verdadeira exploração de alguém no limite da perda de sua identidade e não apenas uma história fajuta. O final do filme, que não contarei aqui, ainda te faz pensar sobre o quão atual ainda é. É impossível assistir o filme sem perceber a similaridade da transformação de “idol pop” para uma atriz “a sério”, que parece refletir as transformações que vimos em diversas mulheres jovens, que tiveram de lidar com o estrelato em sua carreira.

Britney Spears, Christina Aguilera, Miley Cyrus, Demi Lovato, Selena Gomez, entre outros casos. Todas vieram de um sistema que queria que fossem puras, mas sensuais – sexualizadas, mas de uma forma velada, brincando com a vontade masculina muito mais do que honestamente abraçando sua sexualidade. Não é surpreendente que quase todas essas mulheres tenham feito algo “ousado” ou “sexy” para afastar essa imagem. Britney e Christina tiveram suas fases “Slave 4 u” e “Stripped”. Miley teve a era “Bangerz”, e Selena Gomez teve seu relacionamento com Justin Bieber.

Um dos principais pontos no filme é o fato de que a maioria dos fãs de CHAM é composta por homens. Isso é tão bizarro, porque existe um imaginário coletivo de que os grupos de garotas, especialmente na música pop, têm uma base de fãs feminina, mas no filme você percebe que as pessoas discutindo sobre CHAM e Mima são em sua maioria homens. Há pouquíssimas mulheres no filme: Mima, sua agente Rumi, sua co-estrela na série, e suas duas ex-colegas de banda, Yukiko e Rei.

Seus trajes durante o tempo de CHAM consistem em um vestido rosa com um arco no cabelo, todos indicadores de sua inocência, enquanto a cena do estupro causa um senso comum de que ela é “suja” e “safada”. Ainda, a cena que supostamente a faria parecer uma atriz séria e madura, acaba sendo absolutamente emblemática sobre a forma como apresentamos o estupro em histórias do tipo. Sua agente afirma no filme que “Jodie seiláoque” fez uma cena de estupro coletivo, em referência a Jodie Foster em Acusados, cena considerada a sua estreia em papéis adultos após diversos trabalhos em outro estilo.

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Mima queria ser vista como adulta, o que naquele momento significava ficar nua. É algo que a incomoda, mas que ela parece sentir já ter ido longe demais para voltar. Além disso, ambas as indústrias são conhecidas por descartarem pessoas assim que passam a não atender a uma imagem desejada. Essa é a experiência de Rumi, que antes de ser uma agente havia sido uma idol, sem contar que após a saída de Mima, CHAM acaba se tornando mais popular. E a personagem está ficando cada vez mais velha, sentindo que tem menos espaço naquele mundo. Em sua metamorfose, Mima não pode se transformar por conta própria, e acaba sendo envolvida por tudo que o mundo fala sobre ela, fragmentando sua identidade enquanto tenta satisfazer a todos – com exceção a si mesma.

A cultura das Idols é mergulhada em sexismo, especialmente em relação às estrelas mulheres, especialmente hoje com a ascensão do K-Pop. A Public Radio International publicou um artigo que explica como as idols possuem uma expectativa de “imagem virginal” para terem sucesso, apesar de ao mesmo tempo serem tratadas como objetos sexuais. Traduzimos um trecho do texto para contextualizar:

A maior parte dos vídeos de K-Pop apresentam mulheres como objetos sexuais, e isso inclui todas as cantoras de K-Pop e grupos também”, afirmou Kevin Cawley, professor de estudos do Leste Asiático na Universidade College Cork, na Irlanda. Muitas passaram por procedimentos estéticos e dançam de forma provocativa, mas “ainda estão sob a expectativa de que adiram a ancentrais regras confucianas acerca de conduta sexual em suas vidas provadas, enquanto os homens podem agir como quiserem.”

[…]

No ano passado, [a cantora] IU lançou a música “Twenty-three”, em que canta sobre a pressão exercida sobre as estrelas femininas para parecerem infantis, apesar do fato dela mesma já ter se tornado uma mulher madura. Porém, pelo fato dela se vestir como uma criança no vídeo, em vez de acender um diálogo nacional sobre o sobretom pedófilo de vestir mulheres como colegiais, ela acabou sendo acusada de usar imagens de pedofilia para vender discos.

A página Filmed in Ether também publicou uma excelente peça intitulada “Sexismo, Seifuku e Irmandade”, debatendo o documentário Tokyo Idols, de Kyoko Miyaki, e o filme “Japanese Girls Never Die” de Daigo Matsuki. A autora do texto demonstra como ambos trazem à luz a misoginia enraizada na cultura japonesa, especialmente na questão da submissão da mulher ao homem. Um dos produtores musicais afirma no documentário que “os homens japoneses sempre valorizaram a pureza nas mulheres. Hoje, a cultura das idols se alimenta disso, venerando a virgindade. Existe um medo do que possa acontecer quando a pureza acabar – medo que as meninas possam se tornar mulheres fortes”.

Essa idolatria é pesada em Perfect Blue, e apesar de o filme ter sido lançado antes de “Baby One More Time” de Britney Spears, ele tragicamente desenha como esse tipo de pressão pode afetar uma mulher aos olhos do público. Ele acontece antes da universalização da internet, mas ainda assim, consegue demonstrar como a interação entre celebridades e fãs pode ser danosa para alguém.

Se você ainda não assistiu, saiba que o filme é pesado, mas não deixa de ser recomendável.


Fonte: TheMarySue

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