Não há nada tão relaxante quanto olhar para a janela em um final de tarde chuvosa, mas talvez Coffee Talk chegue perto disso.
Lançado no final de janeiro em diversas plataformas, Coffee Talk te coloca no avental de um barista cujo café só funciona após a meia-noite. E a primeira coisa que salta aos olhos sobre o jogo, além do maravilhoso estilo em pixel-art, é a trilha sonora. O clima impera aqui, e de forma bastante apropriada, o jogo deixa você escolher a playlist do seu estabelecimento.
Por trás dessa imagem relaxante, porém, existem profundas tensões raciais. A cada dia dentro do jogo, você recebe uma edição diária do jornal local, lotado de informações acerca dos fantásticos habitantes desse mundo. Lá, todas as criaturas entre anões e elfos são reais – e cada grupo traz consigo suas relações políticas e pontos de vista, que vão se tornando ainda mais óbvios a cada conversa com alguns dos frequentadores do café.
Quando compradores chegam ao balcão, eles estão prontos para pedir algo que você de fato terá que fazer. Coffee Talk te oferece uma infinidade de ingredientes, que você utilizará como base ou camadas primária e secundária de sua bebida, dependendo do que está fazendo. Para bebidas mais simples, você pode simplesmente dar uma olhada no aplicativo dentro do jogo; um expresso triplo, por exemplo, é composto por três camadas de café. O jogo também permite que você faça suas bebidas artísticas, desenhando à mão sua arte de barista.
Mas as vezes, clientes pedirão bebidas mais complexas que não podem ser encontradas no app. Para essas, você deverá utilizar sua criatividade e intuição. Mas não precisa se sentir mal se errar uma bebida estranha usando o ovo errado, pois o cliente ainda assim tomará a bebida e o jogo te deixa descartar até cinco bebidas por noite, o que é útil para quando você erra.
Curiosamente, as histórias dos consumidores são determinadas por quais bebidas você serve para eles, e não pelas escolhas de diálogo. Um lobisomem, por exemplo, chega pedindo que faça uma bebida com gengibre que ajuda a lidar com as “fúrias” mensais que devem ser contidas. Eu errei a bebida, apesar de o educado lobisomem afirmar que voltaria para tentar novamente outro dia. E o que ficou foi aquele sentimento de que se você faz algo errado, isso é que terá ramificações para aquele personagem no futuro.
Talvez seja mais preciso dizer que você atua como um terapeuta mais do que como barista. Boa parte do jogo é ouvir o que os consumidores falam sobre seus problemas diários, o que dá ao jogo uma boa pegada de slice-of-life. Mas os problemas dos personagens não são aqueles que nós, reles humanos enfrentamos, afinal, eles não são humanos.
Um casal com problemas, composto por um elfo e uma súcubo, por exemplo, chega ao local agonizando sobre seu romance. Aparentemente, seus pais não aceitam o relacionamento por causa das diferenças culturais, e também pelas diferenças de duração de suas vidas – elfos vivem por muito, mas muito tempo. Esses personagens retornam posteriormente, e às vezes sozinhos, para discutir certos pontos do dilema. Você descobre, por exemplo, que enquanto a súcubo adora o elfo, ela não quer que ele abra mão de sua imortalidade por ela. Parece ser algo muito grande para se pedir.
Mas as histórias não são todas dramáticas. Em um momento, você encontra um alienígena utilizando um traje de astronauta, que não entende os costumes dos terráqueos. Em outros momentos, você pode simplesmente encontrar consumidores recorrentes pedindo a bebida de sempre enquanto falam no telefone. Ou então, alguém pode pedir uma bebida e ir sentar em outro lugar. É bem interessante. Memorizar as bebidas faz com que o jogo se torna uma experiência mais íntima, mesmo que você não fale muito. É certamente muito melhor do que quando os clientes começam a reclamar uns dos outros, por causa de diferenças de ponto de vista.
O jogo oferece uma enorme variedade de criaturas, de sereias a “neko-girls”. E aprender mais sobre eles enquanto serve uma bebida quente causa uma sensação muito confortável. Ainda que você erre o pedido.
O jogo está disponível para PC, PlayStation 4, Nintendo Switch e Xbox One.
Texto traduzido da Polygon.
Débora é musicista, professora de artes, pesquisadora de sociologia de gênero. Autoproclamada otaku-não-fedida e gamer casual. A alcunha de Liao veio de um site aleatório de geração de nomes japoneses (Liao é chinês, mas tudo bem).
