Inspirador.

Disque Amiga para Matar, da Netflix – auto descrita como “comédia sombria” – ganhou reconhecimento em sua segunda temporada ao ser nomeada para o Emmy 2020. A premiação para televisão também garantiu reconhecimento às protagonistas, Christina Applegate e Linda Cardellini. A nomeação de ambas na categoria Melhor Atriz em Série de Comédia tem sido algo bastante raro desde 1966, ano em que Elizabeth Montgomery e Agnes Moorehead, estrelas de A Feiticeira, foram nomeadas simultaneamente.

Entre as nomeações citadas, isso aconteceu com Cathryn Damon e Katherine Helmond, por Soap em 1981; com Jane Curtin e Susan Saint James por Kate & Allie em 1985; com Bea Arthur, Rue McClanahan e Betty White, por Super Gatas, em 1989; com Marcia Cross, Teri Hatcher e Felicity Huffman, em 2005, por Desperate Housewives; e por fim com Jane Fonda e Lily Tomlin, em 2017, por Grace and Frankie.

Ou seja, apenas 7 vezes uma dupla de protagonistas mulheres foram reconhecidas simultaneamente para uma premiação do Emmy. E apesar disso falar um pouco sobre a sub-representação no reconhecimento de duplas de mulheres na comédia, isso também fala bastante sobre a sua longevidade.

Desde os dias em que Lucille Ball comandava as risadas junto Vivian Vance até Courtney Cox e Jennifer Aniston fazendo o mesmo em Friends, a comédia e o envolvimento das mulheres evoluiu significativamente. Antigamente, as atuações contavam fortemente com a comédia física, em que baboseiras e piadas barulhentas eram marcas registradas dessa forma de arte.

No momento em que Montgomery e Moorehead começaram a receber atenção, começou a ficar claro que a comédia estava mudando. E não apenas com relação às amizades ou situações divertidas, mas sim sobre conexões e a capacidade de se sentir representado.

Apesar de A Feiticeira certamente ter contado com comédia física e piadas barulhentas, a série também apresentou algumas formas como duas mulheres podem tornar parte de suas vidas algo engraçado – como um relacionamento entre mãe e filha. Além das maldições lançadas sobre o marido de Samantha, Darrin, ou de seu hobby de colocar feitiços sobre mortais por diversão, a comédia da dupla sempre foi destacada por suas mensagens claras.

E essas mensagens eram importantes, como aceitar as diferenças em um relacionamento, aprender a entender os pontos de vista dos outros, e se comprometer com a forma como definimos a nossa própria felicidade. Quando as duas foram nomeadas para o Emmy, isso destacou outro aspecto muito importante da história: ninguém chega tão longe sozinho.

Com o passar dos anos, as duplas femininas no cenário da comédia começaram a seguir esse padrão. Apesar de cada uma das atrizes ser muito talentosa, foi se tornando cada vez mais difícil ignorar que o trabalho coletivo as tornava ainda mais poderosas. Séries como Mary Tyler Moore (1970-1977), com Moore e Valerie Harper, e Laverne & Shirley (1976-1983), com Penny Marshall e Cindy Williams, levaram essa conexão a um novo nível. Elas essencialmente levaram para casa o título de “casal estranho” quando falamos sobre amizades próximas.

Mary e Rhoda eram dois lados de uma mesma moeda: uma dedicada mulher de negócios que não ligava para relacionamentos e uma funcionária de uma loja de departamento que desejava mais do que tudo encontrar um romance. Elas foram apresentadas como antagonistas disputando um apartamento, mas isso acabou evoluindo para um relacionamento complexo e cheio de camadas. Rhoda sempre foi vista como mais emotiva do que a contida Mary, mas as suas histórias são igualmente divertidas e importantes. E isso quer dizer que cada uma delas poderia interpretar a história da outra facilmente, encontrando diversão nessa história sobre amizade genuína e capaz de lidar com assuntos além de seu tempo, como machismo, políticas de trabalho, divórcio e igualdade de gênero.

