O jogo que finalmente libertou a jornada dos ciclos tradicionais.

O texto a seguir é uma tradução de um artigo de opinião de autoria de Chelsea Stark para a Polygon. Buscamos reproduzir seu relato da maneira mais fiel possível, mantendo inclusive a pessoalidade do texto.

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Neste verão, completou dois anos desde a primeira vez que abri The Legend of Zelda: Breath of The Wild. E foi mais por um capricho, por uma possibilidade de passear pelos campos verdejantes de Hyrule sem ser interrompida. Eu estava me sentindo ansiosa, o que normalmente eu curo saindo para dar uma caminhada, mas a umidade de um agosto pantanoso de Nova York me manteve em casa. Na minha cabeça, a folhagem brilhante e os ambientes variados disponíveis para Link explorar seriam substitutos adequados para uma verdadeira caminhada pelo parque.

Eu achei que já tinha extraído tudo que eu podia de Breath of the Wild durante minhas 120 e poucas horas com o jogo, ou ao menos tudo que eu poderia querer tirar dele. Mas em apenas uma hora ou um pouco mais depois de começar, minha caminhada sem rumo acabou me levando para o canto sudeste do mapa, seguindo a linha da costa que eu talvez tivesse ignorado anteriormente. E foi assim que acabei chegando ao vilarejo Lurelin, escondida em uma enseada. Uma comunidade litorânea inspirada por vilas tropicais de pescadores.

“Como é que eu tinha perdido isso?”, eu fiquei me perguntando enquanto explorava, perseguia caranguejos e tentava recuperar tesouros das profundezas das águas claras e cristalinas.

Encontrar Lurelin não é essencial para completar o jogo. Não há nenhum tipo especial de armadura escondido por lá, ou mesmo um item raro que não possa ser encontrado em outros locais. É apenas um local pitoresco escondido em um canto das vastas extensões de Hyrule. E é isso que torna sua inclusão algo mais fascinante quando você volta um pouco e pensa nisso. Muitas coisas em Breath of the Wild não têm um propósito senão fazer de Hyrule um local rico e cheio de vida. Elas não fazem parte de uma lista de um jogador que queira platinar o jogo. Elas na verdade só servem para recompensar a curiosidade dos jogadores.

Breath of the Wild estabeleceu um novo padrão para jogos de mundo aberto com foco em exploração. Nenhum NPC vai ficar no seu pé dizendo para onde você deve ir, qual a próxima cidade ou objetivo. O jogo não se baseia em waypoints (a não ser que o jogador estabeleça um). Meu mapa nunca ficou poluído com marcadores de missões.

O jogo pega muitas das tendências dos lançamentos recentes de Zelda, mas também subverte todos os padrões de jogos de exploração em mundo aberto que o antecederam. Seu mundo é tão reativo e expansivo que estabelece um novo padrão para os jogadores. E esses novos padrões estão mudando a forma como os jogos são feitos.

Os desenvolvedores amam dizer que os jogadores podem “jogar da forma que quiserem”, mas frequentemente este não é o caso. Ainda assim existem as formas “boas”de jogar, ou estilos que te recompensam mais durante o jogo, seja por conseguir mais pontos de experiência ou algum elemento de narrativa. Mas ao desenvolver o jogo ao redor da curiosidade do jogador e oferecendo recompensas a cada desvio – tangível ou não; às vezes um cenário maravilhoso é toda a recompensa que precisamos – a Nintendo libertou a jornada dos ciclos tradicionais dos jogos. Para mim, jogar Breath of the Wild se tornou mais uma forma de verdadeira exploração, sobre seguir meus instintos sobre algo no horizonte do que cumprir as tarefas de Link.

