Como June foi transformada no maior problema da 3ª temporada de THT.

Quando o trailer da terceira temporada de The Handmaid’s Tale foi lançado, parecia que a série estava se preparando para uma revolução. A frase mais chamativa dos trailers era “Blessed be the fight” ou “Bendita seja a luta”. E isso somado às conquistas de June no começo da temporada (como a sinalização de uma parceria com Serena Joy e a descoberta do movimento das Marthas) levou os expectadores a crer que realmente uma luta estava a caminho, finalmente conferindo uma resolução pra toda a problemática do enredo de THT. Quando June optou por ficar em Gilead para salvar sua filha no final da segunda temporada, ela recuperou algum controle sobre sua narrativa. Mas à medida que a 3ª temporada avança, fica cada vez mais aparente um pequeno fator bem problemático: quanto mais THT torna June heroica, menos investida a história se torna em seu próprio tema. A terceira temporada teve dez episódios até agora, mas eles parecem tão consumidos apenas em June que THT é até então uma série sobre pouco menos que isso: os problemas de June. Então é bom dizer logo: The Handmaid’s Tale tem um problema de June.

Explicamos.

A terceira temporada estreou algumas semanas após o final da série Game of Thrones, e é difícil perder as semelhanças entre as trajetórias de ambas as séries. Não só são adaptadas de livros, mas ambas esgotaram seu material de origem para definir seus próprios caminhos na televisão. GOT pelo menos tinha algumas direções do autor George R. R. Martin em mente. Handmaid’s Tale, por outro lado, acelerou os eventos do livro logo na 1ª temporada e parece estar produzindo novas temporadas sem ter um final claro em mente. Mais importante, ambas as séries foram construídas sobre uma base de medo e imprevisibilidade: os regimes em ambas as séries são implacáveis, o que significa que alguns de seus personagens favoritos podem morrer muito antes dos fãs estarem prontos para se despedir deles. A cautela era essencial para a sobrevivência tanto em Gilead quanto em Westeros – pelo menos nas primeiras temporadas.

Mas isso era antes, quando June, a narradora da história, andava por Gilead com medo. Quem poderia esquecer a interação da série com June e Emily, que demonstrou bem claramente os motivos das Aias sentirem medo? Assistir a primeira temporada causou muita ansiedade. Você sentia o medo palpável das Aias, sofria pela crueldade a que estavam sendo submetidas.

A crescente liberdade de June dentro da casa dos Waterford fez um pouco de sentido. Não só ela ganhou a confiança de Fred com suas habilidades jogando Scrabble, mas ela usou sua separação emocional de Serena como vantagem. Mas foram os avanços desafiadores que June fez com Serena na 2ª temporada que contam os melhores momentos da série. Enquanto grávida, June ganhou uma certa imunidade contra a violência física e usa a ausência de Fred para tentar colocar algum juízo na cabeça de Serena sobre a vida opressora que ela ajudou a criar. E isso acaba tendo um impacto bem forte quando Serena concorda em entregar “seu bebê” para June, quando ela tentou fugir para o Canadá. Yvonne Strahovski com certeza ajudou muito quando interpretou Serena Joy como uma personagem cheia de egoísmo, vulnerabilidade, tristeza e alegria, o que deu à série uma perspectiva mais complexa, em vez de uma temporada inteira dependendo apenas da narração de June.

Porém, na terceira temporada, June decide ficar para trás para salvar Hannah. É convincente para os criadores manterem June como a voz dos oprimidos. E no final de contas, seu lado materno nunca a deixaria sair de Gilead sabendo que sua primogênita ainda está em perigo dentro Gilead. Mas com essa guinada, algo mais estranho aconteceu: por causa dessa escolha, a série decidiu que June não seria mais apenas a narradora da história, mas também sua heroína e salvadora. Isso fez de June A Escolhida – e só por esse motivo, a série falhou com o livro.

A qualidade mais marcante do caráter de June (apenas Offred no livro) na história de Margaret Atwood era sua simplicidade. Ela não era uma feminista durona como sua mãe, nem tão corajosa e rebelde quanto sua melhor amiga, Moira. Ela era uma uma amante que ajudou a destruir um casamento, mas era uma mãe comprometida.

Esse jeito normal e comum da personagem foi útil para tornar O Conto da Aia uma realidade assustadora e muito identificável para todas as mulheres. Isso tornava sua vulnerabilidade prova de que toda Aia em Gilead estava tão exposta a um perigo mortal quanto ela.

Mas a June da terceira temporada não é mais uma mulher comum. Ela não só ajuda a levar uma criança para o outro lado da fronteira, como também é capaz de manipular as pessoas ao seu redor para garantir sua sobrevivência, muitas vezes em um nível que trai a sensação de perigo da série. A June da terceira temporada é imprudente. Mesmo quando na casa de um Comandante de alto escalão, ela agora fica distante das demais Aias, compartilha um cigarro com Serena Joy e quebra muitos limites que, em outras circunstâncias, nos fariam imaginar que ela seria morta de imediato. June agora deixa escapar expressões como “Bite me” para Ofmatthew, sua aia companheira, sem medo de repercussões. Ela provoca a Tia Lydia muito mais, a repreende até. Esta June se permite uma liberdade com seu novo Comandante, que já deixou claro que por muito pouco ele é capaz de entregar uma Martha ou uma Aia para a morte. Ela manipula a esposa doente do Comandante Lawrence para dar um passeio e poder ver sua filha. Ela não pede ou implora por liberdade, ela exige isso. Este June, em suma, é invulnerável ao perigo.

Não apenas esse foco concentrado no heroísmo de June faz pouco sentido, mas também faz dela o tipo de personagem que às vezes é difícil de torcer por. Nos episódios mais recentes, June não apenas colocou a sra. Lawrence em perigo (que aliás é a única Esposa que foi boa pra ela), como foi diretamente responsável pela morte de duas mulheres negras. Até o final do episódio 9, June não se sentia mal pelo papel que desempenhou na morte de Ofmatthew. E alguns fãs começaram a se perguntar onde estava a June que entendia o sofrimento de todas as mulheres.

A adaptação televisiva de O Conto da Aia tem sido justamente criticada pela má direção de assuntos raciais, por sua afirmação irrealista de que, em uma teocracia excessivamente rigorosa e conservadora, mulheres brancas e mulheres negras seriam oprimidas da mesma maneira. Se a série estava realmente tentando mostrar como as mulheres negras são descartáveis em Gilead matando Ofmatthew, então eles cometeram dois crimes: um em usar uma mulher negra como um mero dispositivo de enredo (ou seja, só fazer OfMatthew existir para que June começasse a externar seu ódio e supostamente começasse uma revolução), e outro em tornar June uma pessoa movida pela vingança, não importando contra quem.

Ainda há muito o que explorar em Gilead, como por exemplo o papel do Comandante Lawrence. O episódio mais envolvente desta temporada mudou o foco para capital dos EUA, onde um versão ainda mais opressiva do sistema ocorria. E não muito foi respondido sobre o que acontece lá.

Mas o fato é que The Handmaid’s Tale é mais eficaz quando se dedica para os perigos de Gilead e faz com que os expectadores sintam como se ela fosse uma realidade previsível no nosso mundo. Afinal, Gilead não é apenas o mundo de June, mas o mundo de todas as mulheres que sofrem opressão.


Texto traduzido e adaptado do Bustle.

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