De maneira similar, com Laverne e Shirley, as colegas de quarto eram diferentes como o dia e a noite. Laverne era mandona e malandra, enquanto Shirley era quieta e recatada. As duas mergulharam no mundo da comédia com cenas da vida cotidiana, e seu estilo de comédia rapidamente consolidou a amizade das duas. Laverne e Shirley não eram mulheres de negócios ou esposas de milionários. Elas eram mulheres adultas, com trabalhos comuns, que sonhavam em encontrar um amor.

A sagacidade das duas transcendeu a comédia física que estávamos acostumados, e que no começo marcava a série. Sua amizade era sólida e verdadeira, porque as situações enfrentadas por elas mostravam a nós mulheres algo que podíamos nos reconhecer assistindo.

Quando Super Gatas (Golden Girls, no original) estreou em 1985, o público já estava mais acostumado com as variações na dinâmica de duplas femininas na comédia. Mas quatro amigas mais velhas, com diferentes personalidades capazes de arrancar risadas por meio de sua amizade e experiências de vida? Foi mais um raio de sol em meio a um cenário em constante evolução da cultura pop, e um lembrete que não são apenas as mulheres jovens que podem causar identificação nas telinhas.

Amy Poehler e Tina Fey afastaram ainda mais o mundo da ideia que a comédia ainda seria um “Clube do Bolinha”, durante seu período em Saturday Night Live. Com um forte vínculo de amizade formado em seu tempo no programa, as duas formaram a primeira dupla de mulheres a apresentar o Weekend Update. Ao deixarem o programa, elas levaram sua amizade e talento para filmes, televisão e programas de premiação. A conexão entre as duas era tão forte que mesmo quando apenas uma delas fazia a participação em um filme, ainda era possível ver parte de sua dinâmica.

O cenário da cultura pop começou a explodir com duplas de mulheres na comédia, que expandiram os limites do que era considerado divertido, inteligente e relevante.

O relacionamento entre Tia e Tamara em Irmã ao Quadrado (1994-1999), por exemplo, mudou a forma como o tropo de “par estranho” era tratado ao destacar duas irmãs gêmeas negras que foram separadas na infância e se reencontraram na adolescência, quando já haviam desenvolvido personalidades completamente diferentes.

O relacionamento de mãe e filha entre Rory e Lorelai em Tal Mãe, Tal Filha (Gilmore Girls, no original) levou essa dinâmica em específico a outro nível, apresentando a história de uma jovem mãe solo cujo relacionamento com a filha era mais próximo de melhores amigas do que de mãe e filha. Essa proximidade – e vínculo único – fez com que suas linhas de história fossem muito mais interessantes e divertidas do que as clássicas cenas de jantares de família e situações cliché de relacionamento.

Já a amizade millenial entre Abbi e Ilana, em Broad City, foi um caldeirão de influências cômicas que estabeleceu várias situações divertidas, do humor de banheiro, passando por encontros horríveis e entrevistas de emprego constrangedoras. Com os corações e talento de Jacobson e Glazer liderando a série, ela chegou ao ponto de ser considerada a representação mais realista da experiência de jovens adultas nos dias de hoje.

Olhando para trás, entre as quedas, piadas bobas, roupas e situações engraçadas, existe um fio que conecta todas essas duplas de mulheres através do tempo. É uma parte importante do porquê de sua longevidade continuar até hoje: o poder de mulheres divertidas e a forma como trabalhar ao lado umas das outras eleva as histórias que elas contam.

No caso de Disque Amiga para Matar, as histórias de Jen e Judy são mais do que o foco principal da narrativa. Elas definem a narrativa uma da outra, de suas emoções ao entrelaçamento de suas vidas. Por mais talentosas que as atrizes possam ser, a série não funcionaria apenas com uma. Assim como não haveria Samantha sem Endora (literalmente), ou Abbi sem Ilana, não haveria também Jen sem Judy.


Texto traduzido da Nerdist.

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