Meninas Malvadas é mais do que um clássico. É barro.

Meninas Malvadas é um CLÁSSICO e ficou muito famoso pela protagonista interpretada por Lindsay Lohan e pela famigerada vilã Regina George, além de vários bordões como o “isso é tão barro!” ou “ela nem estuda aqui”. Para um filme feito e lançado em 2004, é importante ter em mente que muitas questões não eram discutidas de forma apropriada – e, até por isso, foram retratadas de forma humorística – e, justamente por isto, se olharmos para ele neste ano de 2020, algumas coisas definitivamente não envelheceram bem. Outras questões, por outro lado, foram exploradas pelo filme de uma maneira singular.

Tendo isso em mente, vamos à análise.

Estereótipos

O filme é CHEIO de estereótipos e inclusive se vale dele como uma ferramenta de humor – que é algo bem comum nos filmes de comédia – mas o curioso é que não existe uma tentativa de desconstruí-los. Vamos analisar um a um.

1) Cady Heron veio da África: a relação das pessoas negras e asiáticas no filme

Logo no primeiro dia de aula de Cady, ela recebe um desenho do refeitório da escola, no qual são formadas as famosas “panelinhas” que tanto nos assustam no ensino médio. Mas, aqui, elas são feitas de acordo com estereótipos de pessoas que não se misturam.

Algo que chama bastante a atenção no filme é que tanto os personagens negros quanto os asiáticos são definidos unicamente por esta característica, como se suas raízes resumissem sua história ou sua profundidade.

O maior exemplo disso é dizer que Cady veio da África, mas de qual país? Isso reforça aquela ideia de que a África é um país só, ignorando completamente as divergências entre as populações nativas, especialmente as culturais. Esta representação talvez tenha alguma relação com o fato do filme se passar nos Estados Unidos, um país que passou pela Guerra de Secessão e ainda carrega comportamentos racistas intensos. Aliás, uma demonstração disso no filme é o fato de Karen e outras pessoas estranharem o fato de ter Cady acabado de chegar da África, mas ser branca – e até mesmo a professora, que dá boas-vindas à aula negra, supondo que esta era a aluna africana, como se não existissem americanos negros.

A cena do refeitório é outro grande exemplo disso. Primeiro que Cady já chega cumprimentando as garotas negras como se elas soubessem automaticamente o idioma que ela fala (que, vamos frisar, não é o mesmo em todo o continente), supondo que elas também possuem raízes africanas ou que saberiam falar com ela.

Este tipo de humor definitivamente não envelheceu bem.

2) Humor com peso e o bodyshaming

Voltando ao momento inicial do refeitório, podemos observar que em um certo momento, uma das panelinhas é definida como as “garotas que comem seus sentimentos”, representando uma verdadeira gordofobia.

Boa parte do assunto das Plásticas são calorias e emagrecimento – e é bem curioso como Cady nunca foi exposta a esse tipo de assunto, já que no momento em que todas estão na casa de Regina colocando defeitos em seus corpos – que, diga-se de passagem, não existem -, Cady só consegue pensar em um único problema em seu corpo: o mau hálito. É uma reflexão bem interessante a se fazer, pois revela que Cady não era exposta a este tipo de coisa antes de ingressar no estudo regular.

Por outro lado, o filme reforça bastante o lado gordofóbico, especialmente quando Cady arma com Janis uma estratégia para Regina engordar uns quilos e ela é humilhada porque começa a usar apenas moletons, e chegar num ponto em que não consegue utilizar nenhuma peça rosa para usar na quarta-feira.

Também no filme, no momento em que as meninas começam a desabafar umas sobre as outras, uma delas diz: “Eu não te odeio porque você é gorda, você é gorda porque eu te odeio”.

Por mais que haja uma sátira sobre o grupo das patricinhas – e já vamos passar para este ponto -, o filme não faz nada para demonstrar que este bodyshaming não é uma conduta certa. E isso é bem importante, ainda mais se formos considerar a classificação etária do filme e o seu público-alvo.

3) Patricinhas e pessoas muito bonitas devem ser burras, ser inteligente é suicídio social

É o foco principal de Meninas Malvadas: satirizar o estereótipo clássico das patricinhas. As patricinhas são aquelas garotas bonitas, populares, e com uma personalidade bem fútil, como vemos nas três integrantes iniciais das Plásticas: Regina, Karen e Gretchen.

Dá para notar que as três acabam não tendo a inteligência como uma grande virtude – exceto Regina, mas na verdade, ela acaba se passando mais por manipuladora e vingativa do que por inteligente (e também vamos analisar isso daqui a pouco).

A primeira coisa que Cady ouve quando quer se juntar aos Matletas, tanto das Plásticas quanto de seus amigos Janis e Damian é que é suicídio social. E Cady, caindo nessa, começa até a ir mal nas provas de matemática para conseguir um novo namorado.

meninas malvadas

Mas a maior estereotipagem de patricinha burra é a Karen. Ela nunca entende nada, e é ridicularizada pelas pessoas por conta desse comportamento.

4) Personagens LGBTQIA+

Os personagens LGBTQIA+ são bastante estereotipados em Meninas Malvadas, e acaba sendo mais injusto para Janis.

