Orange is The New Black termina com chave de ouro.

ALERTA: O texto a seguir contém SPOILERS sobre a sétima temporada de Orange is the New Black 

Quando Orange is the New Black estreou em 2013, os fãs rapidamente se encantaram com a hilária e emocionante representação da vida dentro de uma prisão feminina. Suzanne Warren, Tiffany “Pennsatucky” Doggett, Cindy Hayes, Marisol “Flaca” Gonzales e Maritza Ramos, entre várias outras, pareciam velhas amigas desde o primeiro momento em que apareceram nas telinhas.

Muito além do romance, das rivalidades e piadas sobre a péssima comida penitenciária, OITNB também examinou as nuances de complicados problemas sociais e políticos, desde a brutalidade policial até a disponibilidade de absorventes nos presídios femininos.

Esse legado foi mantido até o último momento da temporada final da série, que foi escrita e gravada em 2018 e lançada em 2019, no auge da política de imigração do presidente americano, Donald Trump, que separou milhares de famílias. Se mantendo fiel a própria proposta, OITNB abordou questões envolvendo a imigração sob a administração de Trump, expandindo seu universo para incluir um novo grupo de detentas: imigrantes aguardando audiências de deportação em um centro de processamento ICE (Cumprimento de Imigração e Costumes).

Carolina Paiz, uma das roteiristas que trabalhou nas histórias sobre imigração nesta temporada, em entrevista concedida à revista Bustle, falou sobre como ela e sua equipe construíram as narrativas e lidaram com os eventos abordados da forma mais realista possível. Até mesmo a forma como a segurança máxima de Litchfield e o centro de detenção foram integrados tiveram como base uma pesada pesquisa, de forma que as antigas personagens pudessem interagir com as novas, sem que isso acontecesse de maneira pobre. Ela afirmou:

A ideia de que as detentas antigas cozinhassem para as detidas pela imigração veio de uma entrevista que fizemos com uma mulher hondurenha que havia sido traficada como escrava sexual para os Estados Unidos. Ela estava em um centro de detenção em que os homens presos em uma instalação próxima eram os responsáveis por fazer a comida no local. Nós imediatamente percebemos que seria a forma perfeita de integrar os nossos dois mundos.

Além disso, a roteirista e sua equipe encontraram na temporada final uma oportunidade para defender os direitos dos imigrantes e a melhor forma de fazer isso seria representar as suas experiências da forma mais realista possível.

Para nós, conversar com detidas, ouvindo histórias de nossas consultoras, e lendo tantos relatos da vida real, nos deu uma devastadora e inspiradora força para as histórias das nossas detentas, e serviu como constante lembrança sobre como devemos ser o mais autênticas possível em cada virada.

Paiz explicou sobre como ela e sua equipe pesquisaram sobre as histórias da imigração, encontraram inspiração para algumas das mais importantes novas personagens, e como colaboraram com a cenografia e tiveram o apoio de especialistas em legislação para que tudo fosse feito da maneira correta.

1 – O novo cenário

Parte da sétima temporada acontece em um salão único e sombrio do Centro de Detenção ICE, que é conectado à prisão de segurança máxima de Litchfield. O centro ainda inclui um salão de audiências onde os detidos, incluindo crianças separadas de seus pais, representam a si mesmos em audiências de deportação. O que é absurdo, mas REALMENTE acontece.

Durante uma visita ao Centro de Processamento ICE de Adelanto, junto ao grupo Freedom For Immigrants (Liberdade para os Imigrantes), os escritores se sentiram inspirados – e assustados. Paiz disse que a ala dos homens parecia com uma prisão tradicional, mas que a ala feminina era diferente.

