Uma série ótima, mas com alguns problemas.

No final do ano passado, Geralt de Rivia ficou irritado, montou sua égua e soltou diversos “fucks” e “hmms” durante a primeira temporada de The Witcher.

E apesar do texto a seguir não ser exatamente uma análise sobre todo o conteúdo da série, apontamos abaixo alguns dos principais pontos positivos e negativos sobre a nova série, que antes do lançamento prometia ser a “nova Game of Thrones” da Netflix.

O post a seguir contém spoilers da primeira temporada de The Witcher!

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CINCO PONTOS QUE AMAMOS:

1 – O foco da história em episódios, em vez de um grande arco único

Muitas das séries atuais, especialmente da Netflix, acabam tendo uma temporada inteira focada em contar uma única narrativa, esgotando-a completamente ao longo de vários episódios. E tudo gira ao redor disso, de forma que se você assiste aos episódios em sequência, tudo acaba parecendo um filme extremamente longo. Então é algo novo e empolgante ver The Witcher seguir outro tipo de pegada, nos oferecendo algo que realmente você sente ser episódico. Isso é algo diferente nas grandes produções de hoje em dia, mas você realmente pode abrir boa parte dos episódios da série, sem qualquer contexto e assisti-los aleatoriamente, porque o foco é nas histórias menores e específicas que se passam naquele mundo.

Claro, existe o arco principal (a jornada de Ciri em busca de Geralt), mas isso fica como plano de fundo por boa parte da série, enquanto acompanhamos as aventuras de caça aos monstros do bruxo. Isso não apenas dá à série aquele ar tão necessário de “monstro da semana”, como também a torna capaz de adaptar diversas das mais amadas histórias curtas dos livros, que deram origem a esse espetacular universo

2 – Os bizarros, porém casuais, monstros

A vibe de “monstro da semana” também quer dizer que podemos encontrar algumas criaturas muito legais dos livros durante a temporada. Do dragão dourado à Striga, e até mesmo o encontro quase fatal de Geralt e Yennefer com um Djinn. Da pior das Kikimora ao mais baixo Ghoul, a série apresenta muita ação e lutas contra monstros que certamente agradarão tanto os fãs dos livros quanto os dos jogos da CD Projekt Red.

Mas apesar de essas lutas sobrenaturais que Geralt participa nos fornecerem algumas cenas maravilhosamente brutais de ação – ainda que as lutas contra humanos sejam geralmente mais interessantes e melhor coreografadas – há algo muito mais atraente sobre a forma quase entediada com que Geralt lida com elas.

Todos os encontros são sangrentos e assustadores, especialmente porque, mesmo com toda sua habilidade, a série nunca trata Henry Cavill da forma como seu outro famoso alter ego, Superman. A ameaça em cada uma das lutas é palpável. Mas ao mesmo tempo, não importa o quão terrível ou letal a criatura possa ser, as pessoas do mundo de Witcher (inclusive Geralt) as tratam como parte da vida cotidiana. Porque normalmente existe uma espécie de fascínio por bajular essas criaturas e colocá-las em pedestais, mas enquadrá-las sob a ótica de Geralt como caçador de monstros dá um toque agradável e vivo ao universo de The Witcher.

3 – Jaskier, o bardo que conquistou todos os nossos corações

Para uma série com visuais sombrios de fantasia, The Witcher pode ser surpreendentemente piegas (e alegre) de vez em quando. Enquanto parte disso vem da amável rabugência de Henry Cavill como Geralt, boa parte vem de Joey Bartey, em sua maravilhosa performance como Jaskier, o bardo. Sua atuação cheia de brilho faz um ótimo contraste com o taciturno e renegado bruxo. E ele não é apenas fonte de boas risadas, mas seu relacionamento quase sempre unilateral com Geralt se torna uma das melhores dinâmicas em toda a série, seguida por um arco de aceitação ao modo trágico como o bruxo afasta seu único amigo verdadeiro em um momento de partir o coração. E é claro que a sua música mais famosa, “Toss a Coin to Your Witcher” é uma das melhores músicas daquelas que grudam no fundo da sua cabeça. O próprio Joey admitiu que elas estão grudadas na sua.

