Um filme maravilhoso com mensagens maravilhosas.

Já se passaram mais de 150 anos desde a primeira publicação de “Little Women”, da escritora Louisa May Alcott, mas o terceiro trabalho de direção da jovem cineasta Greta Gerwig demonstrou como a obra continua sendo relevante. Apesar das metas elevadas, a diretora de Lady Bird: A Hora de Voar não exagerou ou tornou maçante seu olhar afetuoso sobre as irmãs March, que sempre foram estilizadas como versões diferentes da evolução da feminilidade, mesmo no meio do século XIX. Em vez disso, sua adaptação olha para as adoráveis mulheres através de técnicas ambiciosas de narração, que modernizam a história atemporal do livro de maneiras inesperadas.

Porém, os fãs da obra original (e da adaptação de 1994, por Gillian Armstrong) não precisam se preocupar com as implicações contemporâneas do filme de Gerwig. Apesar de ser consumido por questões sobre ambição, economia e o papel de uma mulher no mundo, Adoráveis Mulheres é claramente o trabalho de alguém mergulhada em carinho pela obra original, e profundamente ciente que as preocupações dos Alcott e das irmãs March (amplamente baseada na família da autora) nunca foram resolvidas, independente do tempo.

Em resumo: é a mesma história que durou por séculos, recebendo uma nova vida com um conceito original de narrativa, e um nível de “modelagem” que é absolutamente impressionante.

Começando já após o final da infância das garotas, a abordagem de Gerwig do material é contada principalmente pela perspectiva da segunda irmã mais velha, Jo (Saoirse Ronan, novamente provando por que ela e Gerwig fazem uma combinação cinematográfica tão incrível), apresentada como uma escritora passando por dificuldades na cidade de Nova Iorque. Em pouco tempo, Gerwig apresenta seu conceito de narrativa ao viajar entre locais e épocas, irmã a irmã, com o auxílio do editor Nick Houy, que trabalha com excelentes transições, capazes de recompensar quem assiste ao filme por diversas vezes. Assim que Jo menciona que sua irmã Amy (Florence Pugh) está em Paris, a história vai até ela; uma visita a irmã mais velha, Meg (Emma Watson) termina com uma transição da porta da frente de sua pequena casa para a grandiosa entrada da residência da família March enquanto a angelical Beth (Eliza Scanlen) tenta enganar o tempo, sentindo falta de suas irmãs. Não existe Jo sem Amy, ou Meg sem Beth. Tudo é conectado, ou ao menos, cada uma das meninas March é conectada a outra, exatamente como deveria ser.

A narrativa elíptica de Gerwig entrelaça tanto o passado (sete anos antes) e (o relativo) presente com facilidade – qualquer confusão é rapidamente dissolvida através do uso das diferentes paletas de cores entre os períodos, e ocasionalmente, o penteado bastante diferente de Jo – tornando os cortes mais rápidos e a aproximação ainda maior, à medida que a emoção aumenta. E tudo é suavemente emoldurado pelas tentativas de Jo buscando decolar sua carreira como escritora, compelida tanto pela sua própria ambição, como também por sua necessidade (Gerwig é a última pessoa que ignoraria o fato de que o livro foi inspirado pela própria vida de Alcott, incluindo suas irmãs em sua ambição como autora).

Créditos de imagem: Wilson Webb

Os ajustes de Gerwig ajudam a iluminar conceitos modernos em um cenário ultrapassado, como quando um “possível editor” (um barulhento Tracy Letts) a incentiva a terminar sua história de uma maneira feliz, com as heroínas casadas ou mortas. Jo, é claro, não parece nem um pouco interessada nisso. E isso, pelo menos, nunca vai mudar.

Ronan interpreta uma vibrante Jo; o que deve ser creditado tanto à atriz quanto à sua diretora, pela sua atuação tão diferente daquela de Winona Ryder na adaptação de Armstrong, mas ainda tão conectada ao espírito da personagem. O interesse de Gerwig em explorar as preocupações econômicas da família March de uma forma mais complexa do que outras adaptações, inspira algumas das melhores cenas de Ronan: da precoce empolgação com a possibilidade de vender a história para o exigente Sr. Dashwood (Tracy Letts), até o comovente discurso em que ela descarrega tanto sua terrível ambição como a horrível solidão pessoal que isso a levou a sentir.

