Bad girls do it well.

A coisa mais interessante sobre a peça Medeia, de Eurípides, é que a protagonista Medeia, apesar de cometer o crime horrível de matar seus próprios filhos, é tratada como uma personagem com nuances e simpatia. Ela está prestes a ser deixada de lado por outra esposa mais jovem, e seus filhos com Jason estão prestes a ser colocados em escravidão.

Assim, a bárbara princesa de Colchis mata a nova esposa do marido junto com seus filhos, e deixa a história em uma carruagem puxada por leões ou dragões. Apesar de ser uma assassina, Jason é quem é tratado como um enganador e um quebrador de promessas. É uma história clássica de vingança, mas seu foco na mulher e na vitória da mulher é o que a torna tão única.

Parte da razão pela qual eu amo vilãs é que elas frequentemente personificam as coisas que tradicionalmente as mulheres não são: sexuais, complexas, manipuladoras, barulhentas e famintas por poder.

Quando elas querem alguma coisa, elas a perseguem sem piedade, e elas sabem o que estão fazendo – especialmente quando se trata de vingança.

Glenn Close em Ligações Perigosas, o thriller sexual dos anos 80 – baseado no romance francês Les Liaisons dangereuses, que também inspirou o sucesso de 1999, Cruel Intentions – é o exemplo mais incrivelmente perfeito de vingança feminina.

Como a Marquesa de Merteuil, Close oferece perfeitamente o frio distanciamento que vem de ser esculpida por uma sociedade sexista que espera que ela se comporte de uma determinada maneira. Como resultado, ela treinou-se para ser uma “virtuosa do engano” e contra-atacou usando todas as coisas que aprendeu.

Uma parte importante da fala da Marquesa no vídeo acima é traduzido a seguir:

Quando entrei na sociedade, tinha quinze anos. Eu já sabia que o papel para o qual estava condenada, a saber, ficar quieta e fazer o que me foi dito, me dava a oportunidade perfeita de ouvir e observar. Não para o que as pessoas me disseram, que naturalmente não era do meu interesse, mas para o que quer que estivessem tentando esconder. Eu pratiquei o desapego. Aprendi a parecer alegre enquanto, debaixo da mesa, enfiava um garfo no dorso da minha mão. Eu me tornei uma virtuosa do engano. Não era prazer que eu estava atrás, era conhecimento. Consultei os moralistas mais rigorosos para aprender como parecer, os filósofos para descobrir o que pensar e os romancistas para ver o que eu poderia fazer. E no final, destilei tudo num princípio maravilhosamente simples: vencer ou morrer.

Essa filosofia de “vencer ou morrer” soa como o lema de Cersei Lannister, a atual rainha de Westeros – através de anos de manipulação e muitos assassinatos para chegar a esse ponto. Eu não sou exatamente uma “fã” de Cersei, mas eu respeito seu “burburinho de cobra” quando ela quer fazer as pessoas que a injustiçaram pagar.

*** ALERTA DE SPOILER ***

Quando ela disse que iria queimar Westeros inteira  para conseguir o que ela queria, ela realmente quis dizer essa merda. Literalmente. Mesmo Margaery Tyrell, a pessoa mais inteligente da sala, não conseguiu impedi-la, por que quem teria esperado que Cersei fosse tão durona?

No entanto, acho que nenhuma cena serve de resumo tão perfeito das vinganças de Cersei como o que ela fez com Ellaria Sand.

Ellaria Sand foi responsável pela morte da única filha de Cersei, Myrcella – uma das poucas personagens inocentes da série, inclusive – em um ato de caráter que foi tão pobre que acabei me frustrando só de pensar nisso.

Como resultado, depois de capturar Ellaria e sua filha, Tyene, Cersei envenena a garota com as mesmas toxinas que mataram Myrcella. Ellaria, acorrentada na mesma cela, fora do alcance da filha, foi forçada a vê-la morrer lentamente, e Cersei garantiu que Ellaria sobrevivesse para ver a menina apodrecer.

*** FIM DO SPOILER ***

É cruel, terrível e obscuro, mas também… meio impressionante. É o tipo de crueldade bem maquinada que me faz amar ver mulheres perversas no cinema, mas a cereja do bolo é certamente Amy Dunne de Gone Girl.

A mesquinhez e o comportamento sociopata de Amy são melhor explorados no livro do que no filme, mas, em essência, a razão pela qual a vingança de Amy é tão fascinante de se ver é a sua inteligência e o modo como desmascara muitos homens.

A vingança de Amy utilizou todos os tropos da fragilidade das mulheres brancas, com as anotações emocionadas do diário, o gatilho da infidelidade, o fato de Nick tê-la arruinado financeiramente e sua amada personalidade pública, para pintar Nick como o marido horrível. É o brilho psicológico de tudo, não prejudicando-o fisicamente, mas prejudicando sua reputação e as pessoas ao seu redor.

Não é uma coincidência que a maioria dessas mulheres, exceto Medeia, sejam mulheres brancas loiras. Suas posições como a imagem mais facilmente associada à beleza ocidental faz com que o contraste entre suas características justas e suas intenções sombrias seja algo atraente de se ver. Essas mulheres usam sua beleza, sexualidade e mente para manipular as pessoas ao seu redor e agir como se fossem bobas.

É claro que existem elementos problemáticos nessas personagens. A maioria das personagens foi realmente criada por homens, mas isso não significa que não podemos encontrar prazer e diversão neles. A Marquise de Merteuil, por exemplo, pode ter sido punida no final, mas para mim, isso é uma tragédia porque eu entendo o sexismo que ela enfrentou foi o que a transformou na manipuladora que ela era.

Eu também me divirto com a Catherine Tramell em Instinto Selvagem porque, apesar de não ser uma representação “boa”, eu gosto de uma autora bissexual assassina que engana a polícia com um lampejo de sua vagina.

Não é “empoderadora” ou “feminista”, mas esse não é o único parâmetro que a gente tem pra se divertir ou pra despertar alegria. Podemos ser críticas, mas também podemos nos divertir.

O que eu quero é mais dessas personagens para atrizes não-brancas, mulheres LGBTQ+. Por que afinal de contas, quem não gosta de um espartilho branco e um batom bem forte pra dar aquele efeito realmente dramático?

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Quem são suas garotas más favoritas?


Texto traduzido e adaptado do TheMarySue.

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