Era um salão grande e depressivo, com beliches, chuveiros e mesas todos grudados uns nos outros. Não havia espaço pessoal ou algum lugar para se esconder. Nós sabíamos que queríamos utilizar isso na nossa história. Nosso departamento de arte, com o brilhante Malchus Janocko e sua equipe, então fizeram uma longa pesquisa até chegar ao visual final que capturava perfeitamente o espaço sombrio que imaginávamos (…) Porque essas audiências não permitiam a presença de estranhos ou da mídia, queríamos jogar um pouco de luz sobre essa ridícula insensibilidade da política na série. Infelizmente, este foi um dos casos onde a verdade era tão devastadora que não precisamos adicionar nada – apenas precisamos mostrar. (…) Nós tomamos a liberdade de adicionar o martelinho e remover a sala do juiz para que pudéssemos fazer algumas piadas, mas o resto é deprimentemente real.

2 – A solicitação de Santos para abortar

Nesta temporada, uma mulher com sobrenome Santos tenta de forma repetitiva se comunicar com a equipe da ICE e companheiras detentas. Ela obviamente parece estressada, mas ninguém fala a língua dela. Apenas no episódio 11, a equipe da ICE descobre que ela foi estuprada no caminho para os EUA, está grávida e quer abortar. Quando a equipe rejeita seu pedido de aborto, Fig consegue uma pílula abortiva para ela, mentindo para sua médica ginecologista.

Uma de nossas escritoras, Merritt Tierce, é uma feroz defensora dos direitos reprodutivos e seu objetivo era apresentar essa história tão importante da maneira correta. Nós conhecemos diversas mulheres que tiveram assistência médica negada e/ou sua liberdade reprodutiva cerceada, ainda que essa liberdade seja garantida legalmente nos Estados Unidos. Isso é, em parte, porque as detentas não têm seus direitos garantidos assim como os cidadãos americanos, ainda que estejam presas em território americano. (…) Nós também fomos bem claros sobre os riscos tanto para Fig quanto para a Obstetra/Ginecologista que deu a prescrição. Ainda que aquilo que as duas mulheres tenham feito algo ilegal, nós sentimos que no final elas decidiram seguir seu compasso moral, em vez de seguir a lei.

A ausência de um tradutor para Santos, também foi resultado de uma pesquisa.

Santos é da Guatemala, um local com 28 dialetos locais. E isso tudo em um único país. Nosso consultor legal nos contou sobre casos em que é particularmente complicado encontrar tradutores para todas as diferentes línguas e dialetos ao redor do mundo. Nós queríamos explorar como é o sentimento de que todos estão vivendo suas vidas enquanto ela não tinha sequer a capacidade de se comunicar.

3 – A deportação de Maritza

Maritza foi presa em uma operação da ICE e é presa junto com Blanca no início da temporada. Apesar de insistir cegamente que nasceu nos Estados Unidos, ela acaba descobrindo que isso não era verdade, para sua própria surpresa. Ela posteriormente é deportada para a Colômbia como punição por passar o número de uma organização de advogados para suas companheiras detentas.

Para Diane Guerrero, que interpreta Maritza, essa história foi “particularmente amarga”, de acordo com Paiz, uma vez que seus pais foram deportados enquanto ela ainda era uma adolescente.

“Nós queríamos mostrar a abrupta e chocante realidade sobre como é ser arrancado do país que você sempre chamou de lar.”

A história de Maritza foi parcialmente inspirada em Phal Sok, um incrível ativista e ex-detento que veio falar conosco, compartilhar sua história sobre como foi trazido para os Estados Unidos quando tinha 3 meses de idade, após seus pais fugirem de Camboja, que estava devastada pela guerra. Posteriormente, acolhido em um orfanato, Phal foi acusado de assalto a mão armada. Após cumprir seu tempo como um detento exemplar, quando ele finalmente ia retornar à liberdade, Phal foi apreendido pelo ICE e colocado em um centro de detenção, sendo encaminhado para deportação, em vez disso. Phal nunca chegou a pisar no Camboja. Na verdade ele havia nascido em um campo de refugiados na Tailândia. Tudo que ele conhecia era a sua vida nos EUA. Ele foi posteriormente perdoado judicialmente e sua deportação cancelada.