“O’ valley of plenty, O’ valley of plenty…”

4 – A Batalha de Sodden

The Witcher termina com uma gigantesca batalha, no momento em que a tensão entre Nilfgaard e os reinos do norte chega ao ponto mais alto em Sodden Hill, onde Yennefer, Tissaia, Triss e um grupo dos seus colegas magos decidem tomar lado no conflito, tentando impedir o avanço do exército imperial em território do Norte. Ao final da batalha, dos vinte e dois magos que iniciaram a batalha defendendo os civis do ataque de Nilfgaard, apenas oito resistiram, com até mesmo Yennefer aparentemente se unindo às casualidades depois de liberar todo o poder de sua magia para carbonizar a vanguarda Nilfgaardiana.

Mas não é apenas a escala épica da batalha que a torna fascinante, nem mesmo a inevitabilidade da redução dos números dos magos enquanto eles caem lentamente, e tampouco o espetáculo visual de todas as magias sendo lançadas. Existe algo fascinante na forma como The Witcher trata o papel dos magos no tradicional campo de batalha, criando um interessante exemplo de como se combinar os elementos fantásticos no mundo de forma realista.

Yennefer passa boa parte da batalha atuando como uma espécie de torre de vigia sobrenatural, se comunicando e distribuindo ordens entre seus aliados. Poções mágicas explosivas são lançadas sobre as tropas Nilfgaardianas, sendo atingidas por flechas que as colocam em combustão – e ainda temos uma cena meticulosamente trabalhada em que vemos a preparação das poções! A natureza praticamente druídica da magia de Triss se torna o equivalente a armas químicas, invocando cogumelos venenosos que eliminam boa parte dos soldados inimigos, além dos cipós venenosos utilizados para fechar um portão derrubado. E mesmo do lado Nilfgaardiano nós podemos ver algumas utilizações interessantes de magia, como a criação de uma névoa massiva para esconder o movimento de suas tropas pela colina, ou mesmo a utilização de vermes mágicos parasitas que se infiltram na fortaleza para sabotar as defesas controlando a mente dos soldados que defendiam o local. Essa batalha poderia ter sido representada apenas com troca de feitiços. Uma representação estilo Dragon Ball de raios de energia de um lado para o outro, e apesar de isso talvez não soar tão ruim assim, a forma como ela foi feita demonstra uma aplicação muito mais interessante do uso de magia em um cenário de fantasia.

5 – Que a série é secretamente sobre Yennefer

Geralt pode ser o rosto da franquia e Ciri pode ser o ponto focal da narrativa, mas Yennefer, de Anya Chalotra, é indiscutivelmente a personagem principal dessa temporada, passando por um arco interessante e moralmente complexo em que ela deixa de ser uma jovem vítima de terríveis abusos para se tornar uma das mais poderosas magas do Continente.

O arco de Geralt, de fuga – e eventualmente aceitação – de que seu destino está ao lado de Ciri, acaba sendo algo relativamente raso durante os oito episódios. Em contraste, o caminho de autorrealização de Yennefer sobre seu valor e legado, enquanto tenta encontrar equilíbrio moral e físico ao custo cobrado pela irmandade dos magos – especificamente seu útero, tirando a sua escolha de passar esse poder em frente ou de simplesmente criar a família que nunca teve – constrói um senso de crescimento muito mais satisfatório do que a “história principal”. Ao final, enquanto ela faz um último grande esforço para impedir o avanço dos invasores de Nilfgaard, ela parece finalmente fazer as pazes com seu legado. Ainda que não seja claro se ainda há mais a ser contado dessa história.

***

O QUE NÃO AMAMOS…

1 – A forma incompreensível que as linhas de tempo são apresentadas

Algo extremamente confuso que a série faz é separar os três personagens principais e seus arcos em três linhas do tempo completamente diferentes (ainda que Yennefer e Geralt venham a se encontrar, eles estão em partes separadas do passado comparado ao presente de Ciri fugindo de Cintra) e a série apenas deixa de explicar isso para o público.