Vamos começar com o Damian. Ele é um personagem abertamente gay, o que poderia ser bom se não fosse tão forçado. Ele acaba sendo reduzido a um comportamento escandaloso e feminino que não representa, necessariamente, todas as pessoas homossexuais. Além disso, ele acaba encaixando naquela caixinha de ser o personagem gay-gordinho-engraçado, que já é algo bem datado.

Um ponto que chama a atenção é que ele era ÚNICO homem que estava envolvido nos escândalos do Livro do Arraso, e chegou, inclusive, a ir à reunião de garotas organizada pela professora para tentar resolver os problemas entre elas.

mean girls

Já em relação à Janis, nem se sabe se ela é, de fato, pertencente à comunidade LGBTQIA+. Na verdade, tudo não passou de um boato criado por Regina, quando achou que Janis estava obcecada por ela por estar com ciúmes de seu novo namorado. Isso foi tão pesado para Janis, que ela teve que sair da escola.

Cady prova ser uma plástica quando repete para Janis a mesma coisa: “não é culpa minha se você está apaixonada por mim”, sabendo de toda a história que se passou. É como se Janis fosse reduzida a sua suposta orientação sexual, que também é reforçada pelo filme a partir das roupas da personagem – como se isso realmente quisesse dizer alguma coisa.

E mesmo após essa cena tão triste para a personagem, Janis é ridicularizada novamente quando todas as garotas estão fazendo confissões no palco e se jogam no “mar” de outras garotas. Regina não perde a oportunidade e diz que era o sonho de Janis mergulhar no meio de um monte de garotas, e todas as demais dão risada.

Rivalidade entre mulheres e sexualização de personagens

A sexualidade é tratada de uma maneira bem evidente em Meninas Malvadas, evidenciando uma ideologia machista – e, é claro, levando em consideração que o filme foi produzido em 2004.

No começo do filme, o professor de educação física, que também dá aula de educação sexual (e fica com uma aluna que é menor de idade, ou seja, é um pedófilo), fala uma frase bem icônica: “não façam sexo, porque vocês vão ficar grávidas e morrer”. Por ela, já podemos ver que a aula é direcionada às mulheres, como se os homens não tivessem absolutamente nenhuma responsabilidade em caso de eventual gravidez.

É claro que o assunto sexo ainda é um tabu grande, e era ainda maior no ano em que o filme foi lançado, mas há alguns pontos interessantes quanto a isto no filme. O primeiro deles é que de fato, na maioria das escolas sequer há aula de educação sexual e, quando há, acaba sendo ministrada por alguém que não é qualificado para isso, não trazendo qualquer resultado.

E por falar em não qualificado, vamos fazer um breve parênteses para falar do professor em questão, que é descoberto com uma aluna e embora os demais alunos soubessem, ele só foi de fato afastado após o escândalo do Livro do Arraso, e dá pra perceber que a carga mais pesada fica para a aluna, menor de idade, pelo fato de ela ser mulher. Ela é quem sofre o slut-shaming. Mas dá para notar que talvez este ponto seja uma ironia do filme, para retratar a hipocrisia social, diferentemente de outras questões que já foram apontadas.

meninas malvadas

Falando em sexualidade, temos também a questão da mãe da Regina. Ela é, sim, altamente sexualizada (e convenhamos, totalmente desnecessária aquela cena do cachorro mordendo seus seios), e ridicularizada por querer se sentir mais jovem, quando, na verdade, ela acaba sendo uma vítima de toda uma cultura em que quando se é jovem, se pode tudo, mas quando a idade chega, é como se as mulheres fossem esquecidas e totalmente apagadas. Além disso, ela parece ser a única mãe que realmente fala sobre sexo com a filha, e inclusive oferece preservativos quando Regina está no quarto com seu namorado – embora seja, de fato, bem estranho ela entrar no quarto no meio de tudo.

meninas malvadas

Essa questão do machismo é bem presente no filme. A começar pela sexualização das personagens, especialmente das plásticas – e nem se fale das fantasias de Halloween. Mas é bem interessante como isso é tratado, especialmente pela professora da escola. Há um momento em que ela diz às garotas que elas precisam parar de se chamar de vadias, porque isso permitiria que os garotos também as chamassem dessa forma. Embora seja empoderador, por outro lado acaba reforçando que as mulheres devem sempre tomar suas atitudes baseada nos homens, dentro de um universo falocêntrico.

Outro ponto que reforça isso é a reação das meninas ao saberem do Livro do Arraso. Elas começam a se agredir fisicamente, como se mulheres se reduzissem à emoção, incapazes de ser racionais. Isso vira até piada, porque os garotos da sala acham divertido e até falam para as meninas tirarem a blusa enquanto “brigam”, objetificando-as.

meninas malvadas

 

É claro que o filme é humorístico e muitas coisas são tratadas como piadas, mas é sempre interessante a reflexão sobre estes pontos: consciência sempre!

Existe até um canal no Youtube chamado Honest Trailers e o de Meninas Malvadas é bem fiel:


Curtiu? Então leia mais sobre Meninas Malvadas aqui!
Leia também esta matéria de Érica Cristina, Jade Rezende, Júlia Mayumi, Mariangela Castro, Nathalia Giannetti, Rebecca Gompertz e Vanessa Marcondes sobre a análise do discurso trazido pelo filme.
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