As claras escolhas de design da Nintendo reforçaram essa liberdade. O diretor do jogo, Hidemaro Fujibayashi revelou durante uma conversa em 2017 como ele tentou desenvolver algo mais aberto, para um jogo “ativo”. Ele pediu ao diretor técnico do jogo que desenvolvesse uma versão 2D que espelhasse o jogo original de NES. O protótipo, esperava Fujibayashi, ajudaria o time a traduzir essa experiência de Zelda de algo passivo – você só podia seguir uma rota para avançar, e cada masmorra somente podia ser resolvida por meio do item correto – em algo mais auto-direcionado, em uma jogabilidade ativa. Ele afirmou:

Eu queria criar um jogo onde o jogador pudesse verdadeiramente experimentar liberdade no campo de jogo, e um sentimento de aventura recorrente, enquanto livremente navegasse por ele. Quando eu comecei a pensar dessa forma, Zelda de NES veio a minha mente. Toda vez que corria a tela, havia uma nova descoberta a ser feita.

É claro que a Nintendo também precisaria tornar atraente a possibilidade de se desviar daquele caminho fixo. E as paisagens de Breath of the Wild são tão variadas que incluem o equivalente a um continente em elementos naturais. Fixe seu olhar no horizonte e tenho certeza que você encontrará algo que deseje explorar. Parte disso é geometria pura, de acordo com os desenvolvedores. Triângulos despontando no horizonte oferecem dicas sobre objetos, mas também escolhas a serem feitas. Eu deveria seguir até o topo da colina para ter mais uma visão deslumbrante ou ao seu redor para explorar uma floresta ou vale? Esses triângulos, sejam pequenas colinas ou o Monte Lanayru, também cobrem a visão de outras coisas, de forma que os desenvolvedores possam esconder segredos por detrás deles.

O mapa dentro do jogo também é capaz de incitar curiosidade. Ele parece mais próximo de um verdadeiro mapa feito por um cartógrafo, em vez de estar lotado de marcadores de objetivos para missões principais e paralelas. Constantemente, os personagens do jogo (ou um livro no fundo de uma taverna) podem sugerir que eu procure por alguma característica natural para começar uma missão: uma campina logo nos arredores da cidade, um lago em formato de coração. Essas migalhas parecem muito mais naturais e realistas, especialmente em Hyrule, um mundo livre de celulares onde eu não posso simplesmente marcar no Google Maps onde eu quero ir.

E enquanto Breath of the Wild deu um passo arrojado em direção às escolhas “ilimitadas”, ainda não vimos muitos jogos seguirem os seus passos – pelo menos não por enquanto. Mas alguns jogos menores já pegaram algumas dicas disso.

O criador de Her Story, Sam Barlow, falou abertamente em várias entrevistas como seu novo projeto, Telling Lies, foi inspirado em Breath of the Wild. Apesar de o jogo não ser sobre exploração de uma forma tradicional, ele pede que os jogadores mergulhem em dúzias de horas de gravações em vídeo. Cada palavra dita por um ator é arquivada, e eu só preciso de um clique em um pronome mais convincente para mudar de algo que eu estava originalmente fazendo para uma trilha mais interessante.

“A comparação (que sempre faço é que) andar ou correr atrás de algo interessante em Zelda, era, por si só, algo interessante e divertido”, afirmou Barlow durante a GDC deste ano. “Não é algo como jogos de mundo aberto em que tenho de ir de A a B só porque devo. Eu queria descobrir como fazer com que assistir a esses vídeos fosse o equivalente a correr por um campo em Zelda. A jornada deveria ser divertida”.

Barlow conseguiu alcançar esse objetivo, já que a estrutura livre de Telling Lies permite que você digira sua história a partir de diversos pontos de início. Até a narrativa e mistério do jogo começarem a tomar forma, eu saltei de palavra em palavra de sua ferramenta de pesquisa, dominada pelo instinto em vez de seguir uma checklist sobre o que fazer.

Faz apenas dois anos e meio desde que Breath of the Wild foi lançado. Ainda temos vários jogos em fase inicial de desenvolvimento, cujos criadores internalizaram essas lições e, provavelmente, veremos muitos deles nos consoles da próxima geração. Leva algum tempo até que essas lições passem para os próximos jogos, mas meu palpite é que o futuro dos jogos já foi fortemente influenciado por ele, mesmo que ainda tenhamos que esperar parar jogar os jogos que levarão ainda mais longe o que fez a última obra-prima da Nintendo.


Texto traduzido e adaptado da Polygon.

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