Mesmo quando isso se torna claro após vários episódios na temporada – no momento em que Geralt e Jaskier participam de um banquete promovido pela rainha Calanthe, avó de Ciri, que havia saltado para sua morte no primeiro episódio – a série ainda não parece reconhecer isso. Ela só deixa o público tentar entender o que diabos está acontecendo com relação ao resto da série, e simplesmente continua fazendo coisas similares o tempo todo durante a temporada. É apenas no clímax do último episódio que os personagens acabam realmente estando no mesmo período de tempo.

É uma decisão confusa. Apesar de haver alguns benefícios – especialmente para a história de Geralt, como ele vai de contrato em contrato, deixando que o personagem se mova mais livremente – isso acaba gerando uma espécie de barreira para o público (especialmente para aqueles que não conhecem a forma que o livro salta no tempo), prejudicando alguns personagens. Certas cenas que deveriam ter impacto emocional, como os relacionamentos entre Geralt, Yennefer e Jaskier no episódio seis, acabam não sendo tão impactantes assim porque apesar de esses personagens já se conhecerem há bastante tempo nesse momento, as curtas cenas fazem parecer com que eles mal tenham interagido entre si.

2 – O excesso e ao mesmo tempo uma imensa falta de informações sobre os personagens

Precisamos falar algo sobre a forma casual que The Witcher libera detalhes sobre seu mundo, o que às vezes pode ser uma barreira frustrantemente alta, ainda que você decida se esforçar para superá-la. Conceitos e terminologia são lançados em frases sem maiores detalhes, e a forma desigual com que as coisas são explicadas ou não para o público pode causar muita confusão (tipo, por exemplo, não saber a diferença entre o tipo de magia utilizada por Geralt, Yennefer e o estranho poder de Ciri). Por algumas vezes você consegue ouvir alguém se referir à “Conjunção”, e aí você se lembra de que isso meio que foi explicado no episódio dois, mas nem tanto.

Além disso, o cenário de guerra entre Cintra e Nilfgaard e o fato disso ser um elemento central da temporada, não são suficientes para que a série explique qual o atual estado do Continente, onde ele fica ou qualquer sentido de onde ficam os locais nesse mundo faz com que nos sintamos perdidos. Tão pouco tempo é dedicado para ampliar a visão de onde os personagens e locais estão em relação um ao outro, que mesmo quando eles se encontram, de alguma forma estranha eles parecem isolados.

Entre a igualmente mal explicada linha do tempo e o ritmo parado e acelerado de guerra, parte da liberdade de narrativa da série vem ao custo de efetivamente se introduzir seu mundo ao público que não está familiarizado com os livros ou jogos, e com um mundo tão interessante como esse, isso é realmente uma pena.

3 – A falta de foco no arco de Ciri

Vários dos maiores acertos e erros da série envolvem o que deveria ser a sua mais importante personagem. Ciri é vital para o momento da série, e ainda assim passamos muito pouco tempo com ela. E esse curto intervalo que passamos com ela pareceu apenas mais do mesmo, então ele combina bem com o monte de histórias sem contexto e passeios pelo continente até que ela eventualmente encontre Geralt. Ou ao menos, apareça no mesmo período de tempo que ele. Diferente de Geralt ou Yennefer, quem é Ciri como pessoa é um assunto que sequer foi abordado (salvo pela sua vital importância para o cumprimento do destino). Nós apenas ouvimos que temos que nos preocupar com ela, sem sequer recebermos um motivo decente para isso. E isso é ruim, uma vez que, como dito anteriormente, ela é o que mantém a série avançando.

Com Geralt e Ciri finalmente se reunindo no final da temporada, e com o desaparecimento de Yennefer a retirando ainda que temporariamente de cena, essa é a grande chance para que Ciri tenha o mesmo nível de questionamentos que Geralt e Yen já tiveram. Mas ter que acompanhar uma temporada inteira de Freya Allan correndo sem direção e ocasionalmente gritando até a morte de alguém, até que algo aconteça, é um desperdício imenso do potencial da personagem.


Texto traduzido da io9.

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