Papo sério.

Texto traduzido do artigo da autora Sandra Song para a Revista Bustle

No que diz respeito aos tipos de papéis desempenhados pelos atores asiáticos-americanos em Hollywood nos dias de hoje, percorremos um longo caminho em que não vemos mais tantos estereótipos abertamente ofensivos.

Nos anos passados – desde o nerd protótipo Takashi em A Vingança dos Nerds (1984) até Cherita Chen de Donnie Darko (2001) – era comum ver uma grande variedade de personagens secundários com “peculiaridades” racialmente derivadas que agiam como nada além de forragens cômicas. À medida que nos afastamos dessas representações estereotipadas, também conseguimos expandir essa destilação bizarra da experiência asiático-americana em outra fórmula menos obviamente ofensiva. De alguma forma, para subverter ativamente os estereótipos tradicionais da “Ásia-América”, também parece que estamos flertando com um novo tropo reacionário, especialmente para as mulheres americanas-asiáticas: a da parceira peculiar. Estranha, excêntrica, extravagante, exótica. Por aí vai.

Alguns exemplos, apenas dos últimos anos, incluem Marianne, uma garota hippie e descolada de Amigos da Faculdade (2017), a carismática batedora de carteiras da Awkwafina em Oito Mulheres e Um Segredo (2018), Kelly Kapoor do The Office (2005), Tina Cohen-Chang de Glee (2009) e a ingênua SoSo de Orange is The New Black (2013).

E a lista de personagens secundários assim continua a crescer à medida que começamos a ver cada vez mais produções abraçar o que, em seu nível mais básico, pode ser considerado diversidade. É um progresso no sentido de que os personagens asiático-americanos estão obtendo histórias distintas nessas produções, mas o fato de que essa linha lateral de estereótipo pode até ser traçada prova que há muito mais trabalho a ser feito quando se trata de acabar com estereótipos por completo.

A parceira peculiar é algo que não escapou à atenção dos criadores asiáticos-americanos em Hollywood. Como Veena Sud, do The Killing, disse durante uma discussão organizada pela Academia de Televisão no ano passado, um impulso em direção à diversidade encaixotou muitos desses personagens coadjuvantes no “melhor amigo peculiar e diversificado que faz algumas piadas e vai para casa, e a história de amor é com duas pessoas heterossexuais brancas”.

“Queremos ser os heróis”, disse Sud.

Queremos ser os protagonistas. Não queremos ser o melhor amigo peculiar… ou a pessoa que morre no final da história. Isso é velho. Já fizemos isso antes.

Awkwafina como Constance em ‘Oito Mulheres e Um Segredo’, da Warner Bros. Pictures

O tropo “peculiar/estranho” não é tão onipresente quanto o tropo do asiático nerd ou do personagem não-branco que é um modelo pra sociedade – que é algo que o entretenimento em geral está, felizmente, começando a deixar para trás. Ele está começando a emergir como um novo tipo de filme que serve apenas para destacar os protagonistas (principalmente brancos). E mesmo que o tropo do asiático-secundário-peculiar seja de certa forma um progresso no sentido de que é uma oportunidade para os atores asiáticos chegarem aos créditos principais do cinema, também é algo que devemos ter cuidado.

Como a Dra. L.S. Kim (professora associada da Universidade da Califórnia – Santa Cruz, e estudiosa em estudos de televisão especializados em representação racial) diz:

Há um nível de achatamento – ou falta de nuances, o que significa que esses personagens se parecem com representações imaginárias em vez de seres humanos multidimensionais – e isso acontece quando esses tipos de tropos são empregados. E embora isso seja algo que acontece em geral com a maioria dos personagens não-brancos, é notável que o peculiar papel de coadjuvante asiático seja aquele que provavelmente evoluiu de um desejo de subverter as normas convencionais.

“O ‘ajudante peculiar’ é outro tipo de taquigrafia visual icônica”, Kim disse para a revista Bustle. “[É] o oposto do padrão [de pessoa não-branca], mas não necessariamente desenvolvido como um personagem”. Basta olhar para a agora infame mulher asiática com uma mecha de cabelo tingida, que usa o penteado para denotar esteticamente uma diferença entre a personagem “irritável” e seu lado asiático “recatado”, como acima mencionado.

L.S. Kim explica que a dependência desse tipo de tropo binário geralmente ocorre quando os escritores tentam criar personagens asiático-americanos que não são conformes com as normas da mídia tradicional.

“Oferecer um caráter complexo, de qualquer raça ou gênero, requer trabalho e criatividade. Frequentemente, confiar em tropos se torna uma espécie de atalho para criar inferências sobre a personalidade e a história de fundo do personagem”.

Ela também ressalta que, quando esses personagens cumprem seu objetivo em termos de impulsionar a narrativa para a frente, eles tendem a se dissipar em segundo plano, como visto em personagens como Helen Cho, de Os Vingadores, e Knives Chau, de Scott Pilgrim.

O amigo peculiar é realmente divertido e podemos ter prazer com a aparência inesperada, mas se você pensar a fundo sobre isso, também é triste que esse personagem esteja frequentemente, em última instância, sempre sozinho. Devemos reconhecer e exigir que haja mais possibilidades de ver os asiático-americanos representados na mídia.

Temos que entender o contexto maior: os personagens asiático-americanos são tão pouco e muito menos desenvolvidos que os personagens brancos.

Jae Suh Park como Marianne na série ‘Amigos da Faculdade’, Barbara Nitke/Netflix

Para corroborar com o ponto da Dra Kim, temos um estudo de 2017 sobre tokenização asiático-americana no horário nobre de televisão mostrou que, além de terem baixa visibilidade, os personagens asiático-americanos também eram “amplamente isolados em relação de outros personagens”. A autora do estudo, Nancy Wang Yuen, afirma sobre isso:

“O resultado? As mulheres americanas asiáticas, em particular, são colocadas em segundo plano e tendem a ser vistas como ‘personagens de passagem’ ou pontos de trama para histórias de outras personagens”.

Então, por que isso não está sendo discutido? A Dra. Kim acredita que há uma hesitação em chamar o estilo “asiático-americano peculiar” de “tropo”, porque isso admitiria que há um elemento de racismo por trás da tendência [em direção contrária à diversidade] . E ela diz:

Fico feliz em ver rostos asiáticos na TV, especialmente em papéis inesperados. No entanto, temos que entender o contexto maior: os personagens asiático-americanos são tão poucos e muito menos desenvolvidos que os personagens brancos. Parece que existe uma prática para colocar um asiático-americano em um papel absolutamente sem especificidade cultural ou com pouca conexão com sua experiência familiar ou racial.

Dito isto, a prevalência do parceiro peculiar também é um pouco complicada pelas tendências mais amplas de Hollywood, especialmente quando o estado geral da indústria é levado em consideração. Embora a diversidade tenha se tornado um grande ponto de discussão, tentativas de diversificar elencos ainda podem ser difíceis em muitos projetos. “Hollywood não é uma máquina veloz”, diz a diretora de elenco Julia Kim (sem relação com a Dra. Kim, mencionada anteriormente) para a Bustle.

No momento em que eles pulam em uma tendência, essa tendência já pulou no tubarão. Eles estão apenas começando a se incorporar devido à pressão.

No entanto, Julia Kim acredita que também há um lado positivo, principalmente porque “esses papéis secundários em um filme de estúdio são ótimas maneiras de um ator brilhar. Ser capaz de acrescentar isso a um currículo, que eles [atuaram] em um projeto da Warner ou da Universal – isso importa”.

Enfatizando que muitos atores asiáticos não têm o poder de estrela que muitos executivos de Hollywood procuram em termos de garantia de retorno de bilheteria, Julia Kim diz que o fato de muitas produções estarem enfatizando a contratação de um elenco diversificado é um grande passo na direção certa. Dito isso, ela admite que há uma possibilidade da esfera do entretenimento crescer em termos de execução desses tipos de personagens de uma maneira mais sutil.

Então, qual é a solução? Ou talvez o mais importante, como permitimos que o peculiar coadjuvante asiático floresça sem que ele se torne um novo arquétipo? De acordo com a Dra. L.S. Kim, trata-se de conseguir mais asiáticos não apenas na frente das câmeras, mas também atrás delas!

“Precisamos de mais asiáticos americanos incluídos como parte do modo de produção da mídia”, explica ela, insistindo que o que devemos focar é colocar mais escritores asiáticos na mídia, principalmente, porque “não se trata apenas do produto, é sobre o processo”.

Além disso, Julia Kim argumenta que, para progredir, “é preciso criar nuances e apelo visual para as pessoas que não têm imaginação”.

Keiko Agena como Lane Kim em ‘Gilmore Girls’, da Warner Bros

Keiko Agena – que chegou à fama como Lane Kim de Gilmore Girls, provavelmente o primeiro exemplo do fenômeno asiático-americano peculiar – também concorda com essa avaliação, dizendo que, como atriz/ator, você “apenas tenta fazer as melhores escolhas possíveis com o material que recebe”. E explica:

Se você tem escritores principalmente brancos, eles não têm essa diversidade em suas próprias vidas – a menos que propositadamente saiam e contratem esse tipo de equipe para contar uma história que não se sentem à vontade para contar. Isso é difícil, mas agora é muito mais positivo do que a três anos atrás. Mas até que as salas dos roteiristas realmente mudem, os atores são apenas o resultado final das decisões que foram tomadas antes.

Ela também aponta para a importância de uma hashtag viral recente chamada #ShowUsYourRoom (Mostre-nos sua Sala [de roteiristas], em tradução livre), que pediu aos showrunners para tirar fotos de suas salas de escritores. Criada pela escritora da série animada Central Park, Amanda Idoko, a tag tem como objetivo pressionar as produções com iniciativas de diversidade declaradas publicamente. Principalmente, aquelas que podem não ser tão inclusivas quanto as salas dos roteiristas de outras séries de sucesso como Insecure e On My Block.

No entanto, Agena acredita que o fato da maioria dos personagens agora ser escrita como “etnia aberta” – ou um papel aberto a um ator de qualquer raça – é uma indicação de que as coisas estão melhorando gradualmente. “Acho que pode parecer muito fácil dizer isso apenas quando eles não são os protagonistas, quando então tudo parece ser apenas uma forma de dar pontos de diversidade”, diz Agena. Mas ela completa:

“Uma série é composta por todas as pessoas que fazem parte dela. Se você não é o protagonista da série, ainda é uma parte importante dela”.

Levando em consideração todos os roteiros que ela está praticando para audições, Agena também sente que estamos à beira de uma grande mudança em termos de elenco de Hollywood.

Está chegando uma grande mudança que ainda não chegou totalmente, já que existem muitos roteiros e projetos no ar [como The Good Doctor, de Daniel Dae Kim]. Acho que vocês verão mais asiáticos nos papéis principais.

Daniel Dae Kim como o Dr. Jackson Han na série ‘The Good Doctor’, da ABC

Mas podemos ter que esperar um pouco mais para ver resultados mais tangíveis dessa mudança. Adicione isso ao fato de que a maioria dos protagonistas ainda tendem a ser brancos, e isso significa que os estúdios provavelmente estão “procurando preencher o elenco”.

“Se eles não querem que seja um elenco puramente branco, o que a maioria dos estúdios e redes não quer, você [acaba] tendo um monte de papéis coadjuvantes para pessoas não-brancas”, teoriza Agena. “É por isso que você está vendo mais esse tipo de mulher asiática”.

E embora seja importante manter um nível de realismo em termos do progresso de Hollywood, isso não significa que se trata de um problema a ser ignorado, especialmente quando há tantas histórias diversas para contar e perspectivas para explorar.

Afinal, como a Dra. Kim afirma: “o objetivo é ter mais séries de televisão e filmes (compartilhados através de inúmeras plataformas) com os americanos asiáticos incluídos e envolvidos”.

“Eu não acho que exista uma ‘história da América-Asiática'”, acrescenta ela.

Em vez disso, trata-se de uma infinidade de perspectivas asiático-americanas que podem ser empregadas, enfatizadas e simplesmente compartilhadas por meio de [criativos asiáticos-americanos].


Texto traduzido da Bustle.

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