Isso também a coloca como o oposto de sua irmã mais nova, Amy. Enquanto Jo é obrigada a lidar com a realidade da situação financeira da família, constantemente tendo que apressar seu próprio trabalho para que possa vendê-lo e sustentar a família, Amy continua motivada em suas próprias ambições artísticas por causa de si mesma. A interpretação de Pugh da personagem (sempre tratada como a mais boba das irmãs) possui uma dimensão muito maior do que encontramos nas adaptações anteriores do livro, tanto por causa de seu desempenho incrível no papel – o que permite  Amy oscilar entre a esperada frivolidade e uma profundidade realista – como pelas adições narrativas de Gerwig, que emolduram sequências centrais da história sob sua perspectiva (assim como Jo, Amy recebe seu próprio discurso sobre o lugar de uma mulher no mundo, que não apenas é atual e preciso, como apropriado em relação a obra original).

Além disso, é claro, temos o problema de Laurie (Timothée Chalamet), que entra na trama como um tímido estranho que se apaixona imediatamente por Jo e acaba no final demonstrando ser o grande amor da vida de Amy. A aproximação fortalecida de Gerwig com a vida interior de Amy também cria novas facetas em Laurie, que de maneira similar oscila entre o filho mimado e o sábio adulto, enquanto tenta encontrar seu lugar no mundo.

E esse lugar não existe sem as mulheres March, que sacodem sua trágica vida (órfão, sozinho, isolado) e acabam mudando completamente as coisas. Seu distante avô (uma atuação de partir o coração, de Chris Cooper) também faz parte dessa mudança, e eles ficam deslumbrados ao serem lançados em um mundo de mulheres (uma cena em que toda a família March quase invade a propriedade de Laurence é uma das partes mais maravilhosas e de tirar o fôlego nesta adaptação), toda a magia delas é revelada.

Créditos de imagem: Wilson Webb/© 2019 CTMG, Inc.

Eventualmente, Gerwig intensifica o corte transversal, entrelaçando as linhas do tempo durante o clímax emocional do filme (um bastante familiar para os fãs do livro, mas sob uma nova perspectiva), quando o filme ilumina a forma como a memória e a emoção podem se chocar. A mesma história com finais diferentes, dependendo do que alguém espera dele. A história de Alcott é maior, melhor e mais emocionante por causa disso.

Apesar da meta ambiciosa de Gerwig, “Adoráveis Mulheres” ainda possui todas as cenas clássicas do livro que os fãs exigem – o acidente de Meg, a vingança de Amy contra Jo, o maravilhoso presente em forma de piano – e elas são tão lindamente apresentadas, de forma que os novos espectadores não têm como não adorar. Sem contar o figurino impecável de Jacqueline Durran e o design de produção de Jess Gonchor, que torna o filme uma absoluta experiência imersiva. Você não precisa ser um fã da obra de Alcott para se sentir imediatamente arrastado para o mundo da família March.

Mas, Adoráveis Mulheres não é sempre perfeito: algumas falas não convencem – Emma Watson deixa escapar seu sotaque americano algumas vezes, o que não é muito legal, principalmente pensando que contrasta com as demais personagens e com o fato histórico de que os EUA na época falavam um inglês muito mais próximo do britânico – e muitos dos  outros personagens não possuem a profundidade das irmãs. Uma Marmee de coração mole (Laura Dern) é algo bom demais para ser realista, e a apresentação inicial de Bob Odenkirk como o patriarca da família de alguma forma não encaixa bem (o que acaba sendo compensado posteriormente em uma das sequências finais). Ainda assim, Gerwig e suas garotas conhecem os corações e mentes das irmãs muito a fundo. Adoráveis Mulheres é sobre elas, acima de tudo.

Na metade de seu livro, muito antes de quaisquer finais felizes ou conclusões (o que o filme de Gerwig oferece abundantemente, ao lado de alguns questionamentos convincentes), Alcott dá uma pausa para comemorar uma explosão de alegria surpreendente. “De vez em quando, neste mundo dos dias de trabalho, coisas acontecem da deliciosa maneira dos livros de histórias, e como isso é confortável”, escreveu a autora, enquanto a família March celebrava um natal muito especial.

Adoráveis Mulheres de Greta Gerwig oferece sua própria e deliciosa versão, de sua forma singular, e como isso é confortável.


Texto traduzido e adaptado do Indiewire. Créditos da capa: Sony

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