A história de Maritza compartilhando um número de telefone também foi algo baseado em uma história real. Enquanto visitavam o Centro de Processamento de Adelanto, os roteiristas entregaram cartões com o telefone de uma linha de atendimento gratuita, controlada pela Freedom For Immigrants, apesar de terem sido alertados que caso a equipe do ICE percebesse o que estava acontecendo eles encerrariam a linha telefônica. Paiz disse que eles não estavam exagerando: o telefone em outro centro de detenção já havia sido cortado como punição. “A Freedom for Immigrants já havia iniciado o atendimento por outra linha, mas é muito mais custosa agora sem a extensão de 4 dígitos”, afirmou.

4 – A falta de comunicação

Entre a falta de telefones gratuitos que funcionem ou acesso a computadores, as mulheres acabam tendo que contar com formas clandestinas de comunicação para conseguir acesso a um advogado ou para alertar suas famílias e amigos sobre seu paradeiro.

A chocante falta de comunicação com o mundo exterior não foi utilizada como uma ferramenta dramática. A realidade é que as pessoas na detenção de imigração são completamente cortadas e isoladas, e o ICE torna extremamente difícil que advogados e a família possam se comunicar. Uma das maiores surpresas na visita ao Centro de Processamento da ICE em Adelanto foi o fato que os detentos são tratados como prisioneiros, e ainda assim, não têm acesso aos mais básicos direitos que qualquer prisioneiro recebe: acesso a uma ligação telefônica e a um advogado.

E quanto ao computador em péssimo estado na série? Também realista.

O ICE afirma que dá acesso aos detentos a uma ‘biblioteca legal’ para que possam entender seus casos de imigração. Essa biblioteca consiste em nada mais do que um aplicativo chamado LexisNexis. Um dos nossos escritores, Brian Chamberlayne, é um ex-advogado e disse que o aplicativo era complicado demais até para ele.

5 – A jornada de Karla para estar com suas crianças

Uma nova personagem chamada Karla (Karina Arroyave) é uma mãe viúva que foi detida junto com Blanca. Sendo uma ex-assistente legal, ela pesquisa furiosamente sobre como lidar da melhor maneira na audiência de deportação, a fim de poder se reunir com seus filhos, que estão no momento em um lar adotivo. Os espectadores veem por fim Karla retornando à fronteira dos EUA, após ser deportada, em busca das crianças e encontrando um destino ambiguamente grave.

Nós lemos sobre uma mulher, cujo filho nascido nos EUA mas que foi entregue para a adoção enquanto ela estava lutando por sua liberação da detenção de imigração, e sabíamos que esta era outra história que queríamos colocar uma luz sobre. Sobre o final da história de Karla, isso foi amplamente debatido entre a equipe. Todos sabíamos que Karla arriscaria tudo para se juntar aos seus filhos, mas não tínhamos certeza sobre o que queríamos que acontecesse após a travessia. (…) Mas após lermos e ouvirmos tantas histórias de mortes no deserto, nós sabíamos que não poderíamos ignorar essa realidade por muito mais tempo, por mais dolorosa que fosse, e decidimos que valeria a pena mostrar. Se Karla morre ou não no deserto, os espectadores é que decidirão. Vamos dizer que se ela sobreviver, terá uma sinuosa e traiçoeira estrada pela frente… Ainda que a separação da família como uma política geral tenha diminuído, ainda está acontecendo, e não apenas na fronteira. Esperamos que a jornada de Karla possa acender a discussão sobre isso.

E essa, com certeza, foi uma das partes mais tristes do final.

A season finale de Orange deixou um buraco no coração dos fãs e muita conscientização sobre inúmeros assuntos. A discussão sobre eles TÊM que ser acesa. Pesquisem e estudem sobre a situação carcerária feminina no Brasil e sobre a situação dos imigrantes nos EUA!


Fonte: Bustle

Compartilhe: