O que o filme História de um Casamento acerta e erra sobre a ação de divórcio? Será que todo o drama é real?

O filme História de um Casamento, de Noah Baumbach, chegou à Netflix logo após receber qualificações para o Oscar, especialmente por sua honestidade brutal sobre os dias finais de um casamento, mostrando como as coisas podem ir rapidamente de “amigável” para “tóxico” através da judicialização do divórcio.

É um ótimo filme, cheio de performances realmente maravilhosas e atores talentosos, mas qual é a precisão quando se trata dos procedimentos de um processo de divórcio real?

Atenção: a partir deste ponto, a postagem contém SPOILERS.

Local de propositura da ação (ou Competência)

A maior questão do filme e do divórcio em si é o filho Henry e quem deterá sua guarda. É uma batalha entre Nova York, representando a maneira inflexível e confortável da qual Charlie (Adam Driver) gostou, e Los Angeles, simbolizando a nova e desconfortável realidade, onde Nicole (Scarlett Johansson) quer se encontrar.

Na vida real, é incrivelmente difícil para os pais se afastarem de um filho, e a legislação busca sempre proteger o melhor interesse da criança, tentando evitar bruscas mudanças de rotina que possam interferir em seu processo de desenvolvimento, já que o divórcio é uma grande alteração na vida da criança. A História de um Casamento narra isto ao fazer Nicole se mudar para Los Angeles antes que ela realmente peça o divórcio.

Mas, na realidade, Nicole não teria permissão para ajuizar a ação na Califórnia. Os estados americanos exigem que as pessoas morem lá por um tempo e comprem residência por um período específico de tempo antes de entrar com uma ação de divórcio. Na Califórnia, esse período é de seis meses, tempo bem maior do que os poucos dias que são retratados no filme. Na vida real, Nicole teria que propor a ação em Nova York.

Aqui no Brasil, o Código de Processo Civil possui algumas regras e, em primeiro lugar, a ação é proposta no domicílio do guardião da criança. Neste caso em que a guarda não foi discutida ainda, considera-se a guarda de fato (que, no filme, é de Nicole).

A interferência de advogados

O filme também trabalha a linha tênue entre a ideia inicial do casal em resolver o divórcio sem a interferência de advogados, e, após Nicole ter encontrado Nora, ter optado pela assistência jurídica. Nora é a primeira pessoa que escuta Nicole, dá a ela valor e voz, antes apagados por Charlie. Vemos aqui o envolvimento maior de advogados que atuam na área familiar, representando fielmente a realidade.

De fato, é possível realizar o divórcio de forma consensual sem o ingresso de ação. Aqui no Brasil, o Divórcio Extrajudicial realizado em cartório não pode ser feito quando há filhos menores, mas é possível que o casal entre em acordo através, por exemplo, do setor de conciliação e este acordo seria avaliado pelo Ministério Público, com posterior homologação judicial, procedimento este que, a depender do caso, dos fatos e do relacionamento do casal, pode ser menos estressante, mas nem sempre! Às vezes evitar a audiência de conciliação é a melhor solução, especialmente quando envolve qualquer das formas de violência doméstica.

Voltando ao filme, Charlie pula entre dois advogados. Um cara ótimo e calmo que realmente cuida das coisas (Alan Alda), e um bem bobão (Ray Liotta). Os valores cobrados parecem ser bem superiores à média cobrada aqui no Brasil (inclusive pela tabela da OAB), mas eu não trabalhei em Los Angeles… E lá com certeza o valor é bem superior.

Ah, e a situação em que Nicole consulta todos os bons advogados da cidade para removê-los como opções para Charlie? Definitivamente, isso é algo que realmente acontece. De acordo com o Código de Ética Brasileiro (art. 20), o advogado não pode atuar para a parte contrária após ter sido consultado pela primeira. É uma tática questionável pelo lado moral.

Por fim, o filme História de um Casamento é muito cuidadoso para mostrar que os advogados não fazem as pessoas fazerem coisas ruins ou se tornarem mesquinhas, mas eles podem absolutamente capacitar e ampliar o pior das pessoas. A frase mais precisa do filme é “advogados criminais veem as pessoas más da melhor maneira possível, advogados de divórcio veem as boas pessoas da pior maneira possível”. É exatamente isto, já que muitas vezes o fim de um relacionamento transforma as pessoas numa versão bem ruim.

História de um Casamento

As cenas de tribunal

Algo que não acontece é uma cena de tribunal, como vemos com Dern e Liotta, apenas discutindo sobre os clientes um do outro. Não tenho ideia de que tipo de audiência deveria ser ou o que eles estavam tentando provar ao juiz (e por que ele estava lá?). Mesmo em direito da família é necessário respeitar as regras processuais. Os advogados não conseguem simplesmente fazer declarações sobre pessoas do nada e certamente não conseguem gritar umas com as outras.

A cena é ruim, em termos de retratar o que aconteceria em um tribunal real, mas é uma grande dramatização do que acontece durante o divórcio em uma escala diferente. Os ataques, as incriminações, a maneira como traz à tona o pior das pessoas e como coloca as crianças no meio de uma guerra emocional pela qual elas não são responsáveis. Algumas das reivindicações – como Nicole pedindo o dinheiro da pensão de Charlie – seriam viáveis, mas outras – como Charlie pagando 30% dos honorários contratuais de Nicole (no caso, só pagaria os honorários de sucumbência se perdesse a ação no todo ou em parte) não são.

Alcoolismo de Nicole

Os advogados de Charlie buscam explorar o consumo de álcool por Nicole, mas, honestamente, pelo que o filme mostra, não parece haver uma grande dependência. Este aspecto costuma ser avaliado pelo Setor Técnico em estudos sociais e psicológicos, para identificar eventuais riscos à criança – e, também, costuma ser explorado nos processos para tentar inviabilizar a guarda unilateral do filho pelo outro (quase-ex) cônjuge.

Há diversas tentativas nos processos de divórcio para tentar desfazer a boa imagem do outro e, às vezes, em frente ao próprio filho. Complicado.

Veredicto

Assisti ao filme preocupada, achando que seria outro filme feito sem advogados envolvidos para consulta, mas não é o caso. Ele traz uma imagem realmente excelente de como ocorrem muitos divórcios e de como o conflito não é realmente sobre advogados ou até o filho, mas sobre anos de raiva, mágoa, ressentimento e medo surgindo, sem um diálogo adequado sobre as situações. É de se ver, mesmo, que o amor sozinho não é suficiente para sustentar um relacionamento. É preciso esforço e respeito mútuos, acima de tudo.

História de um Casamento é um drama e tanto, com uma justa indicação ao Oscar. Prepare o lencinho!

História de um Casamento


Matéria traduzida e adaptada de The Mary Sue.

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